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"Sobre aquilo de que não conseguimos falar, é melhor calarmo-nos." (Was sich überhaupt sagen lässt, lässt sich klar sagen; und wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen) - Wittgenstein.

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11
Mar09

Insucesso escolar

Redes

Numa busca de maior compreensão sobre a questão do insucesso escolar, recorri à consulta de obras de sociologia da educação. Em Sociologia da escola1 de Conceição Alves Pinto, surge a seguinte afirmação que veio confirmar os meus receios a respeito desta "ciência":

Em termos sociológicos, diremos que a análise da igualdade de oportunidades não se pode limitar à igualdade de acesso. Há que considerar ainda a igualdade de sucesso”2

Se a sociologia se apresenta como uma ciência, poderia pesquisar em que medida é que a escola interfere com a desigualdade social, mas não partir do princípio que a escola se deva caracterizar por igualdade de sucesso. Se sucesso quer dizer rendimento ou aprendizagens efectivas, terá que variar de indivíduo para indivíduo, por natureza diversos e não deve ser colocada em termos absolutos ou discretos, mas num contínuo, com variações de área para área curricular.

Na verdade, o sucesso escolar inclui, de acordo com a autora, não só o rendimento, mas também a permanência no sistema de ensino – a sobrevivência escolar que depende de decisões intimamente relacionadas com o rendimento, como o abandono, a escolha de carreiras escolares mais longas e a opção por saídas profissionais mais rápidas. No que respeita ao rendimento escolar, releva a retenção. Estes processos resultam na selecção escolar.

A retenção de ano é uma forma de selecção negativa:

Aquele que é retido num fim de ciclo ou num ano encontra-se impedido de, pelo menos temporariamente, prosseguir o seu itinerário escolar”3

Se é verdade que a repetição de ano é uma selecção negativa do aluno, penso que é também uma medida pedagógica que permite a real efectivação das aprendizagens previstas. Nesse caso, é também uma prossecução de estudos e não uma paragem. Portanto, há duas perspectivas, a pedagógica que se atém às reais aprendizagens e a sociológica, preocupada com os efeitos sociais dessas decisões pedagógicas.

Na análise de dados estatísticos relativos ao ensino em Portugal, a autora mostra que a população escolar sobrevivente, isto é, aqueles que vão vencendo os vários processos de selecção escolar, caracteriza-se por uma distorção social cada vez maior. Isto é, os grupos socioeconómicos mais privilegiados pelo rendimento e pelo grau de instrução dos pais têm uma proporção cada vez maior na população quando se comparam ensino básico com secundário, vias profissionais com vias de continuação de estudos e cursos médios com cursos superiores. Sintomaticamente, verifica-se também tal diferença de composição social da população entre os turnos da manhã e os da tarde das nossas escolas.

Sendo esta análise estatística, ela apenas mostra a vantagem relativa dos grupos socioeconómicos mais favorecidos e mais instruídos. A verdade é que são muitos os que, apesar de pertencerem a estratos de menores rendimentos e com mais baixo nível instrucional, conseguem ascender aos níveis mais elevados do sistema escolar. Inversamente, há outros, que não obstante a vantagem socioeconómica e cultural, soçobram. Creio que, para estes, a sobrevivência no sistema escolar, constitui verdadeira promoção social. Num sistema não selectivo, a sua vitória perderia qualquer significado e a sua escolarização não constituiria qualquer vantagem comparativa.

Sociologia da escola dá-nos uma perspectiva muito rica dos estudos e teorias sobre a relação entre desigualdade social e selecção escolar. As conclusões variam entre os que mostram que a escola é uma forma de reprodução da estrutura social do capitalismo, os que provam que a escola apenas confirma a desigualdade social e os que reconhecem que a escola produz diferenças.

A verdade é que todos nós conhecemos pessoas que “subiram na vida” graças à escola. Isto é, o seu estatuto socioeconómico mudou relativamente ao dos seus pais, graças à sua carreira escolar.

Confirma-se, sem dúvida, que há vantagens escolares de grupos privilegiados, mas que a escola também promove socialmente indivíduos, mas não o faz na medida em que os sociólogos o desejariam. Quer dizer que infelizmente a escola não muda a estrutura social.

A escola forma indivíduos para uma sociedade que é desigual. Há, por exemplo, números determinados de lugares para empresários, gestores, médicos, advogados, políticos, professores e, mesmo para artistas e actores. Além disso, alguns destes grupos, numa atitude de defesa corporativa, conseguem limitar o número de novos membros, a fim de preservar o seu estatuto. A probabilidade de um indivíduo aceder a uma estatuto socialmente elevado depende dos resultados escolares, do rendimento dos pais, do nível de instrução e da maior ou menor proximidade social relativamente às funções mais desejadas.

Por exemplo, se o filho dum rico empresário não conseguir realizar uma carreira escolar de sucesso, não deixará, por isso, de herdar a sua posição.

Além disso, a escola pública está condenada à impotência na luta contra os efeitos escolares indesejáveis da desigualdade social, pois os mais ricos criarão as suas próprias escolas que poderão ganhar mais crédito como formadoras de candidatos às classes sociais mais favorecidas. O pior que a escola pública pode fazer é forjar sucesso escolar através do facilitismo. Isso apenas desvalorizará socialmente as certificações escolares que atribui aos seus alunos.

Portanto, todas as medidas políticas tomadas no sentido de generalizar certificações escolares sem os conhecimentos e as competências referidas nos respectivos programas educativos não passam de hipocrisia social.

1Alfragide, McGRAW-HILL, 1995

2Cf. p. 9. Não faço qualquer juízo sobre o conjunto da obra, que nas primeiras páginas parece querer distinguir sociologia de política educativa e demarcar-se das correntes que reduzem a análise sociológica à perspectiva da reprodução social.

3Ver p. 12.

2 comentários

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    Redes 14.03.2009

    Tens toda a razão. Os exemplos históricos abundam. Em todas as tentativas igualitaristas, sempre aconteceu o que Orwell mostrou na sua Animal Farm, em que, logo desde o princípio, o porco, líder da revolução, se encheu de privilégios. O resultado foi que todos eram iguais, mas uns mais iguais do que os outros.
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