20
Nov06
A TLEBS - um trabalho de rigor científico e didáctico, na voz disparatada dos "intelectuais" (1)
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Insiro aqui o meu comentário ao artigo do Francisco José Viegas sobre a TLEBS
(Agradecimentos ao Carlos Cipriano que me tem chamado a atenção para estes textos com muitos bons reencaminhamentos)
Veja o texto do F.J.Viegas, mais abaixo
Lamentavelmente, Francisco José Viegas não diz absolutamente nada. Divertiu-se a ler a dita TLEBS, achou abstrusos alguns termos... Ok, ok, não acho que todos os intelectuais do momento tenham que se pôr a par da TLEBS, nem que esta seja indiscutível. Mas que tal ficarem calados em vez de fazer barulho sem dizer nada?
O que muda varia de nível de ensino para nível de ensino. Para cada mudança, há uma explicação linguística válida. Posso estar de acordo ou não com tais ou tais termos ou conceitos. Mas, neste tipo de intervenções, não há nenhuma contribuição nesse sentido.
O mais importante não é a terminologia utilizada, mas sim o próprio exercício de análise gramatical. Mas, já agora, porque não fazê-lo com termos adequados?
A Terminologia veio apenas unificar conceitos já desactualizados na Nomenclatura Oficial de 1967. E, claro, tem meia dúzia de inovações, mas a maior parte corresponde à prática actual da maior parte dos professores.
Que tal dizer, por exemplo, como alguns professores fazem ainda, infelizmente, que "o sujeito é aquele que realiza a acção"?
Então, em "O João partiu as pernas" qual foi a acção do João? Partir as pernas! Má acção! Acontece que não foi ele, foi um colega, que lhas partiu num jogo de futebol, pois a frase fala do que aconteceu ao João e não do que o João fez.
Mais: o predicado é a acção do sujeito: "Acabou o vinho" é uma acção do vinho?
Outro exemplo, pergunte ao verbo QUEM? para obter o SUJEITO e O QUÊ para determinar o COMPLEMENTO DIRECTO.
As varizes angustiam Eva. QUEM? Eva ou as varizes? O QUÊ? As varizes ou Eva?
Então vamos fazer de conta que todo o avanço linguístico das décadas de 50 e 60, incluindo o estruturalismo do Jacobsen, o funcionalismo do Martinet e a gramática generativa do Chomsky, e o trabalho dos nossos linguistas, como o grupo da Maria Helena Mira Mateus que inclui autoras da TLEBS não têm nada a ver com o ensino da gramática.
Para num gesto de enfado, nos rirmos deste ou daquele termo e dizermos "Para quê?"
Não conheço as objecções da Maria Alzira Seixo, apenas espero que sejam alguma coisa que valha a pena ler.
Para ser justo com este grupo da Universidade de Lisboa, tenho que dizer que sei que há vários anos que eles trabalham em conjunto com professores (nos Encontros de Professores de Português da APP.
O ensino do pobreportuguês
(publicado no Jornal de Notícias de Segunda-Feira, 13 de Novembro; tb. em http://jn.sapo.pt/2006/11/13/opiniao/o_ensino_pobreportugues.html)
Durante alguns dias e noites entretive-me a tentar exercitar-me na TLEBS, ou seja, "terminologia linguística para os ensinos básico e secundário". O documento básico já está publicado (e disponível na Internet) e há escolas que têm vindo a servir de cobaias para experiência tão enternecedora no domínio do ensino do português. O trabalho não tem sido fácil, porque a TLEBS tem coisas que se aproximam do absurdo. Apesar de tudo, tem havido algumas vozes a insurgir-se contra esse desmando que visa torpedear e tornar cada vez mais estranho o ensino do Português. Recentemente, por exemplo, Maria Alzira Seixo escreveu, na "Visão", um artigo que chamava a atenção para algumas das características mais absurdas da TLEBS. Poucos se têm interessado sobre o assunto, e a TLEBS passará por ser esquecida; hão-de deixá-la passar na resma de reformas que os superiores génios instalados no Ministério da Educação periodicamente apresentam. Ora, a TLEBS, proposta por uma equipa de excelentes e preocupados linguistas, não é um avanço; constitui, pelo contrário, uma distracção letal por parte dos responsáveis políticos do Ministério da Educação, o que pode fazer pensar que áreas tão importantes como o ensino do Português (ou o que deve ser ensinado quando se ensina Português) devem ser deixadas ao arbítrio dos especialistas. No caso, dos linguistas. Esta ideia de que o Português é propriedade de um grupo de génios que, provavelmente, detestam o Português, pode e deve exterminar-se. Parar a TLEBS é apenas uma etapa para defender o ensino do Português.
