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Sem Rede

"Sobre aquilo de que não conseguimos falar, é melhor calarmo-nos." (Was sich überhaupt sagen lässt, lässt sich klar sagen; und wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen) - Wittgenstein.

"Sobre aquilo de que não conseguimos falar, é melhor calarmo-nos." (Was sich überhaupt sagen lässt, lässt sich klar sagen; und wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen) - Wittgenstein.

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10
Mai10

Da igualdade na escola

Redes

A primeira coisa que temos que decidir antes de abrir um livro de sociologia da educação é se desejamos que a sociedade seja igualitária. No limite, em termos económicos, isso significaria que todos teriam o mesmo rendimento. Digo isto porque parece que não há livro de sociologia da educação que não acuse a desigualdade social como factor determinante da desigualdade escolar e não veja nesta o mal derradeiro a combater.

Supostamente, os alunos deveriam ser iguais na escola para no futuro serem iguais na sociedade. É um discurso que não se contenta com a igualdade de oportunidades, quer a igualdade real entre os indivíduos. Por isso, querem que a escola não seleccione, não revele as distinções reais, que as apague, eventualmente.

Como nas sociedades ditas democráticas e livres, a desigualdade de posições sociais está institucionalizada, a concorrência entre os indivíduos gera diferenças homólogas, as necessárias ao concurso para o desempenho de funções sociais diferenciadas.

O discurso igualitário sofreu duros golpes no campo político propriamente dito. Efectivamente, os modelos de sociedade igualitária, desde a Utopia de Thomas More, aos falanstérios Saint-simonianos e às diversas variantes de socialismo real revelaram-se pesados pesadelos, pois implicam sempre uma dose insuportável de repressão sobre o indivíduo, ao qual, são paradoxalmente minguados os poderes e as liberdades.

Gera-se então a desigualdade mais atroz, aquela que pretende impor a igualdade aos outros e que foi saborosamente parodiada por Orwell no seu Animal Farm:

"All animals are equal, but some animals are more equalthan others".

Leia a Utopia de More e veja se desejaria lá viver ou se não preferiria mesmo a Inglaterra de então (séc. XVI), ainda que com todas as misérias que são denunciadas. A Utopia é um reino extraordinariamente repressivo. O muro de Berlim, a migração de centenas de milhar de cubanos, o fracasso das ditas terceiras vias, como a Dubceckiana, ou a soviética na era de Gorbatchov, não revela que os seres humanos querem distinguir-se, diferenciar-se individualmente, serem melhores que os outros, ganhar mais poder e deter maior riqueza?

Perante o fracasso político do socialismo, parece que os sociólogos se viraram para a educação como último reduto da forja duma sociedade igualitária. Este conceito revela-se de inúmeras formas em muitos discursos sobre temas educacionais. Veja-se, por exemplo, Perrenoud ao falar da heterogeneidade das turmas:

É por isso que o "tratamento das diferenças" com vista a uma igualdade de saberes adquiridos deverá situar-se no cerne da profissão do professor1.

Será que devemos desejar que haja "uma igualdade de saberes adquiridos", ou apenas conseguir que cada um adquira o máximo que puder e o que achar mais relevante de entre o que temos para lhe dar?

Curiosamente, este discurso da igualdade, como aqui está patente, convive sem problemas, como se não houvesse qualquer contradição ,com o da "diferenciação", com o reconhecimento de que os indivíduos têm ritmos diferentes de aprendizagem. Nem a igualdade de saberes, nem a igualdade de competências se realizará sem uma boa dose de indiferenciação dos elementos de avaliação, o que se faz actualmente de forma sistemática nas escolas portuguesas para escamotear o "insucesso escolar", com resultados deploráveis, como a desvalorização dos saberes e do esforço.

Para evitar equívocos, explicito os valores que acho correctos. Cada indivíduo tem um desenvolvimento único que a escola deve-se limitar a medir e a avaliar com honestidade e humildade, referindo-se apenas ao que pode estabelecer com rigor e ao que é necessário para a sua progressão. A organização dos grupos escolares deve ser feita de maneira a permitir que os alunos aprendam ao seu ritmo, independentemente das condições intelectuais ou sociais que favorecem ou impedem as aprendizagens, que a escola pode apenas considerar, se puder intervir nelas de modo a favorecer o seu desenvolvimento e nunca para desculpar e aceitar o dito insucesso.

