Rever, refazer e reavaliar o passado - Napoleão e os seus generais
Temos que refazer continuamente a História, na busca da verdade factual com documentos, provas e avaliações que tenham em consideração o contexto para não cairmos em anacronismos.
Foi Napoleão um herói da revolução? Milhões o seguiram como se fosse um deus. Mesmo Portugal, invadido pelas suas hostes, permaneceu numa atitude dúplice a propósito deste seu inimigo, que, mesmo assim, entusiasmou muitos, como Gomes Freire de Andrade, o mártir do liberalismo, que o acompanhou até à Rússia com mais cerca de nove mil compatriotas da legião portuguesa integrada no exército francês.
Napoleão era profundamente admirado por Hittler. Tanto um como outro foram responsáveis por milhões de mortos, em guerras, provavelmente inúteis. As napoleónicas foram muito além do que a defesa da revolução justificava e terão mesmo precipitado o seu fim, com o regresso da monarquia, se aceitarmos que ela não terá mesmo acabado com o próprio regime napoleónico, ou, mesmo, antes, com os ditadores que o antecederam.
Mas além dessa mortandade de civis e soldados em batalhas infindáveis, há que computar a enorme quantidade de execuções. Pois tudo o que reconhecemos como imagem de marca de Hittler começa agora a ser ligado a Napoleão como uso de câmaras de gás para matar em massa e antisemitismo. Sem querer entrar na polémica aberta em França, por Claude Ribbe, há alguns factos suficientemente seguros para fundamentar uma revisão do papel histórico do Imperador.
Os princípios da revolução tinham conduzido logicamente ao fim da escravatura em 1794. Porém, Napoleão restaurou-a em 1802. Este gesto foi só por si responsável por milhares de mortos nas Caraíbas onde já tinha havido desenvolvimentos na sequência da luta pela independência do Haiti com Toussain Louverture.
Com o Haiti em perda, para repor a situação anterior em outras ilhas, foi necessário uma ação militar de grande escala. Em Guadalupe, o grande general Antoine Richepanse, herói que tem o seu nome no Arco do Triunfo, massacrou homens, mulheres e crianças:
"Napoleon sent him to put down a slave revolt on Guadeloupe, where Richepanse slaughtered all men, women and children that he encountered on his route to the capital" (https://en.wikipedia.org/wiki/Antoine_Richepanse)
Mas, na sua biografia oficial, apenas consta a sua morte por febre amarela, após o regresso de Guadaloupe. As milhares de mortes causadas diretamente pela sua ação pouco ou nada contam.
A atual celebração do Ano de Napoleão, nos duzentos anos da sua morte, deveria servir para analisar e discutir o seu lugar na história e não tanto para o homenagear. Há receios justificados que não seja essa a perspetiva (ver "Napoleon Isn’t a Hero to Celebrate"). Julgo que é preciso distinguir claramente a ação racionalizadora em muitos aspetos da vida quotidiana do período referido, como será o caso do sistema de pesos e medidas, da violência que o império napoleónico gerou.