A glória dos descobrimentos
A epopeia das viagens de descoberta dos séculs XV e XVI continua incólume no imaginário nacional, apesar de todos os ataques que sofreu com a história económica dos Annales e da historiografia marxista. Muitos cidadãos imaginam que, nesses séculos, Portugal era o centro da Europa, que o mundo lhe deve a unidade actual e que os povos africanos, asiáticos, americanos e oceânicos receberam das suas mãos o critianismo e a civlização.
É inquestionável que Portugal, nos reinados de D. Duarte, D. João I e D. Manuel I liderou, juntamente com a Espanha, os chamados "Descobrimentos". Mas, a análise histórica revela que estes empreendimentos eram de facto internacionais, tanto ao nível do conhecimento científico, como do financiamento das viagens e da relação com os mercados a que se destinavam as especiarias.
Num domínio essencial, por exemplo, o da cartografia, pontificavam os cartógrafos italianos e alemães. No que diz respeito ao financiamento, as praças alemãs e flamengas lideravam, de tal maneira, que muitas vezes os produtos que vinham nas naus já estavam comprados e destinavam-se a essas praças. Lisboa era assim um entreposto subordinado a outras praças mais importantes como Veneza (que depressa se refez do impacto das primeiros carregamentos de especiarias que chegaram pelo Atlântico) e Antuérpia.
Quanto ao aspecto civilizador, continuam a ser ignoradas as verdadeiras intenções dos navegadores portugueses. O tráfico de escravos que acompanhou desde o seu início a realização das viagens, por exemplo, raramente é mencionado.
Custaria muito apresentar, às crianças, o Infante D. Henrique - Henry the Navigator, como dizem os ingleses - como um traficante de escravos. O Infante autorizava os navegadores algarvios a irem à costa africana raptarem pessoas e beneficiava de um quinto de cada carregamento. Zurara mostra-nos um Infante insensível ao drama humano, em Lagos, à espera da sua parte (cerca de 40 escravos dum dos primeiros carregamentos), enquanto a população se revoltava contra a separação entre mães e filhos. Portugal teve esta glória histórica: a de ter sido o iniciador do tráfico de escravos africanos e a última das potências europeias a acabarem com essa prática.