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Sem Rede

"Sobre aquilo de que não conseguimos falar, é melhor calarmo-nos." (Was sich überhaupt sagen lässt, lässt sich klar sagen; und wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen) - Wittgenstein.

"Sobre aquilo de que não conseguimos falar, é melhor calarmo-nos." (Was sich überhaupt sagen lässt, lässt sich klar sagen; und wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen) - Wittgenstein.

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26
Nov06

Uma estrofe dos Lusíadas lida pela TLEBS

Redes
Num texto publicado a 22/11/2006 no DN, agora antologiado no Ciberdúvidas, Vasco Graça Moura (VGM) dá-se ao trabalho de analisar um exercício feito por professores numa acção de formação da TLEBS. É uma apresentação que já há algum tempo andava na boca do mundo, quero dizer, dos blogs.

Para ler o artigo do VGM, a que me reporto, clique aqui.

O exercício criticado encontra-se no sítio da DGIDC, para o qual não consigo fazer a hiperligação, porque o "site" está muito lento. Já o tenho há muito tempo no meu computador, por isso, copiei-o para uma pasta da Net e coloco aqui a ligação. Clique aqui:
Trabalho sobre uma estrofe dos Lusíadas, feito por professores da Escola José Régio de Portalegre.

Eu fiz muitos exercícios deste género no meu 5º ano do liceu. Ler estrofes d'Os Lusíadas, a desfazer anástrofes, a identificar as frases coordenadas e subordinadas é um bom exercício de análise gramatical que, não dará muito prazer à maioria dos alunos.

Mas nada na TLEBS sugere que a obra, Os Lusíadas, seja lida inteiramente dessa maneira.

O material disponibilizado no sítio da DGIDC tem um valor muito desigual. Alguns são medíocres, outros são bons. Está lá a título de trabalhos realizados nas acções de formação da TLEBS. Alguns apresentam no fim, conclusões da avaliação do trabalho realizado com os alunos, nem sempre abonatórias para os conceitos da TLEBS!

Há mesmo trabalhos que incluem termos já alterados pela TLEBS, o que é um erro grave.

De facto, com um material que é eventualmente útil, mas tem muitos erros, o Ministério não lhe deveria chamar "Materiais de Apoio".

Vejo este exercício sobre a estrofe de Camões, mais como um trabalho dos próprios professores a apreenderem as noções da TLEBS. Para os alunos seria demasiado complexo, com terminologia desnecessária, não por ser TLEBS, mas por demasiado picuinhas na análise gramatical.

A estrofe analisada é a seguinte:

Aqui os dous companheiros conduzidos
Onde com este engano Baco estava,
Põem em terra os giolhos, e os sentidos
Naquele Deus que o mundo governava.
Os cheiros excelentes, produzidos
Na Pancaia odorífera, queimava
O Tioneu, e assim por derradeiro
O falso Deus adora o verdadeiro.
(Estrofe 12, Canto II)

VGM começa por contestar a ambiguidade linguística do nome próprio Deus. A ambiguidade linguística é essencial ao jogo literário. Quando Camões diz "Naquele Deus", transforma-o em nome comum. Pois só faz sentido usar "naquele", na medida em que ele vem falando de outros deuses (Baco, no caso). Experimentemos alterar e pôr Jeová, e perder-se-ia este jogo e não se aceitaria "Naquele Jeová". Não haveria Deus como nome próprio: seria um deus contra outro.

Esta ambiguidade é desfeita, num nível superior, suprasegmental, com a expressão, "falso deus". Se é falso, não existe. Ambiguidade, sim! Entre "Deus" e "falso Deus". Portanto, não concordo com VGM, quando diz que:

«A expressão "naquele Deus" não o dessingulariza. Não pressupõe, antes exclui a existência de outros. Basta ler. É um mero expediente enfático e métrico.».

Pouco importa que se tenha escolhido "naquele" por causa da métrica (não sabemos se é esse o caso). O facto é que está lá!

Todos entendem que a ambiguidade linguística de "Deus verdadeiro" e de "Deus falso" é resolvida na estrofe, mas o trabalho poético consistiu em gastar alguns versos a pôr um Deus falso a adorar um Deus verdadeiro. Ora se é falso, não existe, e não pode adorar o verdadeiro. É este o jogo de Camões que, quanto a mim, inclui a negada dessingularização.

De resto, em qualquer Gramática a singularidade dos nomes próprios continua a ser um problema: "Mas que António é esse?" Se alguém formula a pergunta assim, põe em dúvida a singularidade do referente.

VGM assinala justamente erros no trabalho, como "aquela Pancaia" ser na verdade "a Pancaia". Não há nada no texto que permita concluir que a Pancaia é perífrase de "ilha", a não ser recorrendo, ao que Umberto Eco designa por enciclopédia. Concluindo: a Gramática não substitui a Retórica, nem a necessidade de conhecimento histórico e cultural para compreender o texto.

Quanto à complexidade terminológica, tudo se resume ao seguinte: um nome, numa frase, é o núcleo de um grupo nominal que pode desempenhar as funções de sujeito, complemento directo, predicativo do sujeito, predicativo do complemento directo e outras. O problema está em descobrir a sua função, numa anástrofe. Daí a complexidade da designação, num momento anterior à determinação:

"Núcleo de um grupo nominal em posição pré-verbal", por exemplo, antes de determinar que "o mundo", apesar de estar antes do verbo, é Complemento Directo.

Quanto aos conceitos, quando VGM diz que "noções reaccionárias como sujeito, predicado, complemento directo, complementos circunstanciais, dão lugar a embrulhadas rebarbativas" está a ser tão exacto quanto os autores com "aquela Pancaia". É que os três primeiros termos são usados no trabalho e estão na TLEBS.

Quanto aos "complementos circunstanciais" acho adequada a sua substituição por "modificadores", uma vez explicado que "complemento" é um grupo exigido pelo verbo, pelo nome, ou por um adjectivo.

Para mim, qualquer terminologia que dê conta da diferença entre a obrigatoriedade ou a acessoriedade do acrescentar de um sintagma estará certa. A noção de "circunstancial" sugere a inclusão de circunstâncias de uma acção. Ora, muitas vezes, os ditos complementos circunstanciais não são circunstância, são a própria acção: "Fui a Paris". O verbo pôr implica complemento directo (os joelhos) e locativo (em terra). Ao passo que o verbo produzir exige apenas complemento directo.

Concordo inteiramente que o poema deve ser lido com o mínimo de gramática e retórica e informação enciclopédica necessária à sua compreensão. Aqui e ali poder-se-á desfazer umas anástrofes de modo explícito. Pode-se também utilizar o texto para análise gramatical, para evidenciar a sua complexidade linguística e para fazer exercício. Mas, a gramática deve ocupar uma parte pequena no trabalho da leitura d'Os Lusíadas.

O exercício feito aqui com terminologia gramatical renovada não é mais maçador do que aquele que eu fiz no meu 5º ano do liceu, com a divisão de orações, a classificação de palavras, etc. Até que ponto é que, apesar de "maçador" é necessário, é uma questão que aos professores cumpre responder.

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