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"Sobre aquilo de que não conseguimos falar, é melhor calarmo-nos." (Was sich überhaupt sagen lässt, lässt sich klar sagen; und wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen) - Wittgenstein.

"Sobre aquilo de que não conseguimos falar, é melhor calarmo-nos." (Was sich überhaupt sagen lässt, lässt sich klar sagen; und wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen) - Wittgenstein.

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09
Mar17

Encontro sobre o Acordo Ortográfico na Academia das Ciências - primeiras observações

Redes

Enquanto membro da Associação de Professores de Português, participei no encontro sobre o Acordo Ortográfico que a atual direção da Academia promoveu.

A iniciativa, realizada para discutir um importante aspeto da nossa cultura, é louvável e os presentes, ao que me parece, na sua generalidade, oponentes ao Acordo, estão de parabéns. O facto de estar pouca gente não é imputável nem à instituição nem à importância do tema, mas a dificuldades inerentes a eventos deste nível de exigência, pois já estive em encontros de grande qualidade com muito parca assistência. Se estão em causa ou não os meios de divulgação empregues, só a Academia poderá ajuizar.

A presidente da APP fez o histórico dos acordos ortográficos para acentuar a responsabilidade histórica da Academia na gestação da presente legislação ortográfica. Agora, com centenas de milhar de jovens ortograficamente formados com as novas regras, seria no mínimo uma falta de respeito, dizer-lhes que o estado português lhes pede desculpa por os ter levado ao engano.

A seguir, falou Maria do Carmo Vieira, com argumentos que já lhe conhecemos e sobre os quais já aqui escrevi e sobre os quais voltarei a escrever. Às objeções que lhe pus, respondeu sobre a minha pessoa, chamando-me de ignorante. Noutra entrada, tratarei disso. Limito-me a observar que a intolerância de que esta professora se queixa, de não ser ouvida, está patente na sua atitude ao reduzir os que não concordam com ela a simples "ignorantes".

Tratava-se das maiúsculas nas estações do ano. Segundo ela, todos teríamos de as continuar a utilizar porque num poema de Ricardo Reis as ditas estações são alegorias, referem entidades únicas. "Se é esse o caso, porque não se grafam com maiúsculas?" -, tinha eu objetado. Passam a ser nomes próprios, não é? Mas quando eu escrevo "Esta primavera vou ao estrangeiro", será "primavera" um nome próprio? Se a Primavera é o nome de uma deusa, que se escreva então com maiúscula.

Será por eu ter dito que isso não passa de uma convenção que ela concluiu que eu era ignorante da cultura clássica? Não é uma arrogância, por uma questão ortográfica, ajuizar do conhecimento de cultura clássica do seu oponente? Então, imagine a Carmo Vieira o que acontece ao dito poema ao ser traduzido para o alemão: todos os nomes, próprios ou não, aparecerão com maiúscula e a Primavera, deusa ou não, será igual a todos os nomes comuns! Perde-se a intenção alegórica de Ricardo Reis na tradução alemã? Ou em espanhol em que as estações do ano se escrevem com minúscula?

Então aqui está para fechar este assunto, uma ocorrência de "primavera" de Ricardo Reis lida por "nuestros hermanos":

 

Cada cosa a su tiempo tiene su tiempo.
No florecen en el invierno las arboledas,
Ni por la primavera
Tienen blanco frío los campos.

A la noche, que entra, no pertenece, Lidia,
El mismo ardor que el día nos pedía.
Con más sosiego amemos
Nuestra incierta vida.

A la hoguera, cansados no de la obra
Pero porque la hora es la hora de los cansancios,
No acerquemos la voz
Encima de un secreto,

Y casuales, interrumpidas, sean
Nuestras palabras de reminiscencia
(Para nada más nos sirve
La negra ida del Sol) —

Poco a poco el pasado recordemos
Y las historias contadas en el pasado
Ahora dos veces
Historias, que nos hablen

De las flores que en nuestra infancia ida
Con otra consciencia recogíamos
Y bajo otra especie
De mirar lanzado al mundo.

Y así, Lidia, a la hoguera, como estando,
Dioses hogares, allí en la eternidad,
Como quien compone ropas
Otrora lo compongamos

En este desasosiego que el descanso
Nos trae a las vidas cuando sólo pensamos
En aquello que ya fuimos,
Y hay sólo noche allá fuera.

 

http://www.fpessoa.com.ar

 

Que escândalo, não é? Escreverem "primavera" como nós fazemos agora!

Mas há mais, Maria do Carmo Vieira, se todas as utilizações da palavra "Primavera" forem grafadas com maiúsculas, não haverá diferença entre a "Primavera" alegórica, a única que nos visita todos os anos, da minha reles que aparece em "Esta Primavera não passeei nada". Numa tradução portuguesa da Odisseia, em todos os dias bons aparece a "Aurora de róseos dedos" justamente grafada com maiúscula.

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