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Sem Rede

"Sobre aquilo de que não conseguimos falar, é melhor calarmo-nos." (Was sich überhaupt sagen lässt, lässt sich klar sagen; und wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen) - Wittgenstein.

"Sobre aquilo de que não conseguimos falar, é melhor calarmo-nos." (Was sich überhaupt sagen lässt, lässt sich klar sagen; und wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen) - Wittgenstein.

Sem Rede

01
Abr17

Deve o exame condicionar a leitura orientada?

Redes

Dedico este trabalho à Vitória de Sousa,

uma grande defensora da leitura e do leitor,

uma pessoa com quem espero ainda

poder aprender algumas coisas importantes.

 

A aprendizagem da leitura literária em Portugal baseia-se no seguinte paradigma: os programas prescrevem obras que são lidas uniformemente em todas as escolas, em todos os níveis de ensino.

Ao ser questionada esta perspetiva autoritária e arbitrária do cânone e do ensino da literatura, respondem‑nos invariavelmente com o problema dos exames: todos têm que ler os mesmos textos para que todos sejam sujeitos à mesma prova.

Sinto-me desconfortável com a ideia de Portugal ser, de entre os países que pesquisei, o único cujos programas de ensino especificam escolhas que podiam ser feitas por alunos e professores, enquanto comunidades de leitores que deviam ter alguma autonomia. Para chegar a esta desagradável conclusão, li programas do ensino básico e secundário do Reino Unido, França, Alemanha, Brasil e Espanha, entre outros.

Será o exame um constrangimento válido para justificar a uniformidade da leitura no ensino secundário e a imposição dogmática dum cânone, ou mesmo, duma preferência literária?

Um país que tem um sistema importante de exames é o Reino Unido. Lá, a administração de exames é da responsabilidade de organizações independentes do governo, cujos serviços são requeridos pelas escolas. A AQA, uma dessas organizações, é responsável por cerca de metade de todos os exames de GCSE (correspondente ao 9º ano) e A-Level (10º a 12º ano) de todo o Reino Unido. No caso dos exames de A-Level, as especificações não se limitam ao exame propriamente dito, mas ao programa da disciplina.

Li agora com atenção dois cadernos de especificações o de English Literature para o GCSE e English Language and Literature para o A-Level. Nesta disciplina, restringindo-me à literatura, à escolha de textos e ao tipo de questões de exame, verifico o seguinte:

Para uma parte da narrativa ficicional (secção "imagined worlds", isto é, "mundos imaginados"), os alunos podem escolher uma de entre as seguintes obras:

  • Mary Shelley, Frankenstein;
  • Bram Stoker, Dracula;
  • Margaret Atwood, The Handmaid’s Tale;
  • Alice Sebold, The Lovely Bones;

Para uma outra temática da narrativa ficicional ("writing about society", escrita sobre a sociedade), os alunos podem escolher uma das seguintes obras:

  • Jon Krakauer, Into the Wild;
  • Kate Summerscale, The Suspicions of Mr Whicher: or the Murder at Road Hill House;
  • F. Scott Fitzgerald, The Great Gatsby;
  • Khaled Hosseini, The Kite Runner;

Na parte relativa à poesia, os alunos podem escolher de uma antologia, poemas de um de quatro poetas:

  • John Donne
  • Robert Browning
  • Carol Ann Duffy
  • Seamus Heaney

Para o texto dramático, eles têm de escolher uma peça de entre as seguintes:

  • William Shakespeare, Othello;
  • Arthur Miller, All My Sons;
  • Tennessee Williams, A Streetcar Named Desire;
  • Rory Kinnear, The Herd;

A avaliação da disciplina compõe-se de 2 testes (peso de 80%), um de 3 horas e outro de 2, e de um ensaio realizado sob a orientação do professor obedecendo também a especificações (20%).

No primeiro teste de exame, a parte ficcional ("imagined worlds"), apresenta no enunciado várias questões, referentes aos textos mencionados acima, de entre as quais o aluno tem de escolher uma (que dirá respeito ao texto que preparou). Trata-se de uma questão de desenvolvimento com um peso de 35% desse teste. O mesmo acontece com as questões relativas à narrativa ("writing about sociey"), à poesia e ao drama.

A especificação poderá, numa próxima edição - esta que apresento é a relativa a 2017 -, incluir outros autores e outros textos canónicos de maneira a evitar a transformação da leitura numa estereotipificação ou numa reprodução de interpretações feitas na aula dum texto já repetido e massacrado em inúmeros comentários.

Em English literature (GCSE, correspondente ao nosso 9º ano), a escolha ainda é maior. Há uma secção dedicada a Shakespeare na qual o aluno poderá escolher uma peça de entre várias:

"Students will answer one question on their play of choice. They will be required to write in detail about an extract from the play and then to write about the playground as a whole".

A escolha será feita entre:

  • Macbeth
  • Romeo and Juliet
  • The Tempest
  • The Merchant of Venice
  • Much Ado About Nothing
  • Julius Caesar.

Há uma secção sobre o romance do século XIX em que os alunos terão que escolher um romance para responder a uma questão no teste, em que lhe será apresentado um extrato da obra que preparou para responder em pormenor e globalmente. 

  • Robert Louis Stevenson, The Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde
  • Charles Dickens, A Christmas Carol
  • Charles Dickens, Great Expectations
  • Charlotte Brontë, Jane Eyre
  • Mary Shelley, Frankenstein
  • Jane Austen, Pride and Prejudice
  • Sir Arthur Conan Doyle, The Sign of Four

As obras que aqui se apresentam são por nós conhecidas mesmo que não tenhamos lido todas. Fazem, pois, parte dum cânone. A diferença entre este currículo e o nosso está na redução dos nossos programas a uma espécie de catecismo histórico-literário que vai ao ponto de prescrever partes de romances e de estabelecer interpretações para os textos indicados (vejam-se os temas de Camões lírico). Esta orientação constitui um convite ao desinteresse, em que o texto objeto se transforma no próprio conteúdo programático, matéria a decorar. Nenhum texto sobrevive a esta carnificina escolar.

Se o tema programático é o romantismo, pois que leiam os alunos um grande romance romântico à sua escolha. Se é o realismo, então que experimentem um grande texto realista de entre os melhores.

Isso mostra perfeitamente duas conceções diferentes sobre o ensino da literatura nos nossos dois países. Lá importa a leitura literária e o conhecimento histórico-literário requerido. Aqui importam os textos canonizados que têm de ser os mesmos para todos os alunos e todos os professores. É a lógica da antologia. Já que não é possível ler tudo, então que leiam um bocadinho de cada, como se em cada excerto estivesse toda a essência da obra e do autor.

Bibliografia consultada:

Clique no título dos documentos para os abrir.

AS and A-Level. English Language and Literature (especificações da disciplina e do exame)

A-Level. English Language and Literature - specimen material (exemplos de questões de exame)

GCSE - English Literature (especificações da disciplina e do exame)

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