Os EUA apontam armas à Europa e à América Latina
O presidente eleito do estado federal americano declarou que não põe de lado a hipótese de utilizar a força para se apoderar da Gronelândia. Isto é, propõe-se a atacar a Europa se esta não satisfizer as suas exigências expansionistas para o solo europeu.
Que se passou no genial cérebro do próximo presidente, que em nenhum momento debateu com os seus adversários eleitorais esta proposta de conquistar parte da Europa?
Embora a ideia não seja nova, a reedição da proposta e correspondente ameaça leva-nos a pensar nos seus pressupostos e inferir eventuais consequências.
Nos meandros cerebrais trumpianos, terá o sujeito que lá pensa e existe concluído que não conseguirá cumprir a sua promessa de acabar com a guerra da Ucrânia e com a da Faixa de Gaza em dois dias. Nem Putin, nem Zelenski, nem Netanyahu, nem tampouco o Hamas, irão aceitar as suas exigências a não ser que vá lá ele próprio colocar-se na fronteira russo-ucraniana de metralhadora em punho e vá ele mesmo procurar os reféns aos túneis da já escavacada Gaza.
Como não está para isso e as possíveis interpostas pessoas que o poderiam substituir nessas missões são incompetentes por definição, conclui cartesianamente que as duas guerras não acabarão nos tempos previstos na sua profecia. Do facto de não conseguir nada, conclui que há um novo estado de coisas em que cada um manda nas suas zonas de influência: Putin na Rússia e arredores, aí compreendendo-se a Ucrânia e o mais que houver; Xi-Jinping na China e em Taiwan; Netanyahu em Israel, na Palestina e no Líbano.
E que poderão ganhar os EUA nessa nova era? Pois não terão de autolimitar-se a regras caducas! A Gronelândia e o Canal do Panamá devem pertencer aos EUA! Motivo: o interesse nacional dos EUA, na interpretação de Trump.
Esta nova ordem implica uma nova interpretação da história recente e abre a perspetiva para novas guerras próximas. A invasão do Iraque e Koweit por Bush em 1990 terá sido apenas um conflito entre os interesses dos EUA e os do Iraque. Ambos tinham razão, ou antes, as suas razões, mas como se sabe impera a do mais forte.
Vêm aí novas guerras que se justificam com os mesmos princípios de Trump:
Maduro vai conquistar uma parte da Guiana. Será uma guerra entre os interesses legítimos da Venezuela e os interesses igualmente legítimos dos EUA, pois parece que os da Guiana não contam.
A China, concordando integralmente com os novos princípios trumpianos, vai invadir e conquistar Taiwan, para dar por concluída, enfim, a revolução comunista pausada em 1949. Paradoxalmente, terá sido necessário a China render-se ao capitalismo, mas não aos direitos do homem, nem ao estado de direito, nem à democracia liberal, para que Taiwan tenha sido integrada numa nova ordem que já nem sequer é maoísta. Mas também que quer Taiwan, já que pode prosperar na nova China capitalista dirigida pelo Partido Comunista?
Em múltiplas guerras se envolverá a China: com a Índia, com o Vietnam, com as Filipinas, eventualmente com a Austrália? Que fará Trump? Reconhecer que esses conflitos são da esfera de influência chinesa e nada têm a ver com os EUA?
O avanço dos EUA para o Canal do Panamá terá a virtude de reacender o anti-imperialismo latino-americano. Vêm aí guerrilhas anti-americanas por todo o lado. Mas, no plano internacional, que terão a dizer sobre isto o Brasil, a Colômbia e o México?
Irá Trump apoiar Milei numa nova querela entre a Argentina e o Reino Unido a propósito das Malvinas?