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Sem Rede

"Sobre aquilo de que não conseguimos falar, é melhor calarmo-nos." (Was sich überhaupt sagen lässt, lässt sich klar sagen; und wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen) - Wittgenstein.

"Sobre aquilo de que não conseguimos falar, é melhor calarmo-nos." (Was sich überhaupt sagen lässt, lässt sich klar sagen; und wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen) - Wittgenstein.

Sem Rede

19
Out04

Há temas poéticos?

Redes
Para muitas pessoas a simples referência a poesia aponta logo para grandes temas como a morte, a vida, o mistério da existência, o amor, o sonho. É de tal maneira que basta simplesmente enunciar estes temas para logo surgir entre estes o da poesia. E, por vezes, alinham-se algumas linhas quebradas a que se chama “versos” sobre estes grandes temas, para logo se pensar que se está a fazer poesia.

Se bem que estes temas sejam objectos privilegiados de poesia, eles podem ser trabalhados de uma forma bem prosaica, sem o mínimo lirismo, nem de nada que os transforme em poema. Nem o simples acrescentar de rima e metro, transformará a coisa em poesia.

Por outro lado, há temas que não diríamos poéticos, à partida, mas que podem ser objecto de poemas. Se se demonstrar que é esse o caso, concluiremos que a poesia não está tanto na gravidade dos temas, mas sim no trabalho de criação verbal. E então, o amor, a vida, o sonho e a morte não serão em si próprias coisas poéticas. Não serão mais poéticas que a guerra, a fome e o sofrimento. Não serão mais poéticas do que uma panela ao lume ou que uns sapatos engraxados a brilhar ao sol, ou que um cão a mijar numa esquina.

Poéticas são as palavras que escrevemos sobre o amor, a vida, a morte, a guerra, a fome, a panela ao lume, os sapatos engraxados a brilhar ao sol ou um cão a mijar numa esquina.


Se repararmos nesta estrofe do Cesário Verde:


Ó pobre estrume, como tu compões
Esses pâmpanos doces como afagos!
"Dedos de dama": transparentes bagos!
"Tetas de cabra": lácteas carnações!


É do estrume que se fazem os bagos de uva, tal como a poesia. Se quisesse alongar este pequeno ensaio iria buscar exemplos de todas as épocas, e, por excelência, os da época contemporânea, de Lautréamont a Herberto Hélder, entre muitos outros. Lautréamont faz do Inferno, da morte e do horror, o seu objecto poético.

Pelo contrário, como não sou um bom poeta, posso-me socorrer de temas ilustres e limpos para fazer um poema. Mas nessa não caio eu. Quando fizer um poema será com muito trabalho verbal, muito artesanato, muitas folhas rasgadas, muita procura da expressão através dos vários jogos possíveis que a palavra escrita proporciona, desde as sonoridades, rimas, aliterações aos jogos de sentido das metáforas, alegorias, imagens, personificações, sinédoques, metonímias, quiasmos, etc... E podem crer, se o fizer, pensarei vinte vezes antes de chamar a minha composição de poema. E então sujeitá-lo-ei ao fogo da vossa leitura. Mas até lá, estarei calado.

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