Comentário a "Pensar o sistema escolar"Educação
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abaixo:
Um artigo de fundo, em vez do imediatismo e
fragmentarismo estético e lúdico, típico do
discurso bloguiano! Mas é disto que eu quero! Coisas que se
possam discutir, criticar, rejeitar ou apoiar e não
simplesmente ler para dizer "é giro!" ou "estive
lá".
Trata-se neste caso de apoiar absolutamente o que é
dito sobre a gestão de recursos por quem devia ter os
dados sobre as condições das escolas na mão e
sabemos que podia já ter avançado muito mais,
nomeadamente no que respeita à informatização.
Como professor que está efectivamente em
campo, prefiro ilustrar algumas das consequências pedagógicas
do desnorte da política educativa.
Há anos que sonho com a condição
ideal que é referida, a sala ter um dono: ou o professor ou os
alunos. Alguém tem de ser o anfitrião. Ora o que
acontece actualmente é que o espaço é nosso por
uma hora ou duas; depois, terá outros hóspedes. Um
aluno que tem dúvidas e quer falar com o professor não
sabe onde ele mora na escola. Se quiser, que use o tempo de antena
que lhe é dado na aula. Felizmente, isto será resolvido
quando o número de alunos por sala diminuir. Olhemos para a
curva demográfica e esperemos! É já ali ao virar
da esquina, assim que a curva inflectir para a direita e descer do 27
para o 20.
Não que eu aceite o número de
alunos por turma como desculpa para a baixa qualidade das
aprendizagens! Há países que têm turmas grandes e
ainda assim obtiveram um sucesso tremendo nos testes internacionais
de literacia: Singapura, por exemplo. O relatório do teste
internacional de leitura de 1990 (pode ver o texto em ELLEY,
Warwick, How
in the world do students read?,
Hamburg, IEA, 1992) concluiu
que essa variável não explicava as diferenças de
resultados no teste. Por outro lado, mostrou que a diferença
de rendimento per capita tinha poder explicativo. Atenção
que há países de elevado rendimento per capita e com
muitos alunos por turma.
O problema não será termos turmas
grandes quando prevemos a todos os níveis ter turmas pequenas?
Por exemplo, construímos escolas para 600 alunos e pomos lá
1000. Lá está, construímos as escolas a pensar
na previsão da curva demográfica. Toda a nossa
legislação fala em diagnóstico, avaliação
formativa em detrimento da sumativa, individualização,
inclusão, etc., e cada professor tem 27 alunos por turma e, no
melhor dos cenários, dois tempos de 90 minutos por semana para
fazer isso tudo! A prova está no facto de eu ter alunos que se
sentam na secretária do professor ou numa bancada com um
ângulo de quase 180º em relação ao quadro! A
sala não está preparada para esse número de
alunos.
Precisamos de saber tirar as conclusões
necessárias das condições materiais de que
efectivamente dispomos. Se queremos combater o abandono escolar, é
preciso que haja medidas claras sobre o que fazer com os alunos que,
em turmas de 27 alunos, não têm um aproveitamento
aceitável. Baixar os níveis de exigência a fim de
que todos os alunos “passem de ano” ou manter os padrões
de exigência e “chumbar” os alunos que não
os conseguem atingir?
Criar sistemas ineficientes como “compensação
educativa” ou “apoio pedagógico acrescido”
que se reduzem a “explicações” de uma ou
duas horas por semana, a determinadas disciplinas, enquanto o aluno
continua no “main stream” sem compreender quase nada dos
programas tem sido a solução proposta ou, em casos
extremos, catalogar o aluno de “PEI” ou “NEE”
e reduzir as exigências programáticas. O resultado desse
tipo de medidas e do “PEI” (plano educativo
individualizado) acabam por ser, a maior parte das vezes, a confissão
da nossa incapacidade para tornar a escolaridade um tempo realmente
útil para muitas das nossas crianças. Estamos sempre
entre a espada e a parede, entre o objectivo de oferecer qualidade de
ensino e incluir todos nesse sucesso.
Penso que a resposta para todas estas questões
está em nós, professores. Temos que reconhecer e
aceitar as condições que temos e organizar o
ensino-aprendizagem de acordo com os nossos valores pedagógicos.
Portanto, se aceitamos a inclusão e a qualidade
da aprendizagem como valores que temos que conciliar, não
podemos definir os mesmos objectivos para alunos com grandes
dificuldades de leitura e para alunos extraordinariamente fluentes.
Quando há alunos que chegam às nossas
mãos sem os pré-requisitos do nosso programa que
podemos fazer, se não nos é dado o poder de os reenviar
para o nível de ensino anterior? Fazer a média é
cilindrar os alunos mais fracos, confirmar a mediocridade de muitos e
reafirmar a excelência de alguns, sem que estes se tenham de
esforçar muito. Enfim, a curva de Galton! Ficaremos
satisfeitos com o sucesso destes que confirmam a excelência do
nosso ensino e esqueceremos o desperdício que vamos deixando
pelo caminho. Ignoraremos triunfalmente Bernstein, Labov, Bourdieu,
Mel Ainscow e outros que provaram que a escola premeia a origem
social, as famílias que têm condições
económicas e culturais elevadas, reproduzindo essas
desigualdades.
Sim, aceito que sou eu que tenho que saber o que
posso ou não fazer e o que devo ou
não fazer em função das condições
existentes. Mas o que acho insuportável é que as
autoridades educacionais passem a mensagem de que as condições
são outras e ponham no professor a responsabilidade de
conciliar o impossível.