Onde estão os "moderados"?
Nesta página da BBC de 2013 - Guide to the Syrian rebels -, faz-se um levantamento dos grupos rebeldes na Síria que parecem ser quase tantos quanto os homens em armas. Não há quase nenhum grupo militar efetivo que não tenha uma designação "islâmica" remetendo diretamente para um ideal político islâmico. Será que nestes dois anos eles mudaram de cultura política e já estão em armas por um estado de direito laico e democrático ou apenas "forçaram" a barra para obter apoio ocidental?
Neste vespeiro, o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL), inimigo a abater pelo ocidente, é para muitos destes rebeldes, cuja agenda política é diferente da que projetaríamos num povo que luta contra um ditador, apenas um pouco exagerado. Quanto ao essencial, o seu ideário é semelhante ao de muitos rebeldes.
Um estado islâmico representa um retrocesso civilizacional e político relativamente à ditadura de Assad por pior que esta seja.
Quando os líderes ocidentais falam em "moderados" que lutam de armas na mão contra Assad, devem estar a falar de heróis que devemos acarinhar, mas será que justificam uma intervenção militar maciça que provavelmente beneficiará os militantes da teocracia islâmica?
Que candidatos à moderação irá o "Ocidente" impedir de se "radicalizarem"?
Não será com certeza a Frente al-Nusra, 20 000 ou mais homens em armas, um grupo já ilegalizado pelos EUA por fazer parte da Al-Qaeda que começou com o modus operandi típico com ataques suicidas e etc, mas que, parece ter-se acomodado à lógica anti-Assad junto com os outros grupos, sem contudo desistir do ideal de um estado islâmico.
Será porventura o Ahrar al-Sham que tem uma importante base em Idlib e terá sido vítima dos ataques russos? Há quem o considere ainda mais poderoso do que a al-Nusra. Apesar de já não se considerar membro da Al-Qaeda e não ser militante do jihadismo global, limitando a sua ação à Síria, a sua ideologia islâmica não mudou.
A Brigada dos Mártires da Síria, apoiada pela Arábia Saudita, parece não colocar o islamismo no seu discurso político. São cerca de 7000 homens em armas, liderados por Jamal Maarouf, que já tiveram alguns êxitos militares como o derrube de dois MIg da Força Aérea de Assad. A Brigada agora está integrada na Jabhat Thowar Suriyya, Frente Revolucionária da Síria, liderada por Maarouf, um movimento que se diz laico e democrático. Contudo, para sobreviver nesta luta tem que se aliar aos outros movimentos fundamentalistas que já referimos e que são mais poderosos. Acrescentemos a Frente Islâmica, al-Jabhah al-Islāmiyyah, movimento fundamentalista, também com apoio saudita, mais de 40 000 homens em armas. Os cerca de 15 000 homens da Frente Revolucionária Síria integram-se nos cerca de 50 000 do Exército Livre da Síria que junto com os 50 000 curdos do YPG se unem no Conselho Nacional Sírio que agrupa cerca de 114 organizações das quais referimos algumas das mais relevantes.
Perante o fato de haver 100 000 ou mais homens que lutam na Síria contra a ditadura de Assad fora do quadro fundamentalista, concluo que a posição russa de reduzir tudo ao Estado Islâmico é errada. A Rússia está a apoiar massivamente o ditador mesmo se reduzir a sua ação a atacar grupos fundamentalistas e terroristas, pois liberta o exército sírio de uma das frentes. Mas isso é inevitável também para os americanos.
A guerra civil síria transformou-se num conflito regional, com várias frentes e vários agentes com intenções diferentes. Por um lado, temos o Irão, o pilar do fundamentalismo Xiita, a competir com a Arábia Saudita sunita por influência na região. A Síria e o Yémene são dois lugares dessa disputa. O Iraque, aparentemente, já entrou na órbita iraniana. A aliança russa ao Irão tende a diminuir o peso da influência americana em Bagdad. Os curdos que seriam aliados contra o Estado Islâmico são prejudicados gravemente pela Turquia que quer impedir a todo o custo que curdos sírios e curdos iraquianos criem um novo Curdistão que desestabilizaria a zona curda da Turquia.
O Estado Islâmico tem sobrevivido graças aos interesses divergentes que se apresentam. Se convém ao Irão combater os sunitas radicais, tal desiderato não convém aos estados sunitas da região. Embora sem apoios declarados, os islamitas de Raqqa beneficiam do desinteresse da Turquia e da divisão entre Xiitas e Sunitas no Iraque.