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Sem Rede

"Sobre aquilo de que não conseguimos falar, é melhor calarmo-nos." (Was sich überhaupt sagen lässt, lässt sich klar sagen; und wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen) - Wittgenstein.

"Sobre aquilo de que não conseguimos falar, é melhor calarmo-nos." (Was sich überhaupt sagen lässt, lässt sich klar sagen; und wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen) - Wittgenstein.

Sem Rede

20
Mar06

Vontade Política

Redes
fasce.jpg Teríamos se calhar que digressar pelos textos de Nietsche e de Schopenhauer para tratar com um mínimo de justeza este tema. Acontece que não estou preparado e tenho pressa para dizer o que não pode esperar mais delongas teóricas. É que não há comentador que não fale da dita "vontade", quase sempre na positiva e, quando adomestam o exercício de alguma da dita, nunca o fazem com a referida expressão. É, pois quase sempre pela positiva que se vai à "vontade política", quer para elogiar o seu exercício, quer para acusar a falta dela. Talvez isso se deva ao actual culto da eficácia. Nos negócios imperam os executivos, isto é aqueles que conseguem fazer com que os outros façam mais do que quereriam, não fosse a imposição da vontade alheia. Aquela que o valente executivo exibe aos trabalhadores temerosos e aos accionistas gananciosos. Com efeito, Schopenhauer diria que é a vontade que mantém a vida, sobretudo a vontade de poder sobre as coisas e sobre os outros. Não fora a vontade, a lei da entropia levar-nos-ia ao marasmo da morte. Até os rios deixariam de continuar a correr para o mar e as orgulhosas montanhas desfazer-se-iam em míseras planícies. Mas a vontade política é sempre a força que se impõe dum centro monopolizador da força de vontade para a imensa periferia de minúsculas vontades individuais. O entronado líder observa do alto como a sua vontade molda o mundo e como este, feito de barro, se deixa conduzir pelo seu império. A realidade é o maior obstáculo ao exercício da vontade política. Lenine fora advertido pelos mencheviques de que a Rússia não estava preparada para a revolução socialista. Teria que primeiro passar pelo capitalismo e acabar com os vestígios de feudalismo, criar uma burguesia e um proletariado industriais. Mas Lenine, viu nos descontentes com a guerra, o seu proletariado, orientou-os, e em "dez dias que abalaram o mundo", fez a primeira revolução socialista. Depois, erigiu em inimigos da sua revolução todos os outros partidos operários que não aceitassem o poder dos bolcheviques, quer fossem mencheviques, anarquistas ou socialistas revolucionários - foram todos liquidados. A realidade impôs-se sempre a Lenine, mas este, sempre a contornou, com o exercício máximo da vontade que é o de fazer a linguagem recriar a realidade. Se há uma revolta operária, das duas uma, ou é uma cilada da burguesia, dos inimigos externos da revolução, ou um desvio esquerdista, infantil que prejudica os interesses do proletariado, que também é o chefe que define. A Nova Política Económica, que sucede à enorme violência do Comunismo de Guerra, é uma concessão à realidade. Dessa política resulta a criação de uma classe de camponeses proprietários. uns mais ricos, outros menos, os kulaques. Estaline irá depois destruir através da violência, do genocídio, da fome e dos trabalhos forçados esta pobre classe camponesa, produto da política leninista. Para isso, Estaline, dispunha do poder de criar a realidade, de definir os kulaques como inimigos da revolução socialista. Hitler e Salazar usaram e abusaram da força da vontade política. Disseram e definiram o que quiseram. Hitler definiu os judeus como os responsáveis pela tragédia alemã, quer estes fossem pequenos logistas, intelectuais, professores ou grandes capitalistas. Salazar definiu as colónias e os seus habitantes como partes integrantes do território nacional, num flagrante desdizer da legislação colonial anterior do seu próprio governo. O nosso governo actual tem a força da vontade política que nós lhe concedemos. Nós, a argamassa que lhe compete moldar, nós a realidade amorfa a que é preciso dar um sentido. Nós somos os limites, os muros, que limitam o seu exercício. Nós, os cheios de defeitos, talvez nem todos valhamos para o grande imperativo nacional. Muitos serão os excluídos que não servem nem aos ímpetos do mercado, nem aos do engrandecimento da Pátria. A democracia tem uma coisa boa, é que a vontade do líder tem sempre que se confrontar com a de numerosos oponentes e como tem um dia de ceder a outro, não admite desculpa, nem justificativa, como as de Fidel Castro: os falhanços da revolução são culpa dos seus inimigos, do bloqueio americano, dos descontentes que se concentram na Florida, dos corruptos que serão fuzilados, etc. Não admite sequer a pergunta: será que os cubanos querem mesmo seguir esse caminho, que Fidel e os seus correlegionários lhes impõem? Um dia, a vontade do líder tem que se haver com as de todos os cidadãos que o julgarão sempre sem benevolência. Mas, antes de chegar esse dia, cumpre discutir todas as decisões, todos os argumentos, sem receio, nem decoros de esquerda ou de direita. Temos que discutir os princípios, os meios e os fins, sem cerimónia. O que quer que seja: coisas pequenas e coisas grandes, a política da educação, a estratégia de Lisboa, as pensões de reforma dos políticos, o vocabulário, os vencimentos dos "boys" e os dos gestores das empresas públicas, etc. A vontade política só é boa quando é cerceada por todo o lado, pela crítica das oposições e pela manifestação da realidade ofendida: professores contra as aulas de substituição, polícias contra a perda de privilégios, bombeiros contra a militarização, funcionários contra o aumento da idade de reforma, ecologistas e bairristas contra a co-incineração, etc. Que onde seja justa e globalmente boa, apesar dos protestos sectoriais, que a vontade do líder se imponha, mas que não seja mais do que a necessária e que reconheça os seus limites.

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