Vagas em medicina: o dedo na ferida
Um dia, ao ter de pagar mais de 3000 euros por uma cirurgia a que acresciam cerca de 500 euros para o anestesista que não estaria em cena mais do que meia-hora, perguntei-me por que seriam estes montantes tão altos. Sabia que o médico, após a operação, teria um dia de trabalho normal no hospital e no seu consultório privado, isto é, com inúmeras consultas para facturar.
Constatava também que não havia mercado concorrencial na medicina privada que justificasse o meu preço como resultado de uma escolha de qualidade perante a oferta disponível.
Ao reflectir sobre isto, em nenhum momento pus em questão a pessoa do cirurgião que muito estimo, mas que tinha a sorte de estar numa profissão paga a peso de ouro.
Foi nessa altura que dei com um artigo do Expresso que mostrava um gráfico com o número de vagas de acesso anual aos cursos de medicina em Portugal. Por volta do final da década de 70 e princípio de 80, o número de vagas diminuía extraordinariamente. Eu perguntava-me: "mas Portugal ficou de repente com menor capacidade para formar médicos?"
Do Plano estratégico para a formação nas áreas de saúde II.
Agora, o ministro Mariano Gago vem pôr o dedo na ferida ao declarar abertamente na última Única (revista do Expresso):
"Houve uma redução horrível nos anos 80, em que se autorizaram todas as faculdades de medicina a receber menos alunos do que hoje qualquer grande faculdade recebe. Essa irresponsabilidade política, que teve origem corporativa, pagou-se cara, e foram precisos muitos anos para inverter a situação, aumentar o número de vagas e termos uma oferta minimamente razoável, que ainda tem de aumentar"
Não é o que pensam muitos responsáveis corporativos. Todos querem controlar o número de médicos, para diminuírem a oferta e manter elevados, os salários e os preços dos serviços de saúde. Declaram que as actuais cerca de 1600 vagas já são demais. A verdade é que todos temos conhecimento de casos de jovens que vão para o estrangeiro estudar medicina. Os argumentos que apresentam não colam. Um exemplo "Vagas de Medicina geram críticas".
O actual bastonário protesta, que nunca se teria metido nesses assuntos. Tanto cuidado não teve um ex-bastonário Gentil Martins que precisamente se associa à queda referida das vagas para Medicina.
Que corporações conseguem controlar a oferta, impedindo inúmeros jovens de seguir essas vias? Os médicos conseguiram-no, os advogados tentam fazê-lo a todo o custo, os professores, esses, pululam por todo o lado. Não há escola que não os forme... para o desemprego.