A morte do narrador em "A máquina de fazer espanhóis" (Valter Hugo Mãe)
Cheguei ao fim deste magnífico livro!
Punha-se-me seriamente a questão de como apareceria a morte do senhor Silva. Como já disse algures, "a morte é o que acontece aos outros", por isso, o senhor Silva, que é o narrador, não nos poderia relatar a sua. Ele dá-nos de facto a narração da morte de vários dos seus colegas do asilo. Faltava a sua, mas o autor recusa-se a dá-la, pois destruiria o esquema formal da narração. Fechamos o livro e sabemos que o senhor Silva, doente e acamado, transferido para o lado do lar onde estão os que se vão embora, vai morrer em breve.
O que é maravilhoso neste livro é que as personagens se mostram inteiras, até ao seu fim. Nesta coisa de ir morrendo, há de fato um momento em que de todo deixamos de estar e outro em que ainda cá estamos inteiramente. Enfim, há casos em que isto não se passa bem assim, pessoas que deixam de estar do lado de cá, antes de estarem do lado de lá, que se arrastam longamente na terra de ninguém.
A morte é como um buraco negro de onde não sai nenhuma luz, isto é, nenhuma informação. É dos relampejos de vida dos que se aproximam do seu fim que trata este livro e não propriamente da escuridão total de onde não sai palavra nenhuma.