Visões do colonialismo: escravatura e trabalho forçado no Estado Livre do Congo
Assinalam-se frequentemente os massacres ocorridos no Congo Belga sob o poder do rei Leopoldo II. Dez milhões é o número de mortes dado. As vítimas tinham origem no trabalho forçado e na resistência ao domínio belga. Os seus causadores foram principalmente os congoleses que estavam ao serviço do Estado Livre do Congo. Um dos principais objetivos declarados por Leopoldo II era acabar com o tráfico de escravos que ainda ali se fazia, principalmente, em rotas dominadas por traficantes árabes. Na verdade, o que Leopoldo fez foi substituir a escravatura pelo trabalho forçado, tal como as autoridades coloniais portuguesas do final do século XIX fizeram nos seus territórios.
O artigo "Congolese Genocide: The Overlooked History of the Colonized Congo" tende a colocar toda a responsabilidade sobre Leopolodo II e a sua administração esquecendo a culpa dos executantes africanos. Na história dos horrores do colonialismo, europeus e africanos estiveram frequentemente juntos. Marietta Korfiati, a autora, embora não ilibe estes agentes africanos, vê a origem de todo o mal nos europeus. Assim, para ela, até a atual violência no Congo tem origem em Leopoldo II.
Para fazer história colonial a sério, importa descobrir quem fez o quê e por que condições mentais de africanos e europeus tais atrocidades foram possíveis. Assim, se aqueles europeus se acreditavam superiores ao ponto de não se importarem com as mortes e sofrimentos infligidos às populações congolesas, que dizer do que fizeram africanos, quer os que estavam ao serviço do Estado colonial quer os outros que se lhe opunham?
Um exemplo desta falta de análise crítica está nas imagens retiradas do livro de Stanley - The Congo and the founding of its free state; a story of work and exploration. New York: Harper & Brothers. 1885, pp. 181-182 -, totalmente descontextualizadas para servirem o propósito de expor as crueldades do imperialismo e do colonialismo. Uma que me intrigou foi aquela que exibe a execução de escravos pelos Wakuti. Stanley apresenta essa imagem como ilustração de um facto por ele testemunhado. Os escravos referidos estavam a ser mortos para acompanharem, no funeral, um chefe recentemente falecido. Os europeus presentes na imagem pertencem à expedição de Stanley que explica no texto os motivos da sua não intervenção na copiosa mortandade, que em sua opinião provocaria ainda mais mortes, mas era este tipo de eventos que justificava a sua posição e ação como explorador e agente do rei Belga.
Dei com esta mesma imagem a ilustrar o genocídio atribuível a Leopoldo II num artigo do Quora.
Muita da história sobre isto resume-se a incluir factos valorados negativamente numa metanarrativa já feita que tem como personagens principais o imperialismo e o colonialismo. No caso, trata-se de um genocídio que estava a acontecer havia séculos: africanos a capturar e a matar outros para os vender a traficantes europeus e árabes.
Para compreendermos o que estava em jogo no colonialismo do final do século XIX, temos que olhar para os testemunhos contemporâneos. Veja-se, por exemplo, o historiador George Washington Williams que investigou e denunciou a situação de violência e trabalho forçado imposta aos congoleses numa carta dirigida ao rei Leopoldo em que o acusa de toda a violência e falsidade do empreendimento Estado Livre do Congo. Fá-lo em nome dos valores da Conferência de Berlim - que o rei é acusado de infringir - e o que exige é mesmo o cumprimento do que poderíamos chamar "missão civilizadora", portanto, em nome de um colonialismo ideal dirigido ao fim da escravatura, à educação dos "nativos", à criação de hospitais, etc... Assim pensava um historiador afro-americano que lutou na guerra civil contra a confederação esclavagista.