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"Sobre aquilo de que não conseguimos falar, é melhor calarmo-nos." (Was sich überhaupt sagen lässt, lässt sich klar sagen; und wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen) - Wittgenstein.

"Sobre aquilo de que não conseguimos falar, é melhor calarmo-nos." (Was sich überhaupt sagen lässt, lässt sich klar sagen; und wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen) - Wittgenstein.

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07
Mai16

O acordo ortográfico de novo na prosa de Miguel Sousa Tavares

Redes

"As elites bem falantes ou as noções básicas de democracia" in Expresso, 7 de Maio de 2016

O Miguel Sousa Tavares é um dos jornalistas que mais leio. Já me ajudou a formar opinião sobre inúmeros assuntos. Não sei que influência poderá ter este seu artigo. Seria de esperar que fizesse vacilar ou enfraquecer em algum aspeto a minha posição genericamente favorável a uma unificação ortográfica da nossa língua.

É que, em primeiro lugar, está essa questão: deve ou não haver uma única ortografia para o Português? E só depois vêm as outras. Como por exemplo, no caso de não haver uma única ortografia, se o Português se tornar uma língua oficial de organizações internacionais como a ONU, a Organização dos Estados Americanos, a Unesco, ou etc, em que variante ortográfica devem ser apresentados os documentos oficiais? Depois de resolvido isso, podemos discutir os pormenores, as mudanças ortográficas propriamente ditas. Neste particular, posso divergir num ou noutro aspeto, mas, dentro de certos limites, mantém-se a minha posição favorável a que escrevamos todos da mesma maneira.

MST começa por negar a legitimidade do acordo e afirma-o extemporâneo, coisa de "uma vanguarda autonomeada". Não sei se devo entender nesta posição a defesa da ideia de que não deve haver uma ortografia oficial, cada um que escreva como quiser no seu espaço de liberdade onde o Estado não se deve intrometer, etc. Contudo, a defesa da ortografia legislada em 1945, desmente essa possível interpretação. Quanto à extemporaneidade, só a ignorância da história da nossa ortografia poderia subscrever esse argumento: ela tem sido feita de encontros e desencontros políticos e jurídicos entre Portugal e o Brasil. Não é possível questionar a legitimidade deste acordo sem pôr em risco todos os anteriores.

Ao falar em democracia a propósito de ortografia, MST ignora o facto de este acordo ter sido produzido em democracia, ao contrário do de 1945. Que passos ou que processos é que não foram seguidos? Deveria haver um referendo para um documento tão técnico?

Quanto aos argumentos contra e a favor, estão documentadas essas discussões em muitos "sítios" da Internet, nomeadamente no Ciberdúvidas. Portanto, é falsa a afirmação de que só os opositores ao acordo têm apresentado argumentos.

É comum as pessoas que se opoem à atual lei ortográfica, falarem das ratificações pelos parlamentos nacionais. O que significa verdadeiramente o Brasil ter suspendido a entrada em vigor? Significa que os documentos oficiais do Brasil não o respeitam, que nas escolas é outra a ortografia ensinada? Segundo o que o embaixador do Brasil, Mário Vilalva, nos tem informado, os manuais escolares, os maiores jornais do Brasil, cumprem a ortografia combinada. Neste momento, já há muitos milhões de jovens de vários anos letivos cuja iniciação à leitura e à escrita foi feita com esta variante ortográfica. Se MST mostrasse que, por exemplo, nos manuais escolares brasileiros, continuam a usar o trema, sim, estaria a mostrar que eles só cumprem o que querem. E os documentos oficiais, as leis do Brasil, como se apresentam?

Os casos de Moçambique, de Angola e da Guiné, são muito mais complexos. Eles têm que compatibilizar muito mais coisas do que teve D. Dinis no século XIII. É preciso não esquecer que são paises verdadeiramente multilingues e cidadãos, em grande parte, essencialmente bilingues, apesar dos progressos do Português em prejuízo de outras línguas nacionais nesses países. Não é justo considerar a ratificação nestes casos como equivalente ao que acontece em Portugal e no Brasil. Cabo-Verde e São Tomé e Príncipe têm também as suas particularidades, que todos conhecemos, como a existência de línguas crioulas que disputam a preemência do português.

MST fala de pessoas - Malaca Casteleiro, Carlos Reis, Jorge Bacelar Gouveia - e de textos escritos que se limita a insultar sem parafrasear, sem dar um ideia mínima que seja ao seu leitor do conteúdo desses textos e do que neles critica. MST refere-se a Camilo. De facto, a sua intervenção neste debate faz lembrar a atitude de muitas personagens das obras camilianas e queirosianas em que as discussões facilmente derivam dos assuntos para as pessoas e se transformam em bengaladas, bordoadas e duelos. Enfim, polémica à portuguesa, não é MST?

Que significa a afirmação de que a língua se tem empobrecido desde Camilo até hoje e que tem isso a ver com o acordo ortográfico? Talvez devêssemos comparar a língua de Camilo com a de um escritor atual para decidir qual tem uma língua mais rica. Quem esolheríamos? MST, Cardoso Pires, Saramago ou Lobo Antunes? Acha MST que deveríamos concluir que estes escritores têm uma língua mais pobre do que a camiliana? Não sei, MST, é que estou deveras confuso com a sua afirmação. Será que para verificar a tal riqueza linguística do Camilo, temos que o ler com a ortografia com que ele escreveu e não transcrito para qualquer outra ortografia posterior?

Na verdade, tanto faz, pois já fiz a experiência de ler partes d'Os Maias com a ortografia original e, à parte algum estranhamento superficial, depressa nos habituamos e lemos sem dificuldade maior como os leitores brasileiros lerão O Equador com a ortografia original, como eu li anos a fio obras publicadas pela Zahar que não estavam disponíveis em edições de Portugal, como li Lins do Rego e Jorge Amado na ortografia original sem qualquer dificuldade.

Isto acontece porque estamos a falar de ortografia e não de língua. Muitos casos em que os brasileiros abdicavam da escrita das consoantes ditas "mudas" - designação errada, pois queremos falar de letras e não de sons da língua -, também nós portugueses já não as pronunciávamos. Nos casos em que eles punham o trema, também seria útil para nós - para identificarmos as sequências gu e qu em que "u" se lê. Como não temos trema, aplicamos o conhecimento da palavra, que é o que os brasileiros vão fazer agora que o perderam. Confunde-se nesta discussão língua com tradição ortográfica. Não decorre da mudança ortográfica nada de substancial à língua. Em nenhum momento se diz que tal e tal palavra se deve passar a dizer desta ou daquela maneira. O que acontece, mais frequentemente, é o contrário: mudanças na língua acarretam mudanças ortográficas. E isso está sempre a acontecer com os neologismos que nunca sabemos como devem ser escritos.

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