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Sem Rede

"Sobre aquilo de que não conseguimos falar, é melhor calarmo-nos." (Was sich überhaupt sagen lässt, lässt sich klar sagen; und wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen) - Wittgenstein.

"Sobre aquilo de que não conseguimos falar, é melhor calarmo-nos." (Was sich überhaupt sagen lässt, lässt sich klar sagen; und wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen) - Wittgenstein.

Sem Rede

17
Fev12

Por que a escrita não pode ser transcrição fonética.

Redes

 

Os sons da fala são apenas realizações práticas e contextuais de unidades mais abstratas que fazem parte da língua que temos como nossa. As mesmas unidades abstratas são concretizadas de modo diverso de indivíduo para indivíduo, e no mesmo indivíduo, de um momento para outro e de um contexto verbal para outro.

Um amigo, numa intervenção que só se pode compreender como de paródia, pergunta porque é que escrevemos exato se dizemos [i'zatu]. Eu responderia, com verdade, que digo preferencialmente [e'zatu]. Deveria haver pelo menos duas maneiras de escrever exato, uma para ele e outra para mim? Acontece que, por vezes, também digo [i'zatu]. Então, deveria escrever como? Repare-se que quando escrevo não existe realização sonora. E está comprovado que a escrita não depende de uma realizaçao sonora, ainda que apenas mental.

A filologia explica porque é que exato se escreve com x. Deriva do latim exactu em que julgo que o x no periodo clássico se pronunciava [ks]. Há muitas palavras herdadas da língua do Lácio que têm este elemento latino - ex. Deveríamos em todas, mudá-las para ez ou, seguindo o meu amigo, para iz? Ora aqui enfrentamos variações contextuais:

  • em excitar, o x lê-se [∫] (símbolo que representa o som de ch)

Se nuns casos, escrevêssemos es-, noutros ez-, perder-se ia a noção da unidade ex- que herdámos numa série de palavras latinas e continua a funcionar sincronicamente na nossa língua.

Essas unidades também mudam de realização em processos flexionais e derivacionais:

  • porta diz-se ['pΟrtα]; porteiro deriva de porta e diz-se [pur'tαjru]; dever-se-ia escrever "purteiru"? Nesse caso, perder-se-ia a identidade da palavra como derivada.

A invenção da escrita foi a primeira abordagem linguística. A escrita descobriu os sons elementares da língua, ao mesmo tempo que revelou que eles correspondem a unidades abstratas que se concretizam de modo diverso. As letras não representam os sons efetivos que os falantes utilizam mas sim essas unidades abstratas. Por isso, é que podem ser lidas de maneira diferente. O r de porta pode ser dito apicalmente ou guturalmente sem qualquer problema, mas em caro e carro essa hipótese já não existe e a escrita viu-se forçada a dar conta dessa diferença distintiva, dobrando a letra.

 

O que está em causa nos acordos ortográficos não é aproximar-nos de uma escrita fonética; é apenas o acordo entre ortografias oficiais de vários países cujas diferenças linguísticas não são suficentemente grandes para justificar diferentes ortografias. A evolução ortográfica brasileira revelou que a letra c antes de consoante já não é consoante nenhuma; é apenas um vestígio de algo que já passou. Por isso, pode ser excluída sem grande prejuízo, pois não funciona na nossa sincronia.

 

De resto, a ortografia é essencialmente conservadora.

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