Nesta perspectiva, não há verdadeiramente insucesso, há apenas mais ou menos sucesso.

"O insucesso escolar" é uma armadilha que nos impõem. Se o currículo é feito para a mediania, há necessariamente quem o consegue realizar medianamente, quem o faz com excelência e quem o faz deficientemente. Se o currículo fosse feito para todos serem eficientes, seria demasiado simples e não satisfaria os mais exigentes que de alguma maneira fariam o seu próprio caminho, especialmente os que tivessem um ambiente cultural favorável (de certo modo, já está a acontecer isto), ou os que podem investir em escolas especiais.

Os que aprendem mais devagar deveriam ter mais tempo para aprender. A passagem de ano, nestas condições, tira-lhes muitas vezes essa oportunidade, colocando-os em turmas onde a sua incapacidade será realçada. O "chumbo" ou "retenção" introduz uma ruptura que lhe baixa a auto-estima. Acho que não devemos aceitar a heterogeneidade dos grupos de alunos, mas sim criar grupos tão homogéneos quanto possível para garantir que o currículo possa ser eficientemente gerido.



1 A escola e a aprendizagem da democracia / Philippe Perrenoud ; trad. Luís Cabral. 1a ed. Porto : Asa, 2002, p. 144

26
Fev08

Chumbos e facilitismo - dois amigos inseparáveis

Redes

Lembro-me que, há uns anos, tive um aluno do 5º ano que praticamente não sabia ler. Na verdade, isto está sempre a acontecer. Agora mesmo, no presente ano lectivo, tenho situações semelhantes. Mas para concretizar o que quero dizer, prefiro pensar naquele aluno em particular que me deixou bastante impressionado sobre o "não saber o que fazer" em que nos deixa o actual sistema educativo.

Não vou acusar o professor do primeiro ciclo de o ter deixado passar, pois eu não tive solução muito diferente. Nestes casos, também não vale a pena acusar os pais que esperam de nós soluções e não recriminações. Sei que qualquer que seja o encaminhamento que dermos aos nossos alunos, está tudo nas nossas mãos, isto é, nas mãos da escola e do sistema educativo.

O António já tinha repetido o ano duas vezes no primeiro ciclo. Dizer que ele não sabia ler é um exagero. Penso que o professor do primeiro ciclo deve ter ficado feliz quando conseguiu que ele lesse, com êxito, alguns textos muito elementares, mas a leitura dele era demasiado lenta e, quando questionado sobre um texto, um conto de Grimm, com alguma adaptação, por exemplo, ele não conseguia responder a algumas questões de compreensão da história que, para a maior parte da turma, eram demasiado óbvias.

O António tinha apoio às disciplinas mais estruturantes da aprendizagem: língua portuguesa, matemática e língua estrangeira. Mesmo assim, nos conselhos de turma, os professores continuavam a queixar-se dos magros resultados.

Ele fazia progressos em Língua Portuguesa, mas continuava a considerável distância dos desempenhos médios do 5º ano de escolaridade. Em termos de avaliação, eu tinha duas hipóteses: aferir aos critérios dos programas do ensino básico ou aos desempenhos médios da turma. Em ambos os casos, o António ficava com negativa (nível 2, para não o desmotivar com o 1).

Contudo, a velocidade de leitura aumentou, a compreensão também e diminuiu o número de erros ortográficos e de construção frásica. Ainda assim, eu não o podia premiar com um nível positivo, pois nos testes tinha sempre nota negativa. Digamos que ele tinha passado de testes de 20% para testes de 35%.

Sem o catalogar como aluno de necessidades educativas especiais, eu não me sentia autorizado a fazer testes específicos para ele. Já fizera a experiência de testes diferenciados para os alunos que tinham tido negativa no teste anterior e recebi como resposta, o protesto de alguns dos alunos médios e respectivos encarregados de educação que se queixavam de que eu estava a favorecer alguns alunos.

Eu sabia perfeitamente como fazer um teste em que o António tivesse nota positiva, mas não o podia fazer porque na turma havia, além de cerca de 14 alunos de nível médio, 3 de elevado potencial, que esperavam que a "matéria nova" aparecesse no teste. Ora a "matéria" do António era, na sua maior parte, do 1º ciclo e eu confesso que não fui bem sucedido em completar as lacunas na aprendizagem do António; tampouco as aulas de apoio, ou "compensação educativa", surtiram esse efeito.