Entretenham-se a consultar o documento, entretenham-se. Só agora começou. Gostei de ver que, em matéria de semântica frásica, os nomes uniformes podem ser, quanto ao género, epicenos, sobrecomuns e comuns de dois; vagueei pelos verbos auxiliares aspectuais e pelas frases subordinadas substantivas completivas; e, em matéria de propriedades semânticas dos grupos nominais, diverti-me com os nomes não contáveis não massivos e, mais tarde, com a definição de "modalidade epistémica ou deôntica". A vida académica é assim mesmo, mas não sei se o ensino do Português tem sentido desta maneira. Entretanto, aprendam e habituem-se, porque vem aí mais. Basta folhear a TLEBS.·
Acrescento que isto não é conversa de um "empedernido gramatical" mas de alguém que tem justificados receios de que o Português deixe de interessar, definitivamente, os alunos do básico e do secundário, para não falar dos professores - eternas vítimas das iluminadas reformas decretadas pelo Ministério. Pessoalmente, continuo a não entender a necessidade de atrapalhar e de criar "novas designações" para "conceitos" que eram bem tratados em terminologias anteriores - e defendo que deve definir-se, quanto antes, o que significa exactamente "ensino do Português" bem como os objectivos dessa desprezada tarefa.
A senhora ministra da Educação deixou já passar, incólume, a ideia de que a filosofia não é matéria que sirva os estudantes do secundário (e permitiu que se lhe desferisse um golpe fatal nos novos currículos); agora, certamente envolvida em questões administrativas da maior importância, deixará passar a TLEBS e todo o conjunto de geringonças teóricas que não deixarão de contribuir para o continuado défice do ensino do Português e da literatura portuguesa.
Conheço já o argumento de que o ensino da literatura não interessa nem é útil, e que o Português não depende da literatura nem dos clássicos da nossa língua. Estou pronto para discutir o assunto, mas, antes, seria bom que um resto de bom senso aliviasse a TLEBS dos defeitos já abundantemente apontados por professores, investigadores e autores que se têm encarregado de apontá-los. Esse seria o primeiro avanço.
(Agradecimentos ao Carlos Cipriano que me tem chamado a atenção para estes textos com muitos bons reencaminhamentos)
Veja o texto do F.J.Viegas, mais abaixo
Lamentavelmente, Francisco José Viegas não diz absolutamente nada. Divertiu-se a ler a dita TLEBS, achou abstrusos alguns termos... Ok, ok, não acho que todos os intelectuais do momento tenham que se pôr a par da TLEBS, nem que esta seja indiscutível. Mas que tal ficarem calados em vez de fazer barulho sem dizer nada?
O que muda varia de nível de ensino para nível de ensino. Para cada mudança, há uma explicação linguística válida. Posso estar de acordo ou não com tais ou tais termos ou conceitos. Mas, neste tipo de intervenções, não há nenhuma contribuição nesse sentido.
O mais importante não é a terminologia utilizada, mas sim o próprio exercício de análise gramatical. Mas, já agora, porque não fazê-lo com termos adequados?
A Terminologia veio apenas unificar conceitos já desactualizados na Nomenclatura Oficial de 1967. E, claro, tem meia dúzia de inovações, mas a maior parte corresponde à prática actual da maior parte dos professores.
Que tal dizer, por exemplo, como alguns professores fazem ainda, infelizmente, que "o sujeito é aquele que realiza a acção"?
Então, em "O João partiu as pernas" qual foi a acção do João? Partir as pernas! Má acção! Acontece que não foi ele, foi um colega, que lhas partiu num jogo de futebol, pois a frase fala do que aconteceu ao João e não do que o João fez.
Mais: o predicado é a acção do sujeito: "Acabou o vinho" é uma acção do vinho?
Outro exemplo, pergunte ao verbo QUEM? para obter o SUJEITO e O QUÊ para determinar o COMPLEMENTO DIRECTO.
As varizes angustiam Eva. QUEM? Eva ou as varizes? O QUÊ? As varizes ou Eva?
