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Sem Rede

"Sobre aquilo de que não conseguimos falar, é melhor calarmo-nos." (Was sich überhaupt sagen lässt, lässt sich klar sagen; und wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen) - Wittgenstein.

"Sobre aquilo de que não conseguimos falar, é melhor calarmo-nos." (Was sich überhaupt sagen lässt, lässt sich klar sagen; und wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen) - Wittgenstein.

Sem Rede

28
Mai23

Alguns comentários à margem de Casa Portuguesa de Pedro Penim

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Não pretendo fazer uma crítica teatral da peça que recomendo a todos os títulos no que diz respeito ao valor do espetáculo, atores com brilhante desempenho, belo cenário e um texto com alguns aspetos muito interessantes e outros que me deixam interrogações e suscitam estas reflexões. Advirto que, quando analiso estes enunciados, não pressuponho que a peça os defende, mas apenas que eles ganham alguma preponderância para o espetador (eu) e o interpelam e, por isso, aqui os comento.

Matar o homem

Na peça, introduz-se a diferença entre homem e mulher à luz do paradigma atual que faz do género uma possível opção e não uma fatalidade ditada ao nascimento, como se essa diferença trouxesse alguma compreensão às memórias de um partcipante na guerra colonial. Que em todos os humanos há masculinidade e feminilidade é uma ideia antiga. Veja-se Pierre Daco,  As mulheres, um livro de há várias décadas que aborda a diferença entre homem e mulher numa perspetiva psicanalítica, e que, corrigindo o complexo de castração de Freud, afirma precisamente isso, a masculinidade que existe nas mulheres e a feminilidade que existe nos homens.

Simplesmente, não vejo qualquer evidência de que a mudança de paradigma no poder, do masculino para o feminino, envolvendo queers, trans ou mulheres altere em alguma coisa o exercício da guerra. E, sobretudo, não podemos identificar na guerra colonial, um lado agressor masculino e outro defensivo, feminino. Talvez possamos reconhecer uma masculinidade predominante na gesta heróica dos conquistadores e dominadores, mas nada impede que esse discurso mude e integre homens e mulheres (e outros...) em papéis muito parecidos. Basta dar uma olhada em séries atuais que integram mulheres bem femininas em papéis igualmente violentos. De resto, as mulheres sempre estiveram no poder, por detrás dos homens a exigir-lhes demonstrações de masculinidade e quando o exerceram efetivamente não foram propriamente meigas (Isabel I, de Inglaterra, Maria a sangrenta, Catarina II, da Rússia, Margaret Thatcher, Golda Meir, Benazir  Bhuto, Aung San Suu Kyi, etc.). Veja-se nesta última, apesar de ter sido vítima dos militares, a sua atuação a propósito dos rohingyas.

Parece-me impossível matar o homem e errado colocar na testosterona a culpa de todos os males da humanidade, tanto mais que esta hormona, tal como outras, são essenciais tanto a homens como a mulheres. 

Guerra colonial versus guerra de libertação

No jogo do reverso, em que o mesmo facto é visto de maneira diferente, como no exemplo de "penetração" versus "circlusão", uma palavra inventada no contexto das questões de género, aqui também uma personagem contrapõe ao termo "guerra colonial", o de "guerra de libertação", apesar do lado contrário nesta guerra estar ausente. A este propósito, importa lembrar que "guerra colonial" era um termo da Oposição. O discurso oficial dizia que não havia colonialismo na África portuguesa e que se fazia uma guerra contra o terrorismo nas províncias portuguesas do ultramar. Trata-se pois de dois conceitos complementares e não opostos em nenhuma perspetiva. Curiosamente, nesta página, dedicada ao livro de Joaquim Penim, No planalto dos Macondes, a guerra é designada de acordo com a perspetiva do regime do Estado Novo: "guerra do Ultramar" e não guerra colonial, um termo, então, proibido.

Casa Portuguesa

Sobre "Casa portuguesa" de Reinaldo Ferreira, é justo lembrar que a questão da independência de Moçambique não estava ainda em discussão na praça pública, como veio a acontecer alguns anos depois da sua morte (1959), aos 37 anos. Ele desempenhou o cargo de chefe de posto da administração colonial de Moçambique. Tanto "Casa Portuguesa" como "Kanimambo" são obras encomendadas, coisas menores na poesia de Reinaldo Ferreira que os críticos consideram de elevada relevância na Literatura Portuguesa e que outros reivindicam como parte da Literatura Moçambicana. 

