Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Sem Rede

"Sobre aquilo de que não conseguimos falar, é melhor calarmo-nos." (Was sich überhaupt sagen lässt, lässt sich klar sagen; und wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen) - Wittgenstein.

"Sobre aquilo de que não conseguimos falar, é melhor calarmo-nos." (Was sich überhaupt sagen lässt, lässt sich klar sagen; und wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen) - Wittgenstein.

Sem Rede

19
Abr10

Da primavera e de um banquete em que se falava de amor.

Redes

 

Duas estrelas que orbitam uma na outra (http://www.cubbrasil.net/index.php?option=com_content&task=view&id=2297&Itemid=106)

 

Com a Primavera a florescer, liberta-se energia que por todo o lado une e separa as coisas. Vejo os jovens, que abrigam em si a força vulcânica da vida, a gravitarem, uns satélites dos outros, como aquelas duas estrelas que se fazem cada uma centro da outra numa curiosa coreografia cujo fim é já a queda dos graves que os astrónomos anunciam para breves nx anos.

É este sopro que me leva a relembrar alguns velhos textos gregos de uma tradição cujas origens se perdem nos tempos arcaicos e desemboca em filósofos e escritores tão eminentes quanto Platão e Aristófanes.

Os mitos desempenham aí um papel essencial na expressão de ideias sobre o amor. São textos de uma modernidade a toda a prova, de uma legibilidade intemporal, que releio sempre com espanto e admiração. Um deles é o Banquete de Platão.

Primeiro que tudo, o amor é físico, está imanente em quase todas as coisas. Quando falamos da relação física e corporal entre seres humanos, aparecem as figuras de Afrodite e de Eros. O exercício erótico pertence mais à deusa do que ao seu filho. Este representa mais a necessidade de amor do que o exercício propriamente dito, o “fazer amor”, embora pese em sentido contrário a etimologia.

Por isso, aparecem duas biografias diferentes de Eros. Aquela que conhecemos mais e que aparece na célebre história de Eros e Psiqué é a de Eros como filho de Afrodite. Hesíodo, contudo, apresenta-o como um deus dos primórdios, que sucede ao Caos e à Terra, e antecede o próprio Zeus (Rocha Pereira, p. 28; Platão, p.36; Hesíodo, em Teogonia, excerto em Hélade, p. 82).

Eros é o cimento do Universo. Se quiséssemos encontrar-lhe um equivalente contemporâneo, ele estaria certamente no sonho da Física contemporânea de conseguir uma teoria da unificação das quatro forças fundamentais – gravitacional, electromagnética, nuclear fraca e nuclear forte. Hesíodo atribui a Eros a força que dá coesão a toda a matéria como muito bem expressa Erixímaco no discurso d’O Banquete:

Que o Amor seja de duas espécies, eis uma distinção a meu ver bem feita. Todavia, longe de limitar-se às almas dos homens e ter por motivo a beleza humana, há uma imensidade de outras coisas que o motivam e outros seres onde se manifesta – nos corpos de todos os seres vivos, nas plantas nascidas da terra e, a bem dizer, em tudo o que existe! (Platão, p. 47)

Aqui Erixímaco refere-se à oposição entre a Afrodite celeste e a Afrodite popular, a que é filha do Céu e a que é filha de Zeus. Uma protagoniza uma forma de amor superior que ultrapassa o desejo centrado no corpo e procura a alma do outro; a outra corresponde ao protótipo venusiano de amor físico de que já falámos. É, pois, uma oposição similar à que um orador anterior, Fedro, apresentara, entre Eros e Afrodite.

Embora na maior parte dos mitos, Eros apareça como um ser extremamente belo, filho de Afrodite, n'O Banquete, ressalta sobretudo a incompletude, a carência, que o leva à procura da ligação amorosa. É esse sentimento de falta que caracteriza o próprio amor, tanto na alegoria de Aristófanes, que faz o amor surgir precisamente entre as metades de um ser originalmente completo, fracturado por Zeus, como na análise de Sócrates em que o Amor é um ser carente de beleza e a procura desesperadamente.

Aristófanes esclarece que os seres originais eram de três géneros – masculino, feminino e andrógino -, permitindo assim explicar porque é que alguns procuram metades do mesmo género. Sócrates, no seu discurso, inverte o estilo mais comum nos diálogos, ao apresentar-se como a personagem que é inquirida, dando protagonismo a Diotima, uma mulher sábia que o conduz à conclusão de que a beleza e a sabedoria não são atributos necessários de Eros, ou Amor. Pelo contrário, Eros, filho do Engenho e da Pobreza, estaria numa constante situação de carência e, ao contrário dos deuses imortais, estava condenado para toda a eternidade a mortes e ressurreições cíclicas. Só se ama o que não se tem e quando se alcança a satisfação, graças ao engenho, logo o amor desaparece e morre, para ressurgir numa nova situação de falta.

Sócrates tenta depurar o sentido do amor de todas os outros sentidos que vulgarmente o acompanham, sobretudo, a beleza, tentando chegar assim a um conceito perfeito do amor.

