O reino de Walter Hugo Mãe em questão
"O Nosso Reino" - a infância narrada por Walter Hugo Mãe está em questão, pelo menos, para os adolescentes do 8º ano que ou conhecem já todas asneiras da obra ou estão com um currículo oculto deficente. Seria possível uma obra ser "realista" sem essas asneiras?
De acordo com os pais dos alunos duma escola da capital, os seus educandos não podem ler textos literários realistas sobre a infância e juventude. Isto é, não podem ver por escrito o que muitos dos seus colegas ou os pais deles nessas idades viveram. Essas coisas são apenas para ser vistas no Youtube, para gerar polémica e aparecer nos telejornais nacionais. Quanto a acontecer a personagens de uma obra lida na escola, nada feito. Uma obra literária deve ser limpa, cheia de bons exemplos, com palavras que não façam corar ninguém. Parece ser essa a ideia de literatura que os pais têm.
Os professores da escola terão com certeza escolhido a obra depois de a lerem. O Plano Nacional de Leitura não tem nada a ver com o assunto. Mas estou certo que quem a escolheu para figurar nesse "plano" também leu a obra e achou que o vocabulário asneirento que os alunos dizem quando os pais não estão por perto, a linguagem grosseira com que expressam a sua virilidade ou feminilidade nascentes, já podia entrar num texto que trata mesmo desse assunto.
Se tanto uns como outros estão preparados para defenderem as suas opções, porque dão o braço a torcer invocando erros ou uma autoridade superior?
Como não acredito que os professores da dita escola não estejam preparados para as ditas "asneiras", não compreendo também a fuga para o PNL. Nem entendo por que se tem que pronunciar o presidente da república sobre este incidente. "A escolha é subjectiva, discutível e criticável" - disse ele. Mas estão lá os professores que leram a obra para discutir e para responder às críticas. Onde estão as escolhas literárias objectivas, indiscutíveis e ao abrigo de qualquer crítica?