Então vamos fazer de conta que todo o avanço linguístico das décadas de 50 e 60, incluindo o estruturalismo do Jacobsen, o funcionalismo do Martinet e a gramática generativa do Chomsky, e o trabalho dos nossos linguistas, como o grupo da Maria Helena Mira Mateus que inclui autoras da TLEBS não têm nada a ver com o ensino da gramática.
Para num gesto de enfado, nos rirmos deste ou daquele termo e dizermos "Para quê?"
Não conheço as objecções da Maria Alzira Seixo, apenas espero que sejam alguma coisa que valha a pena ler.
Para ser justo com este grupo da Universidade de Lisboa, tenho que dizer que sei que há vários anos que eles trabalham em conjunto com professores (nos Encontros de Professores de Português da APP.
O ensino do pobreportuguês
(publicado no Jornal de Notícias de Segunda-Feira, 13 de Novembro; tb. em http://jn.sapo.pt/2006/11/13/opiniao/o_ensino_pobreportugues.html)
Durante alguns dias e noites entretive-me a tentar exercitar-me na TLEBS, ou seja, "terminologia linguística para os ensinos básico e secundário". O documento básico já está publicado (e disponível na Internet) e há escolas que têm vindo a servir de cobaias para experiência tão enternecedora no domínio do ensino do português. O trabalho não tem sido fácil, porque a TLEBS tem coisas que se aproximam do absurdo. Apesar de tudo, tem havido algumas vozes a insurgir-se contra esse desmando que visa torpedear e tornar cada vez mais estranho o ensino do Português. Recentemente, por exemplo, Maria Alzira Seixo escreveu, na "Visão", um artigo que chamava a atenção para algumas das características mais absurdas da TLEBS. Poucos se têm interessado sobre o assunto, e a TLEBS passará por ser esquecida; hão-de deixá-la passar na resma de reformas que os superiores génios instalados no Ministério da Educação periodicamente apresentam. Ora, a TLEBS, proposta por uma equipa de excelentes e preocupados linguistas, não é um avanço; constitui, pelo contrário, uma distracção letal por parte dos responsáveis políticos do Ministério da Educação, o que pode fazer pensar que áreas tão importantes como o ensino do Português (ou o que deve ser ensinado quando se ensina Português) devem ser deixadas ao arbítrio dos especialistas. No caso, dos linguistas. Esta ideia de que o Português é propriedade de um grupo de génios que, provavelmente, detestam o Português, pode e deve exterminar-se. Parar a TLEBS é apenas uma etapa para defender o ensino do Português.
Entretenham-se a consultar o documento, entretenham-se. Só agora começou. Gostei de ver que, em matéria de semântica frásica, os nomes uniformes podem ser, quanto ao género, epicenos, sobrecomuns e comuns de dois; vagueei pelos verbos auxiliares aspectuais e pelas frases subordinadas substantivas completivas; e, em matéria de propriedades semânticas dos grupos nominais, diverti-me com os nomes não contáveis não massivos e, mais tarde, com a definição de "modalidade epistémica ou deôntica". A vida académica é assim mesmo, mas não sei se o ensino do Português tem sentido desta maneira. Entretanto, aprendam e habituem-se, porque vem aí mais. Basta folhear a TLEBS.·
Acrescento que isto não é conversa de um "empedernido gramatical" mas de alguém que tem justificados receios de que o Português deixe de interessar, definitivamente, os alunos do básico e do secundário, para não falar dos professores - eternas vítimas das iluminadas reformas decretadas pelo Ministério. Pessoalmente, continuo a não entender a necessidade de atrapalhar e de criar "novas designações" para "conceitos" que eram bem tratados em terminologias anteriores - e defendo que deve definir-se, quanto antes, o que significa exactamente "ensino do Português" bem como os objectivos dessa desprezada tarefa.
A senhora ministra da Educação deixou já passar, incólume, a ideia de que a filosofia não é matéria que sirva os estudantes do secundário (e permitiu que se lhe desferisse um golpe fatal nos novos currículos); agora, certamente envolvida em questões administrativas da maior importância, deixará passar a TLEBS e todo o conjunto de geringonças teóricas que não deixarão de contribuir para o continuado défice do ensino do Português e da literatura portuguesa.
Conheço já o argumento de que o ensino da literatura não interessa nem é útil, e que o Português não depende da literatura nem dos clássicos da nossa língua. Estou pronto para discutir o assunto, mas, antes, seria bom que um resto de bom senso aliviasse a TLEBS dos defeitos já abundantemente apontados por professores, investigadores e autores que se têm encarregado de apontá-los. Esse seria o primeiro avanço.