Paradigmas pedagógicos
Na pós-modernidade pedagógica, parece que tudo o que é considerado vanguarda constitui um todo coerente.
Por exemplo, em vários países europeus, houve uma reformulação dos programas com base na ideia de "competência". As competências vieram substituir as tabelas de objetivos e conteúdos programáticos.
A novidade é recebida pela vanguarda pedagógica como se este novo elemento fosse coerente com os outros paradigmas, ainda dominantes.
Um deles é o chamado construtivismo, a ideia de que a aprendizagem tem como sujeito o indivíduo que na sua relação com o meio vai construindo esquemas da realidade, que, na versão piagetiana, passam por uma série de estádios de ordem lógica e epistemológica que se presume serem universais na espécie humana. Esta ideia era considerada coerente com a teoria chomskyana da linguagem, dominante também no ensino da língua materna.
No entanto, no final da década de 70, vimos um debate rigoroso entre os partidários da teoria construtivista da aprendizagem e os inatistas, que mostou quão profundas eram as divergências entre as duas conceções. Para mim, que li atentamente a discussão havida entre Chomsky, Katz e Fodor por um lado e Piaget, Inhelder e outros, pelo outro, os primeiros arrasavam completamente o construtivismo, sem que aos segundos acudissem argumentos sólidos em sua defesa.
Não quero entrar aqui em pormenores, mas a aprendizagem da linguagem não se faz de maneira alguma através da interação sensório-motriz, nem a aprendizagem do conceito de número se faz da maneira como Piaget propõe. O que acontece é que a nossa espécie tem inscrita no seu genoma algo que nos permite desenvolver o conceito de número. O mesmo acontece com a linguagem. Existe uma faculdade da linguagem na nossa espécie que nos permite criar e adquirir línguas específicas. A interação social é essencial ao desenvolvimento linguístico, mas não menos necessária é também essa predisposição genética.
A ideia de que é a criança que descobre tudo e que não é positivo ensinar diretamente a criança e treiná-la num certo tipo de raciocínio ou algoritmo que ela tem de descobrir e aprender, primeiro, tem como efeito inibir o professor de ensinar e torna-o numa espécie de orientador dum processo que está a acontecer, que ele estimula, mas para o qual não adianta explicitamente conteúdos que espera que o jovem descubra. Isto torna a aprendizagem desnecessariamente demorada. Em vez de perguntar ao professor, o aluno pode ir diretamente a outras fontes que ensinam direta e explicitamente o que ele quer. Em todo o caso, não é ele que descobre ou "constrói". Ele raciocina de acordo com modelos que a cultura humana desenvolveu historicamente. Pode aprender a lógica da investigação científica, mas não a pode descobrir; ou, pelo menos, não é expetável que a generalidade dos seres humanos a descubra por si.
O que é que a ideia de "competência" tem a ver com o "construtivismo"? Creio que ela é mesmo contrária ao construtivismo, pois, como aquela noção vem para o desenvolvimento curricular através de sociólogos da educação preocupados com a desigualdade dos resultados escolares e com a inutilidade da escola para quem não quer ou não pode seguir estudos, o "construtivismo" é uma abordagem que ainda atrasa mais o domínio de competências para a vida.
Se utilizarmos o critério da "competência" para definir um currículo, iremos pôr de lado os conhecimentos que não conseguimos relacionar com nenhuma competência visível. Faremos, pois, um programa mais rasteiro, menos exigente. Que é que isto tem a ver com "construtivismo"? Nada. Não será mais útil um perspetiva comportamentalista dirigida para o treino de procedimentos e a memorização de conteúdos que sabemos úteis para a vida?
Por isso, parece-me evidente que temos um cocktail de propostas teóricas contraditórias nas ideias dominantes na educação.