É preciso acrescentar o juízo literário de que constrastar a "Casa Portuguesa" que evoca uma falsa tradição lusa com a sua origem ultramarina e ligar essa oposição à memória da guerra, trazendo-a  para dentro de casa, por assim dizer, é um ponto alto do texto da peça. Digamos que é a memória da guerra a metaforizar as contradições da família, com a figura paternal em ruínas e os papéis tradicionais, mascuninos e femininos, a serem contestados.

Um poema de Reinaldo sobre "herói".

Receita para fazer um herói
Tome-se um homem,
Feito de nada, como nós,
E em tamanho natural.
Embeba-se-lhe a carne,
Lentamente,
Duma certeza aguda, irracional,
Intensa como o ódio ou como a fome.
Depois, perto do fim,
Agite-se um pendão
E toque-se um clarim.


Serve-se morto.

Matar negros

Sujeito ao interrogatório do neto, o ex-furriel responde que esteve numa guerra com tudo o que ela implica. Infere-se que terá morto negros como seria inevitável, pois os adversários seriam isso. Posto que além de mortos em combate de ambos os lados e massacres de populações, alguns dos quais, noticiados, como o de Wiriamu, a pergunta é intrinsecamente racista, pois sabemos que havia muitos negros a combater do lado português, e também destes, foram muitos os mortos causados pelos adversários. A questão sugere que havia uma guerra entre pretos e brancos o que é uma caricatura deplorável. De novo, o lado ausente das memórias da guerra aparece só como vítima em contradição com a reivindicação do termo Guerra de Libertação.

O império de "Minho a Timor"

É um dos mais ridicularizados enunciados do discurso colonial português. Para o Estado Novo de Salazar, no Ato Colonial de 1930, o Império era constituído por colónias. Nestas, os habitantes negros não eram cidadãos de pleno direito, mas, apenas, "indígenas". Só obtinham direitos de ser "assimilados" os que tivessem êxito num exame de cultura e língua portuguesa. Só tinham cidadania sem quaisquer aspas os portugueses originários. Diz-nos Adriano Moreira que, quando foi introduzido o enunciado "de Minho a Timor", se referia a brancos, portugueses que viviam em Portugal e nas colónias e não a toda a população. Na década de 60, o estatuto do indigenato acabou e todos passaram a ser considerados portugueses. Os territórios já eram designados como "províncias" desde 1951 e todos os vocábulos com étimo colonial desapareceram, mas na realidade efetivamente vivida, as relações entre "portugueses" brancos e negros não tinham sofrido uma alteração equivalente à do léxico.

Este estado de coisas foi contestado, primeiro por militantes da oposição que se opunham ao colonialismo e à ditadura e, depois, pelos movimentos de libertação nacional. 

Como vejo as guerras de libertação nacional

Para evitar equívocos sobre a minha posição, esclareço que, para mim, a luta armada por parte da FRELIMO, do MPLA (assim como da UNITA e da FLNA) e do PAIGC foi a única solução para que as elites africanas tomassem os destinos dos seus países contra um governo que mantinha um status quo colonial já ultrapassado, à revelia das decisões da ONU,  e que se recusava a dar aos habitantes das colónias o que fora concedido pacificamente e sem problemas pelas outras potências europeias na maior parte dos países africanos. 

