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"Sobre aquilo de que não conseguimos falar, é melhor calarmo-nos." (Was sich überhaupt sagen lässt, lässt sich klar sagen; und wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen) - Wittgenstein.

"Sobre aquilo de que não conseguimos falar, é melhor calarmo-nos." (Was sich überhaupt sagen lässt, lässt sich klar sagen; und wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen) - Wittgenstein.

Sem Rede

18
Mai06

Português 1 X 2

Redes
No DN de 17 de Maio, era este o título do artigo de opinião de Vasco Graça Moura. O Totobola vem a propósito do uso de testes de escolha múltipla na avaliação da leitura. Escreve Graça Moura:
"sei que não se pode aceitar que os exames de Português obedeçam ao princípio do Totobola".
Em que medida é que os testes de múltipla escolha são similares ao Totobola? Será porque se preenchem com cruzinhas e porque se podem responder ao acaso? Não há a menor dúvida que assim é, ambos se fazem com cruzinhas e ambos se podem responder ao acaso. Mas será assim tão pouco abonatória para os testes de múltipla escolha, a semelhança? Ora, nenhum apostador do Totobola deixará de investir os seus conhecimentos futebolísticos na escolha das alternativas. Para ter sucesso, todos tentam prever as probabilidades de empate, vitória ou derrota de cada uma das equipas, com base no conhecimento que têm. E são poucos os que conseguem acertar em todas as alternativas. Conclusão: todos tentam diminuir o factor do acaso com o conhecimento que têm. Se o Totobola tem três alternativas em cada item, os testes de múltipla escolha propostos têm quatro. A isto se refere Vasco Graça Moura quando escreve:
"Se não teve aproveitamento e não é capaz de produzir um texto, o teste de resposta múltipla só vai dissimular esse problema e contribuir para um resultado injusto, isto para não falar na situação escandalosa de o aluno ter 25% de hipóteses de acertar logo à partida (em quatro quadradinhos para pôr a cruzinha, um deles há-de ter a resposta certa)"
Mas o que interessa não é a resposta a uma questão, mas a resposta a um conjunto de questões, considerado como o nível de proficiência exigido. Imaginemos, por exemplo, que o teste tem duas questões. Qual é a probabilidade de acertar ao acaso em ambas? Combinando as probabilidades de ambas, temos 16 combinações possíveis, mas só uma certa, isto é, 1/16, 6,25%. Se o teste tiver 3 questões, a probabilidade de acertar em todas descerá para 1/24, menos de 2%. Num teste de 20 questões, a resposta ao acaso a todas as questões tem uma probabilidade de 1 em cerca de 1 milhão de milhões de hipóteses. Uso regularmente testes de múltipla escolha de 4 alternativas em História e Geografia de Portugal, e tenho 3 alunos que respondem quase totalmente ao acaso, e fazem o teste em 5 minutos. Em nenhum dos 3 testes, nenhum deles conseguiu acertar a mais de 2 perguntas, num total de 20, o que é negligenciável no que respeita à cotação do teste. Já vi testes de múltipla escolha de leitura compreensiva, que permitem avaliar interpretações e inferências textuais bastante complexas, mas claro, um teste desse tipo não permite avaliar interpretações de todo imprevisíveis. Todavia, uma interpretação desse tipo entra no nível que Bloom classificaria como de síntese. Pois, se são imprevisíveis para os professores que elaboram testes, também, serão uma incógnita, numa resposta redigida, quanto à aceitabilidade pelo professor que corrige e classifica a prova. Concordo inteiramente com Paulo Feytor Pinto quanto à necessidade de separar a avaliação da leitura da avaliação da escrita. As dificuldades na escrita podem impedir a expressão duma capacidade interpretativa superior. O teste de múltipla escolha elimina este obstáculo. Infelizmente, VGM, está longe dos problemas que se colocam na aprendizagem da leitura. Paulo Feytor Pinto chamou a atenção para o problema da memória de interpretações feitas na aula poder viciar a avaliação. Paulo Feytor Pinto disse:
"Avalia-se se os alunos conseguiram memorizar o que foi dito na sala de aula sobre os textos"
VGM interpretou isto como uma objecção ao papel da memória na aprendizagem.
"Então, não é também para isso que eles têm aulas?"
Quer dizer, VGM, que eles têm aulas para memorizar interpretações de textos, interpretações que estão desde já feitas e que eles apenas memorizam, sem nem sempre as compreenderem? Concordo, mais uma vez com o Paulo Feytor Pinto. Para avaliar a capacidade de leitura, importaria utilizar outros textos, que não necessariamente os que foram lidos na aula. A questão é se o aluno está a repetir no teste interpretações decoradas ou, efectivamente, a investir todos os seus conhecimentos na leitura dum texto novo. Em último caso, se está mesmo a ler, porque ler não é repetir leituras já feitas. A posição de VGM resulta duma defesa intransigente, mas cega, do cânone e da tradição literárias. Concordo que há um conjunto de textos da nossa história literária que têm que ser objecto de leitura na escola. Mas não concordo que se ignorem os avanços feitos no campo dos estudos da piscologia e das ciências da linguagem, assim como das técnicas de avaliação e da elaboração de testes.

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