Sorte e azar no exame de Português do 12.° ano
O exame de Português do 12.º inclui questões de múltipla escolha com uma proporção elevada na cotação da prova, o que levantou objeções por parte dos professores. Por exemplo, a professora Fátima Inácio Gomes critica o peso que essas questões têm no resultado final comparativamente a outros itens que exigem a mobilização de mais conhecimentos, de capacidade de escrita e de raciocínio - ver comentário feito no blogue O meu quintal. Professores ligados à Associação de Professores de Português têm referido o peso de itens de seleção nestes testes de avaliação externa como um problema. Aqui, limito-me a desenvolver livremente os efeitos do acaso nos resultados.
O teste inclui 7 itens de 4 alternativas. Fátima Inácio acha que as questões de múltipla escolha não deviam ter a mesma cotação que as que exigem resposta escrita. E acrescenta a possibilidade de os alunos acertarem ao acaso. De facto, há uma elevada probabilidade de alunos ignorantes acertarem em vários dos 7 itens. Sabemos que há 25% de hipóteses de acertarem em cada item, mas qual a probabilidade de a sorte acontecer em 1, 2, 3 ou mais dos 7 itens? Fiz os cálculos: em 1 dos 7, 87%; em 2, 56%; em 3, 25%, em 4, 7%; em 5 dos 7, 1%; em 6, 0,1%; em todos os 7 itens, 0,01%. A probabilidade de falhar todos os 7 itens é só de 13%. Cálculos, aqui.
Verificando-se que 2, ou mesmo 3 questões, têm uma probabilidade elevada de acerto ao acaso, superior à de falhar em todas as 7, não deveria este facto refletir-se na cotação dos itens e na leitura dos resultados dos testes? Não constitui uma injustiça que haja alunos que respondam ao acaso com o mesmo sucesso de alunos cujo desempenho resulta de um conhecimento efetivo, facto irremediável, pois não podemos distinguir uns dos outros? Se projetarmos estas probabilidades sobre o conjunto dos alunos que fizeram o teste, suponhamos um total de 80000, cerca de 60000 terão acertado em 2 das 7 por mero acaso, recebendo 26 em 200 pontos. 13, 26 ou 39 pontos atribuídos cegamente poderão ter efeitos perversos na seleção dos alunos para o Ensino Superior.
Mas ao totoloto destas 7 questões, acrescenta-se ainda uma de correspondência com 11% (1/9) e outra de seleção de parágrafos, com 10% (1/10) que reforçam o papel da sorte no teste envolvendo 91 num total de 200 pontos, a que acrescem 26 pontos em 2 itens descartáveis.
Que validade tem a informação que o teste nos dá sobre o desempenho dos alunos? Por exemplo, não temos a garantia de que os alunos que acertaram na questão 4 saibam o que é um deíctico, que na 5, saibam identificar uma subordinada substantiva completiva e etc., porque em cada uma dessas questões há ¼ de probabilidade de acerto e de ¾ de falhanço. Um aluno que no item 6 do Grupo I, escolheu os três parágrafos ao acaso e acertou, não teve nenhuma sorte especial, como a de quem ganha o Euromilhões, mas apenas de 10% de hipóteses. Daqui resulta que não podemos distinguir, em cada um desses itens, se se trata de um assunto muito bem ou muito mal trabalhado nas escolas ou se de um em que o acaso interveio.
Há maneiras de diminuir o efeito do acaso em testes com itens de múltipla escolha. Se o teste é constituído só por itens desse tipo, pode haver níveis de desempenho que considerem o número de questões certas e não apenas pontos atribuídos item a item. No caso das 7 questões acima referidas, um examinando que tivesse acertado apenas a 2, deveria ter 0 no conjunto das 7. Podemos também penalizar as questões erradas na medida da probabilidade de acerto e solicitar aos alunos que não respondam ao item se não pensarem que têm uma resposta certa.
A opção pela melhor pontuação nos itens alternativos estende efetivamente a cotação do teste para além dos 200 pontos, ao mesmo tempo que exclui questões de menor desempenho, e constitui também um fator de sorte, na medida em que ao examinando não é requerido saber em quais teve menos sucesso. Assim, naqueles 9 itens de seleção, se respondidos ao acaso, que é o que acontece em geral quando se falha, poderão ser excluídos dois em que houve azar. A manter-se a opção, a escolha deveria ser da responsabilidade do examinando e não feita a posteriori na classificação.
Finalmente, fiz uma simulação de 50 alunos a responderem aleatoriamente às 9 questões de seleção, incluindo já a oferta final de exclusão de 2 respostas erradas. O resultado foi o seguinte:

Embora a sorte e o azar façam parte da vida, creio que os processos de avaliação devem diminuir o seu efeito tanto quanto possível e os itens de seleção podem ajudar a circunscrever o objeto, desde que o fator acaso seja explicitamente considerado. Como escreve Miguel Esteves Cardoso,
“Admitir que se tem sorte é reconhecer que se recebeu mais do que se merecia: uma admissão dificílima para quem passa a vida a achar que só tem 10 por cento do que merece.” - “A sorte esteja convosco”, Público, 20 de Julho de 2025.