15
Jan23

A dança das cadeiras

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Era dia da escola ir ao teatro. Estava tudo acertado entre o Teatro, a escola e os professores. Infelizmente, já na bilheteira, houve um pequeno problema. Por erro da funcionária, duas turmas estavam a mais. - A culpa é minha, digo-o com toda a franqueza, tenho de me responsabilizar inteiramente pelo sucedido - repetiu a funcionária a sorrir, com tanta ênfase que parecia estar orgulhosa dessa capacidade de admitir os próprios erros. Essa franqueza, essa abertura, não deixava lugar para qualquer crítica. Tornava-a escusada, redundante, inútil, sem força para fazer o seu caminho contra um muro que se desvanecia por si próprio. Ela tinha dado baixa das duas turmas erradamente, por alegadas dificuldades de transporte. O certo é que as duas turmas apareceram com a casa já cheia, a abarrotar, com as que as substituíram. - O problema agora é como pôr os alunos sentadinhos lá dentro. Também não podemos mandar as turmas a mais embora, coitados, pois não têm culpa nenhuma do sucedido, e com cerca de trinta quilómetros de viagem a Lisboa, para nada!? Por isso, tenho solicitado aos professores, se não se importavam de ficar em pé durante o espectáculo. Atenção, não levem a mal, era só um pedido, não era uma exigência. Com cerca de dois professores por turma em pé, haveria lugar para os meninos se sentarem. Os professores são sempre a parte que pode dar um jeitinho, aquela onde ainda existe alguma folga. Os professores ali presentes compreenderam. Uns puseram em questão a medida em comentários laterais, mas não frontais. Certo, certíssimo, é que ninguém se escandalizou com a proposta. Outrora tínhamos um Professor muito bem sentado na Cadeira do Poder. Nesse tempo, os professores ganhavam mal, talvez menos do que hoje. Mas quando alguém falava deles era de "Senhor Professor" para cima. Alguns tinham outros títulos entre "professor" e o nome próprio, mas, para todos, era de professor com P maiúsculo que se tratava. A contrabalançar o montante irrisório do salário, estava o poder pedagógico ou académico e o prestígio da sabedoria, à imagem do Colega que, na sua Cadeira, se mostrava como símbolo da sapiência, do comedimento, da poupança e da austeridade. Um dia, o Senhor Professor caiu da Cadeira e, desde então, vingou o jogo das cadeiras, pois deixaram de estar bem claras as prioridades, as hierarquias que convêm ao acto de bem sentar. A sociedade democratizou-se, os professores descobriram-se e declararam-se trabalhadores, como todos os outros, multiplicaram-se por milhares, reivindicaram e bateram o pé. De "Senhor Professor" ou "Senhor Doutor", personagem tutelar, ao nível do médico ou do padre da aldeia, o professor evoluiu para o "setor", forma envergonhada de dizer a ausência de título adequado. Ali à entrada do teatro éramos o velho com a criança, sem saber o que fazer com o único lugar disponível no burro. Podia ser que pensassem que a idade de vários dos professores suportaria mal uma hora e meia em pé. Haveria que ter em atenção as dores nas costas e nas pernas dos que já ultrapassaram o auge da idade. Então poder-se-ia sugerir que alguns alunos se sentassem nos degraus do balcão ou da plateia, tão habituados estão a sentar-se em qualquer lugar. Mas não, são as crianças, que estão à nossa guarda, que têm a primazia, são elas que devem ter o lugar no burro. Os velhos que sigam a pé.

Publicado a 14 de Maio de 2015.

08
Fev22

A leitura no relatório Estado da Educação

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Este post decorre de uma sessão do Bom dia Portugal da RTP em que, inquirido sobre a leitura no relatório do CNE, Estado da Nação 2020, não tive oportunidade de explicar a minha resposta a uma questão colocada pelo jornalista. O programa é demasiado rápido. O erro de registo é meu. Pensei que era um bom dia mais longo.

O pressuposto da questão era o agravamento do número de casos de alunos com dificuldades de leitura, que foi negado por mim, sem oportunidade de explicar porquê.

O facto é que o dado que me pareceu referido na pergunta dizia respeito aos alunos de 15 anos com graves dificuldades de leitura detetadas no teste PISA que não era uma novidade do relatório e já tinha sido analisado nos media em 2018, data após a qual não há nada a acrescentar. Além do mais, tal facto e a respetiva tendência já tinha sido analisado no Estado da Nação de 2019. O contexto é no presente relatório a meta europeia de diminuir o número até 15%. Verifica-se que Portugal, em 2018, piorou a dita dificuldade de 17,2% em 2015 para 20,2% em 2018. Uma perda de 3 pp, como se pode observar no gráfico incluído (p. 14):

literacia_01.png

 Se observarmos os resultados dos 5 testes, verificamos um melhoramento de 24,9 em 2006 para 20,2 em 2018, isto é, cerca de 5 pp, enquanto a UE27 melhora em apenas cerca de 1 pp. Neste percurso, notamos um progresso extraordinário de 7 pp de 2006 para 2009 e, depois, variações em torno de 1 e 2 pp entre 2009, 2012 e 2015. De 2015 para 2018, temos a queda já referida de 3 pp. Por outro lado, observa-se que a UE27 melhora quando Portugal melhora com um pequeno contra-ciclo em 2012 e 2015 e piora em conjunto com Portugal.