O modo de amar de Sócrates é evidenciado pela intervenção de Alcibíades que, seguindo os protestos apaixonados daquele, esperou de um encontro mais íntimo, alguma acção da parte do filósofo, mas apenas conseguiu uma aproximação paternal. É com frustração que Alcibíades conta que perante a passividade do outro passou do papel de amado ao de amante, o que denuncia a substituição da expectativa pela iniciativa de que nada resultou, no plano em que supunha esse amor.

O amor é um dos grandes motivos, porventura o maior, nas grandes obras da Antiguidade Clássica. A beleza de Helena torna-a objecto de amor por parte da maior parte dos príncipes gregos e são estas paixões conflituosas que dão início aos dois grandes poemas épicos – a Odisseia e a Ilíada.

Até agora, o que para mim era mais significativo eram os mitos gregos, tal como são apresentados em várias obras escritas. Por exemplo, no mito de Eros e Psiquê, esta era uma bela virgem que se torna objecto de adoração rivalizando com Afrodite. Eros é aqui o deus, jovem e belo, filho de Afrodite, que se distrai na contemplação da jovem e se pica na própria seta, apaixonando-se por ela. Eros, ideal do amor, não pode ser visto por seres humanos e é quando Psiquê infringe o tabu de ver o corpo do deus, seu marido, que se cria a desgraça que dá lugar às provações por que terá de passar para o reaver. Por um lado, é o Amor que é vítima de si próprio e, por outro, é a alma de que Psiquê é alegoria que se deixa vencer por ele, e que para se salvar terá que sofrer.

O Amor aparece então como uma fatalidade de que o sujeito não pode ser responsabilizado. O sujeito ou ama ou não ama, pode ou não tentar realizar o seu amor, mas, dada a força deste, poucos serão os sujeitos que não se esforçarão por o realizar: caso de Eros que não vê alternativa a casar-se com a humana Psiqué, violando a ordem da mãe.

Se o amor, por um lado une, por outro, constitui uma ameaça a uniões já constituídas. Assim, as grandes histórias de amor da cultura europeia surgem do conflito entre a realização do amor e o casamento enquanto contrato que envolve valores estranhos à afeição e ao desejo. Lembremo-nos dos casos de Pedro e Inês, de Romeu e Julieta e o próprio caso de Helena e Paris de Tróia. Em todos eles, o amor corrói a ordem social do matrimónio possível.

Olho de novo para os pares à porta da escola. Por eles, a teoria da grande unificação, será realizada. Senão, observemos. Alguns ainda gravitam numa força que tem grande raio de acção, mas não é muito intensa. Outros, contudo, já passaram à fase electromagnética. Vêem-se claramente os electrões que se perdem e a busca desesperada de compensação que ora atrai, ora afasta. Há outros, mais à frente, que chegaram evidentemente ao nuclear fraco – já não perdem energias. Estas concentram-se numa espécie de misterioso cimento que faz dois moverem-se como se apenas um fossem. Adivinha-se o nuclear forte que os tornará dois igual a um, numa eventual fusão de que, pelo princípio da conservação da energia, resultarão novos seres.

 

Bibliografia consultada

 

HAWKING, Stephen W. -  Breve história do tempo: do Big Bang aos buracos negros / trad. Ribeiro da Fonseca, rev. adaptação do texto e notas de José Félix Gomes da Costa, il. Ron Miller. 1ª ed..- Lisboa: Gradiva, 1988.

HÉLADE / organ. e trad. Maria Helena Monteiro da Rocha Pereira. 3" ed. - Coimbra: Inst. de Estudos Clássicos, 1971

PEREIRA, Maria Helena da Rocha - Estudos de história da cultura clássica / 4ª ed.- Lisboa: Fund. Calouste GulbenKian, 1976

PLATÃO, O banquete / trad., introd. e notas de Maria Teresa Schiappa de Azevedo.- Lisboa: Edições 70


Mais sobre mim

foto do autor

Sigam-me

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Wikipédia

Support Wikipedia

Arquivo

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2023
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2022
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2021
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2020
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2019
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2018
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2017
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2016
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2015
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2014
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2013
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2012
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D
  170. 2011
  171. J
  172. F
  173. M
  174. A
  175. M
  176. J
  177. J
  178. A
  179. S
  180. O
  181. N
  182. D
  183. 2010
  184. J
  185. F
  186. M
  187. A
  188. M
  189. J
  190. J
  191. A
  192. S
  193. O
  194. N
  195. D
  196. 2009
  197. J
  198. F
  199. M
  200. A
  201. M
  202. J
  203. J
  204. A
  205. S
  206. O
  207. N
  208. D
  209. 2008
  210. J
  211. F
  212. M
  213. A
  214. M
  215. J
  216. J
  217. A
  218. S
  219. O
  220. N
  221. D
  222. 2007
  223. J
  224. F
  225. M
  226. A
  227. M
  228. J
  229. J
  230. A
  231. S
  232. O
  233. N
  234. D
  235. 2006
  236. J
  237. F
  238. M
  239. A
  240. M
  241. J
  242. J
  243. A
  244. S
  245. O
  246. N
  247. D
  248. 2005
  249. J
  250. F
  251. M
  252. A
  253. M
  254. J
  255. J
  256. A
  257. S
  258. O
  259. N
  260. D
  261. 2004
  262. J
  263. F
  264. M
  265. A
  266. M
  267. J
  268. J
  269. A
  270. S
  271. O
  272. N
  273. D