Reporto-me agora ao artigo do Vasco Graça Moura, publicado no Diário de Notícias de 6 de Novembro de 2006.
O problema dos manuais escolares é, na verdade, algo que nós professores sentimos. Por um lado, acho que a introdução da nova terminologia deveria ser sincronizada com a introdução de novos manuais escolares. Por outro, acho que aceitar esse condicionamento tem como corolário considerar-nos incapazes de produzir materiais supletivos.
Mas, ainda há mais. A nova terminologia surgiu pela necessidade de unificar termos diferentes. Não é só de agora que os pais dizem que não compreendem a gramática que os filhos estudam. Já há mais de vinte anos que isso acontece: "no meu tempo, era sujeito, agora é sintagma nominal". Isso é uma prova do equívoco, pois não houve até hoje nenhum programa que ordenasse a substituição de sujeito por sintagma nominal. O facto é que a muitos professores, falta formação científica na área da linguística e formação técnica no ensino da gramática, para não dizer noutras áreas mais específicas e as mudanças são compreendidas de uma forma muito superficial, do género, "agora isto passa a ser aquilo".
Ora, há manuais escolares que dizem, por exemplo, que o sujeito é uma coisa, outros que dizem que é outra. Portanto, não é a Nova Terminologia que vem criar o caos.
O que Vasco Graça Moura parece querer dizer é que o ensino deve ser indiferente à ciência. Ora, por um lado, complementos circunstanciais não é sinónimo de modificadores, por outro, não vejo, porque é que aquele seria preferível ou mais fácil. Se dissermos "O João foi a Paris", "a Paris" é um complementos circunstancial de lugar na gramática que eu estudei no 4º ano do liceu, mas, actualmente é considerado um complemento obrigatório do verbo "ir", pois ir é "ir a algum lugar". Na frase, "Ontem, almocei em Paris", "em Paris", igualmente, complemento circunstancial de lugar, não é exigido pelo verbo "almoçar".
A distinção entre complementos e modificadores dá conta de um facto linguístico que a noção de complemento circunstancial de lugar ignorava. Se nós adoptarmos uma metodologia em que os alunos experimentam a relação entre verbos e os grupos que se colocam canonicamente à sua direita, os alunos vão verificar que uns acrescentam informação circunstancial, acessória, outros são exigidos pelo próprio verbo.
Isso da pedagogia, didáctica e sociologia educativa, é totalmente gratuito. O ensino da gramática está estreitamente relacionado com as concepções linguísticas actualmente dominantes. O mesmo se pode dizer da gramática da língua estrangeira ser comprometida pela mudança da portuguesa! Ora, até se podia dizer o contrário! Por exemplo, introduz-se a noção de nome contável e não-contável, que é um velhíssimo tópico no ensino do inglês, "countable and uncountable names".
Tudo o que ele diz sobre África é, desculpe-me o senhor Professor e distinto poeta, senhor turbo-escritor de nomeada, é, além de ofensivo, estúpido. Bem o vi no caso do acordo ortográfico a remar contra toda e qualquer cedência aos brasileiros, no sentido de nos acordarmos. Agora, quer condicionar a nossa gramática às condicionantes alheias. É que nem os nosso amigos da Universidade Eduardo Mondlane lhe agradecem o paternalismo!
Veja aqui o texto criticado
| | Ainda a TLEBS Vasco Graça Moura Das complexidades inadmissíveis da nova terminologia linguística para os estudantes do ensino básico e secundário (TLEBS) já se tem falado com mais ou menos pormenor. Da dificuldade de adaptação dos professores à nova terminologia, bem como ao seu manuseio, e da impossibilidade prática de os alunos a compreenderem, também já se falou, antevendo-se as piores catástrofes. Da preparação de manuais que a apliquem tem-se falado menos. Todavia, há mais de um ano que o Ministério da Educação comunicou às escolas dever a TLEBS constituir uma referência no tocante às práticas lectivas, à concepção de manuais e aos documentos produzidos em matéria de ensino e divulgação da língua portuguesa.
A estratégia irresponsável de quem, no ministério, paraninfa tão zelosamente estas bizarras inovações está à vista: se a TLEBS começar a ser consagrada nos manuais, as coisas tornam-se irreversíveis porque os editores de livros escolares não quererão, depois, ver desperdiçado o investimento que fizeram...
Entretanto - e este ponto põe mesmo em questão as próprias políticas do ministério em matéria de contenção do dispêndio das famílias com manuais escolares - os pais, esses, lá voltarão a desembolsar mais dinheiro de ano para ano, porque os manuais anteriores deixam de servir!
Ora, sendo, proclamadamente, progressiva a implantação da TLEBS nas práticas lectivas, na concepção dos manuais e nos documentos produzidos na matéria, isto quer dizer que esse fluxo derrancante das economias familiares não parará tão cedo...
Também não se tem falado de outros aspectos que se afiguram da maior relevância. O primeiro respeita, precisamente, ao papel dos responsáveis pela educação fora da escola. Numa área como a da aprendizagem da língua materna, em que a família tem um papel extremamente importante e em que muitos pais colaboram regular e validamente com os filhos ajudando-os a estudar, vai tornar-se inviável que o façam. Se, mesmo para os professores mais preparados (e, a avaliar pela generalidade dos resultados do ensino do português, eles não serão muitos...), a adaptação se vai tornar dificílima, para os pais, então, a gramática portuguesa tornar-se-á uma espécie de sânscrito ou de chinês.
O que me parece ser o grande equívoco da TLEBS é que ela confunde o plano científico (não interessa se discutível ou indiscutível) da compreensão e descrição das funções das várias categorias gramaticais com o plano prático e didáctico da designação delas. Ora a manutenção de uma terminologia mais ou menos tradicional não inviabiliza de todo a questão científica. Se se está habituado a falar em "complementos circunstanciais", por exemplo, a análise científica não impõe que se passe a chamar-lhes "modificadores", mesmo que conclua que o são. Outras ciências, como a pedagogia, a didáctica ou a sociologia educativa podem perfeitamente concluir que a inovação é nociva e desajustada, por muito científica que se proclame...· Por outro lado, no tocante à aprendizagem de línguas estrangeiras, nomeadamente do inglês logo no básico e, depois, ao longo do secundário, que é uma das bandeiras da política educativa do Governo, está à vista a confusão que acabará por se gerar, ao longo dos curricula escolares, com o recurso simultâneo a nomenclaturas gramaticais completamente diferentes... Tudo com os resultados brilhantes que também se antevêem... A menos que se espere que os jovens vão aprendendo outras línguas sem tocarem nas gramáticas respectivas.
E, depois, considere-se a cooperação com os PALOP. Em África, onde o português é uma língua veicular, as estruturas do ensino são frágeis, os professores são poucos, a preparação pedagógica é deficiente, os livros são difíceis de obter e, muitas vezes, os instrumentos imprescindíveis de trabalho nesta matéria são aproveitamentos de materiais que já não são utilizados em Portugal. E onde, conforme as áreas da latinofonia ou da anglofonia, há uma grande concorrência de outras línguas europeias com a nossa.· Já se pensou na trapalhada sem nome que a TLEBS ali vai gerar? Na confusão indescritível em que professores e alunos africanos vão ser lançados? Nos custos editoriais desnecessários em que as autoridades desses países terão de incorrer? As coisas anunciam-se de tal modo perturbantes que se acabará por desejar que, a bem da língua, a cooperação quanto ao ensino do português em África seja confiá-lo a professores brasileiros... | | | |