O fenómeno acima referido mereceu uma análise pormenorizada no Estado da Educação de 2019:

literacia_02.png

Que fatores poderão ser atribuídos para a gestação destes fracos leitores? É preciso ter em conta que há mudanças na composição da população, tanto na Europa, como em Portugal, em que a leitura é particularmente atingida por ser uma competência linguística.

Na altura do teste, foi amplamente discutida a responsabilidade política neste resultado. Mesmo que fosse o caso de os efeitos referidos terem uma correlação temporal aceitável com as mudanças programáticas, teríamos de descobrir os aspetos programáticos relevantes que, ao mudar, tivessem contribuído para este resultado. Com efeito, estes alunos estudaram Português com o Programa e Metas Curriculares, a partir de 2015, com as Metas Curriculares, a partir de 2013 e terão entrado no 1.º ciclo com o programa de 2009.

Se a fragilidade advém da aquisição inicial da leitura que jusitifica a inclusão de metas sobre cronometragem da velocidade de leitura em 2013, lembro que o programa de 2009 já insistia na necessidade de trabalho sobre os fonemas e a sua correspondência com os grafemas na aprendizagem inicial da leitura. A cruzada contra os métodos globais feita nas Metas de 2013 não beliscava em nada o programa que se propunha corrigir, embora eu reconheça haver ainda, na altura, professores que insistiam em procedimentos de ensino da leitura que tinham como prioridade a apreensão de unidades significativas que atrasavam em muito a aprendizagem essencial da decifração. É preciso olhar para os resultados do PISA com maior atenção, o que já terá sido feito e verificado que a falha tem a ver também com a capacidade inferencial que acompanha todo e qualquer ato de leitura, com o léxico e com o conhecimento de géneros textuais.

Seja como for, a generalidade dos professores de Português, que inclui também os do 1.º ciclo, sabe o que há a fazer, assim haja os meios para o realizar. Entre outras coisas, trata-se de:

  • Detetar cedo as dificuldades na aprendizagem da leitura e tratá-las de uma forma sistemática, sem esperar que o aluno tenha que ser retido no 1.º ou no 2.º ano (má solução).
  • Dar a alunos com dificuldades textos literários mais acessíveis e mais motivadores para o jovem leitor, se se verifica que não conseguem ler com utilidade os que lhe são impostos programaticamente.
  • Tratar todos as obras literários como textos, que requerem leituras pessoais ainda que partilhadas na aula, e não como conteúdos programáticos.
  • Trabalhar as componentes da leitura cujas falhas podem prejudicar o ato de ler: o léxico, a situação referida no texto (histórica, social, etc.), o conhecimento do género e a complexidade da construção frásica (trabalhada em termos de compreensão no próprio texto), etc.
06
Jul21

Educação para a cidadania em causa

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Não vou analisar os conteúdos da disciplina, mas apenas referir-me aos eventos que aparecem associados à questão.

  • Dois alunos foram impedidos de transitar de ano por faltarem às aulas de Educação para a Cidadania.

Pergunto se a escola, conhecido o motivo por que os alunos faltaram a essa disciplina, não tinha a possibilidade de recusar esta solução?

Como a retenção não é considerada atulamente um castigo, mas sim uma medida pedagógica, muito questionada na sua eficácia, a falta de sucesso apenas a Educação para a Cidadania não deveria resultar na aplicação desta medida que assume aqui contornos disciplinares e não pedagógicos. 

  • Os dois alunos acima referidos faltaram às aulas da disciplina referida por esta incluir conteúdos cuja dimensão ideológica é contestada pelos pais.