Penso que é uma falha ética dar a um aluno, uma tarefa que sabemos de antemão que ele não será capaz de realizar, mas o nosso sistema de ensino, apesar de falar em pedagogia diferenciada, exige e mantém o mito da avaliação e classificação equitativa e universal expressa numa escala de 1 a 5.

Ora, se defino objectivos específicos para um certo aluno, não posso avaliá-lo de acordo com critérios universais. A pedagogia diferenciada cai por terra, com o mito da avaliação aferida pelo programa ou, mesmo, por uma norma aferida à turma.

Penso que os alunos devem ser motivados a vencer os obstáculos reconhecidos, tendo como prémio uma apreciação positiva. Por outro lado, os objectivos devem ser definidos próximo do nível em que o aluno já se encontra.

Há disciplinas em que o professor consegue trabalhar com alunos com diferentes desempenhos. Julgo que é o caso da Língua Portuguesa. Apenas o mito da equidade e da universalidade dos critérios impede a tão propalada progressão adapatada às capacidades de cada aluno.

No nosso sistema de avaliação, a linguagem e as escalas, servem para o seguinte: dizer a quase 20% dos alunos que eles não estão a fazer nada na escola.

Por outro lado, enquanto medida das aprendizagens realizadas, a escala de 1 a 5, não nos serve para quase nada. Na classificação, inclui-se o comportamento e as atitudes e valores, de tal maneira que quem olha para uma pauta, não pode estar seguro do desempenho real dos alunos em cada uma das disciplinas.

A escala também não serve para motivar os alunos. No caso do António, o resultado era o seguinte: melhorou na leitura e na escrita, mas não o suficiente para ter nível 3. Resultado: o António pode continuar a progredir em aprendizagens essenciais para o seu futuro, mas sempre com negativa, pois vai estar sempre atrás dos outros.

Consequentemente, repetirá vários anos do básico, para chegar ao fim. E nós ainda lhe pedimos que se sinta motivado e que se esforce por fazer melhor! Quando passa de ano, não será porque lhe tenha sido reconhecido algum progresso, mas porque os professores entendem, justificadamente, que uma nova repetição não adianta nada.

Numa estimativa grosseira, o António representa, no mínimo, 15% dos alunos do básico. À passagem de ano naquelas condições, podemos chamar facilitismo.

É facilitismo porque para essa passagem de ano, os professores são obrigados por lei a atribuir nível 3 a umas quantas disciplinas, com critérios inteiramente extrínsecos, chegando ao ponto de as notas serem votadas, unicamente para o aluno não reprovar mais uma vez.

De quem é a culpa tanto do facilitismo como dos chumbos?

Não é dos professores que não têm outra solução que não seja ou facilitismo ou chumbos, e que são, estranhamente, acusados das duas coisas. Também não é inteiramente atribuível aos alunos, pois não são eles que fazem as classificações. Eles estudam mais ou menos, têm pais e professores mais ou menos competentes, e diferem todos em termos de competências.

A culpa é de quem criou este sistema que:

- Obriga todos a ir à escola.

- Pressupõe que todas as crianças normais são capazes de realizar com sucesso as aprendizagens em desempenhos médios e acantona todos os que não são capazes em categorias diversas.

- Deixa para uma categoria cada vez mais residual os incapazes que reprovam.

- Como não suporta o seu insucesso, o sistema soluciona o caso com facilitismo.

Os responsáveis políticos arranjam sempre maneira de passar, alternadamente, as duas mensagens: chumbos e facilitismo. Pensem nas declarações dos vários ministros e secretários de estado da educação, de ontem até hoje, e reconhecerão as ditas mensagens com a maior das facilidades.

O António, corresponde a um certo aluno, em que estou a pensar neste momento mas, na turma dele, havia mais dois com as mesmas características e a minha experiência diz que sãp 3 em cada 20, numa estimativa prudente, portanto, os 15% que passarão no Ensino Básico com duas histórias inevitavelmente interdependentes: a dos chumbos e a do facilitismo. É claro que também a presença destes alunos nas turmas obriga os professores a um certa aferição de critérios de onde resulta que muitos dos bons, serão provavelmente, apenas, suficientes e alguns dos melhores, serão apenas, bons. O facilitismo espalha-se assim como uma praga a que ninguém pode sensatamente escapar.

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