Da santidade da arte em Serralves
Receio não ter entendido muito bem o que se passou em Serralves. Segundo me parece, a administração da instituição exigiu que algumas fotos de Mappelthorpe fossem classificadas como para maiores de 18 anos ou, como se diz na Internet, com o carimbo "adult material". Por causa disso, o diretor demitiu-se invocando Mappelthorpe estar a ser vítima dum ato de censura.
Lembrando-me duma célebre obra de Mappelthorpe, pergunto-me se a fotografia do ânus e dos testículos do índio Larry é precisamente o que deve ser visto por todas as famílias que acorrem em perregrinação a Serralves no intuito de usufruírem dum momento de elevação artística, não porque considere ânus e testículos serem objetos de uma tal baixeza que impossibilitam a elevação que se atribui à arte, mas, pelo contrário, aflorando a possibilidade de a arte poder ser erótica, pornográfica e perigosa.
Do facto do acesso às artes plásticas não poder ser objeto de classificação etária como acontece com os filmes, podemos deduzir que estes não são arte ou que, pelo contrário, títulos com O império dos Sentidos, O último tango em Paris ou o O cozinheiro, o ladrão, a sua mulher e o amante dela de Peter Greenway não devem ser vítimas da censura de uma classificação etária, para edificação de todas as criancinhas.
Na reação do diretor, podemos inferir o princípio de que a arte neutraliza o erotismo e a pornografia ou dizendo por outras palavras que a pornografia se for artística deixa de o ser. Assim, podemos olhar para o ânus e os testículos do índio Larry e dizer com Magrite: Ceci n'est pas une pipe. Portanto, como estamos no campo da arte, Aqui não estão anus, nem testículos.
Penso que a arte não deve reivindicar essa inocuidade.