Pergunto se não teria sido possível os alunos participarem em aulas em que os referidos temas não fossem tratados, numa negociação entre a escola e a família. Assim, teriam menos faltas e talvez não atingissem o limite. Se isso não foi feito por recusa dos pais, então, parece-me questionável que queiram advogar objeção de consciência. Há alunos que não participam em atividades escolares como o Natal, ou o dia do Pai, por motivos religiosos ou ideológicos sem as consequências que este caso está a ter. Não terão sido estas mesmas consequências as perseguidas pelos pais ou por outros intervenientes para colocar os conteúdos da disciplina na agenda política?

A falta às aulas seria mesmo a única opção? Os pais não poderiam por exemplo,

  • dizer aos filhos para abandonarem a aula sempre que fossem abordados esses temas se não fosse possível agendar a sua participação (o que me parece estranho já que os professores costumam planear o ano com os seus alunos)?
  • fazer com que os filhos levassem para a aula o discurso que eles têm sobre o assunto, fomentando a discussão?

Para compreender isto, tenho que colocar a hipótese de que alguém quis que assim fosse. Não me parece que seja do interesse das autoridades educacionais o curso que o caso está a ter como João Costa, Secretário de Estado da Educação já explicou.

21
Mar21

Rever, refazer e reavaliar o passado - Napoleão e os seus generais

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Temos que refazer continuamente a História, na busca da verdade factual com documentos, provas e avaliações que tenham em consideração o contexto para não cairmos em anacronismos.

Foi Napoleão um herói da revolução? Milhões o seguiram como se fosse um deus. Mesmo Portugal, invadido pelas suas hostes, permaneceu numa atitude dúplice a propósito deste seu inimigo, que, mesmo assim, entusiasmou muitos, como Gomes Freire de Andrade, o mártir do liberalismo, que o acompanhou até à Rússia com mais cerca de nove mil compatriotas da legião portuguesa integrada no exército francês.

Napoleão era profundamente admirado por Hittler. Tanto um como outro foram responsáveis por milhões de mortos, em guerras, provavelmente inúteis. As napoleónicas foram muito além do que a defesa da revolução justificava e terão mesmo precipitado o seu fim, com o regresso da monarquia, se aceitarmos que ela não terá mesmo acabado com o próprio regime napoleónico, ou, mesmo, antes, com os ditadores que o antecederam.

Mas além dessa mortandade de civis e soldados em batalhas infindáveis, há que computar a enorme quantidade de execuções. Pois tudo o que reconhecemos como imagem de marca de Hittler começa agora a ser ligado a Napoleão como uso de câmaras de gás para matar em massa e antisemitismo. Sem querer entrar na polémica aberta em França, por Claude Ribbe, há alguns factos suficientemente seguros para fundamentar uma revisão do papel histórico do Imperador.

Os princípios da revolução tinham conduzido logicamente ao fim da escravatura em 1794. Porém, Napoleão restaurou-a em 1802. Este gesto foi só por si responsável por milhares de mortos nas Caraíbas onde já tinha havido desenvolvimentos na sequência da luta pela independência do Haiti com Toussain Louverture.

Com o Haiti em perda, para repor a situação anterior em outras ilhas, foi necessário uma ação militar de grande escala. Em Guadalupe, o grande general Antoine Richepanse, herói que tem o seu nome no Arco do Triunfo, massacrou homens, mulheres e crianças:

"Napoleon sent him to put down a slave revolt on Guadeloupe, where Richepanse slaughtered all men, women and children that he encountered on his route to the capital" (https://en.wikipedia.org/wiki/Antoine_Richepanse)

Mas, na sua biografia oficial, apenas consta a sua morte por febre amarela, após o regresso de Guadaloupe. As milhares de mortes causadas diretamente pela sua ação pouco ou nada contam.

A atual celebração do Ano de Napoleão, nos duzentos anos da sua morte, deveria servir para analisar e discutir o seu lugar na história e não tanto para o homenagear. Há receios justificados que não seja essa a perspetiva (ver "Napoleon Isn’t a Hero to Celebrate"). Julgo que é preciso distinguir claramente a ação racionalizadora em muitos aspetos da vida quotidiana do período referido, como será o caso do sistema de pesos e medidas, da violência que o império napoleónico gerou. 

14
Dez20

TIMSS 2019

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Os dois testes incluíram itens de matemática e ciências aplicados a amostragens da população de alunos do 4.º e do 8.º anos, respetivamente. No 4.º ano, Portugal piorou em relação a 2015. Sobre o último teste do Trends in International Mathamatics and Science Study, consulte o relatório oficial.

No Público, "Resultados TIMSS: Afinal de quem é a culpa, será que importa?", Alberto Veronesi conclui que a responsabilidade do menor desempenho é das políticas educativas do Governo do PS apresentando como evidências,

  1. a coincidência entre início do governo PS e o início da escolaridade da geração dos alunos testados;
  2. a mudança drástica das políticas educativas no periodo de 2015-2019;
  3. a diminuição da exigência em que "o esforço deixou de ser valorizado e arranja-se sempre uma forma para que não haja retenções";
  4. a publicação e implementação da Flexibilidade Curricular e das Aprendizagens Essenciais (2018-2019).

O primeiro ponto refere prescisamente o que tinha sido contestado pelo Secretário de Estado da Educação [1] com os seguintes argumentos:

  • A mudança curricular feita por este governo só teve efeito a partir de 2018, como António Veronesi refere (ver ponto 4). Portanto, o que está em causa é o programa de Nuno Crato. Este governo poderia ser criticado e é-o por muitos professores de Matemática por não ter mudado esse programa mais cedo - e não estou a defender que tenham ou não razão nestas críticas.
  • É errado atribuir a responsabilidade pelo sucesso do TIMSS (2015) à política educativa de Nuno Crato pelo mesmo motivo: a alteração curricular por ele feita só terá tido efeito a partir de 2015. Nas escolas, funcionava uma abordagem ao ensino da Matemática com base no programa de 2007 com uma formação específica de professores para esse efeito [2]

O mínimo que o articulista devia fazer era discutir estes argumentos do Secretário de Estado e não se limitar a repetir precisamente o que ele contestou. Quanto à exigência e ao número de retenções, verifica-se que a maior parte dos países com melhor desempenho nesse teste têm menos retenções do que Portugal (na Finlândia, são residuais; na Noruega, proibidas). Tudo o resto é irrelevante pois não se mostra nenhuma correlação entre as mudanças referidas e os resultados no TIMSS. Para isso, seria preciso analisar os itens do teste e as mudanças curriculares referidas e mostrar que teria havido alterações que prejudicaram os alunos no ano letivo 2018-2019.

Continuando no seu facilitismo e falta de exigência jornalística, António Veronesi remete para o artigo "PISA 2015: alunos portugueses ficaram pela primeira vez acima da média da OCDE" para comprovar que este governo teria reivindicado o sucesso nos resultados do PISA de 2015. Parece-me que essa mudança teria de refletir também mudanças mais profundas anteriores ao governo de Crato. Mas o artigo acima referido não diz nada sobre esse assunto.

No mesmo sentido da facilidade, rema Luís Aguiar-Conraria em "Passa-culpas para o Passos", no Expresso. 

Se bem que me pareça aceitável não se poder ainda atribuir qualquer efeito às mudanças curriculares do presente governo, é preciso analisar com rigor se os desempenhos programaticamente previstos coincidem com o requerido pelo TIMSS e, se concluirmos que importa mudar nesse sentido, que o façamos. Contudo, não é fácil justificar quer o sucesso quer o insucesso em testes internacionais recorrendo unicamente a enunciados programáticos: importa ver como essas diretrizes foram aplicadas num tempo mais longo já que há uma importante correlação entre resultados positivos e todo o percurso anterior do aluno e não unicamente os últimos dois anos.

Quanto ao título, "Resultados TIMSS: Afinal de quem é a culpa, será que importa?", diria, em resposta, que não é a culpa que importa, mas sim as políticas e os seus efeitos. Têm que ser analisadas as mudanças curriculares operadas pelos governos nos tempos que têm para produzir efeitos e descobrir, eventualmente, o que há a corrigir e a melhorar.  E a mudança está em curso: "Vem aí um novo currículo para a Matemática".

[1] Desempenho das crianças portuguesas a Matemática piora. Governo culpa políticas de Crato

[2] Desempenho português a Matemática no TIMMS dos mais novos

20
Abr20

Coronavírus - Portugal no concerto das nações

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Pedro Caetano, auto-reputado epidemiologista, critica uma qualquer glorificação do caso português e mostra que Portugal é um dos piores países do mundo no que a esta doença diz respeito (Cf. "Visão Factual Epidemiológica: Portugal é um dos países mais perigosos do mundo na Covid-19"). Pareceu-me que o ponto tratado - a proporcionalidade dos dados relativamente à população - era demasiado elementar para ser apontada aos outros epidemiologistas e jornalistas que, em sua opinião, faziam o panegírico do caso português. Pus-me então a analisar os dados presentes em vários artigos que tenho lido e apresento aqui esse trabalho.

A validade dos dados sobre o número de casos depende do número de testes realizados. Nas últimas conferências, à data deste "post", o secretário de estado da saúde tem referido o aumento do número de testes e esclarecido que o crescimento relativo do número de testes feitos é superior ao do número de novos casos. De acordo com Ana Suspiro e Catarina Santos no Observador de 21 de Março, "Covid-19. Como Portugal se compara com outros países em número de casos, mortos e testes", Portugal é talvez o país ou pelo menos um dos países que faz mais testes por cada milhão de habitantes.

O número de mortos é talvez o elemento mais seguro do desenvolvimento da epidemia. A 2 de Abril, o Sábado apresenta um gráfico sobre a taxa de aumento do total de mortes que seria, então, mais favorável que a dos países com maior número absoluto de infetados. Contudo, o que se diz no texto não coincide com o gráfico e este é de todo inconsistente. Mostraria que no 27.º dia após a 10.ª morte, Portugal duplicava o número de mortes a cada 4 dias, os EUA, a cada 3 dias, a Itália, a França e a Espanha, a cada 2 dias, mas os dados certos, presentes nos pontos da curva, desmentem a sua inclinação! ("Um mês depois como se compara Portugal na luta contra a covid-19").

No Expresso de 17/04, num artigo de David Dinis, "Infografia, covid-19. «Num planalto que desce, mas não cai. Quatro gráficos que nos comparam com o mundo»" compara-se a taxa de crescimento diário de novos casos contados 35 dias após o 100.º caso, que cai, por acaso, num dia em que a taxa é excecional (1%) com um reporte de 181 novos casos que diverge dos anteriores. Para ver a consistência da observação, fiz a média das médias dos 3 dias anteriores e verifiquei que é de 2,8%, portanto, distante da dos casos dos outros grandes países  já referidos - Itália, Espanha, França, Estados Unidos - , assim como da Suécia e da Holanda que se situam no intervalo entre os 5 e os  7%. Para validar esta observação teria que despistar a possibilidade de que o 35.º dia após o 100.º caso tivesse sido especialmente negativo para esses países. Há aqui um reparo que tem de ser feito ao autor do artigo: falta de tratamento estatístico. Importava colocar os dados de todos os países em médias de intervalos de 2 ou 3 dias para eliminar flutuações pouco significativas. Apesar de, neste artigo do David Dinis, figurarem ainda outros gráficos comparativos questionáveis, por compararem dados absolutos, o gráfico referido, mesmo com o reparo feito, é elucidativo da evidente diferença para melhor dos dados de Covid-19 portugueses.

Pedro Caetano elege como especiais alvos da sua crítica o Expresso e o New York Times. De facto, os media portugueses noticiaram um elogio do grande jornal americano à luta contra o coronavírus em Portugal. Em três artigos publicados sobre o assunto, na segunda semana de Abril, refere-se apenas a comparação da mortalidade, de Portugal com Espanha. É que, tendo em conta a população dos dois países, a desporporcionalidade era evidente: 504 mortos contra 16972 (Cf. "One in Eight of Portugal's Coronavirus-Related Deaths in Care Homes as Outbreak Spreads", NYT, 12 de Abril). É preciso informar que a responsabilidade deste artigo referido é da Reuters e não da redação do jornal.

Mas, já uns dias antes, a 7 de Abril, o NYT publicava um outro artigo a desenvolver a comparação entre Portugal e o país vizinho, (Raphael Minder "Spain’s Coronavirus Crisis Accelerated as Warnings Went Unheeded)":

“Despite sharing a 750-mile border with Spain, Portugal passed 200 coronavirus deaths last week just as Spain reached 10,000.”

A 9 de Abril, foi publicado outro artigo da Reuters, "As Contagion Slows, Prudent Portugal Won't Ease Lockdown":

“Portugal has 13,956 confirmed coronavirus cases and 409 fatalities, while in Spain more than 150,000 people have been diagnosed and 15,000 people have died.

"The massive gap in the number of cases and mortality rate between the neighbours sharing a 1,200-km border is hard to explain. Some experts and doctors have pointed to the fact that Portugal restricted movement of people early on, when cases were still in their hundreds and with just two deaths.”

Comparam-se as estratégias: quando tinham ocorrido ainda apenas duas mortes em Portugal, a 18 de março, foi declarado o “lockdown”; em Espanha, a ocorrência das primeiras mortes foi a 3 de março, mas o “lockdown” só foi declarado 11 dias depois. 

Não me vou debruçar sobre a leitura do NYT pelos jornais portugueses. Verifico, por exemplo, que ignoram o facto de dois dos artigos serem da agência Reuters e não da redação do jornal. Em todo o caso, não vejo nenhum artigo a evidenciar qualquer suposto sucesso português que não se fundamente na surpresa dos resultados serem devidos à expetativa de que Portugal deveria ter uma situação bem pior, dada a falta de resposta hospitalar equivalente à de outros países mais ricos, a elevada idade da sua população – a terceira mais velha da Europa - e a proximidade relativamente a países que têm cenários muito mais graves.

De resto, é impossível fazer estas comparações sem ter em atenção muitos fatores. Por exemplo, a Suécia tem uma baixa densidade populacional que não favorece a expansão do vírus para além de Estocolmo. Nem sequer a eficácia das estratégias adotadas pode ser comparada – pois muitos suecos fizeram o seu próprio “lockdown” apesar de o governo não o ter ordenado.

Portanto, Pedro Caetano parece estar a contestar teses que os seus oponentes referidos não defenderam. Além disso, parece que mesmo o núcleo da sua demonstração é contestável, como mostra este artigo de Teresa Gago: "Carta aberta a Pedro Caetano" in Jornal Online Tornado, de 18 de Abril.

23
Set19

Should People Profit From Housing?

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Políticas socialistas para a América! Qualquer um dos democratas vai nessa direção - Sanders, Biden ou Warren.

O socialismo, tal como o liberalismo, é uma política que se adota em países capitalistas e não a antítese do capitalismo como os hegelianos de esquerda pretendem.

Should People Profit From Housing? Bernie Sanders Says Yes, and No

E foi na habitação que a política de Obama foi mais fraca. Dependência do crédito? Não suficiente socialista, em todo o caso. Tenho que ler melhor a opinião do Farhad Manjoo: Barack Obama’s Biggest Mistake

As unhas grandes não impediram Cardi de fazer as perguntas certas para mostrar os pontos principais das propostas de Bernie.

Coisas comuns na Europa e no Canadá, como o ensino superior e cuidados de saúde quase gratuitos para toda a gente, constituem ainda reivindicações de esquerda, socialistas, ou "liberais", como eles dizem.

As dificuldades de quem é pobre  no sistema educaional americano incluem, como em toda a parte, não só o problema das propinas que os colégios como todas as dificuldades herdadas de uma família, ela própria de baixa escolaridade.

I Was a Low-Income College Student. Classes Weren’t the Hard Part.

What College Admissions Offices Really Want

 

23
Set19

Um desafio à altura de Abdel Fattah el-Sisi

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Ali nada parece resultar. A Primavera Árabe morreu às mãos, primeiro de Morsi, depois de Sisi. A grande frustração deve estar, sobretudo, na classe média urbana, mais informada e menos dominada pelo fundamentalismo islâmico. A cara que agora emerge parece ter força para disputar, taco a taco, a do general.

O nome não podia ser menos original: Mohamed Ali. 

Mais informação sobre os protestos no Egipto, aqui, no NYT.

22
Set19

Julgamento de Oscar Wilde

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O escritor é acusado de sodomia. No interrogatório,  a sua obra é passada em  revista pela acusação,  na busca de indícios da sua homossexualidade,  nomeadamente o "Retrato de Dorian Gray". A resposta de Oscar Wilde esclarece as fronteiras entre a intenção artística - a procura do belo - e a moral. 

Neste "Hörspiel", apresenta-se o texto de Merlin Holland - neto de Wilde -,   numa tradução alemã: Oscar Wilde im Kreuzverhör

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