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Sem Rede

"Sobre aquilo de que não conseguimos falar, é melhor calarmo-nos." (Was sich überhaupt sagen lässt, lässt sich klar sagen; und wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen) - Wittgenstein.

"Sobre aquilo de que não conseguimos falar, é melhor calarmo-nos." (Was sich überhaupt sagen lässt, lässt sich klar sagen; und wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen) - Wittgenstein.

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15
Jan23

A dança das cadeiras

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Era dia da escola ir ao teatro. Estava tudo acertado entre o Teatro, a escola e os professores. Infelizmente, já na bilheteira, houve um pequeno problema. Por erro da funcionária, duas turmas estavam a mais. - A culpa é minha, digo-o com toda a franqueza, tenho de me responsabilizar inteiramente pelo sucedido - repetiu a funcionária a sorrir, com tanta ênfase que parecia estar orgulhosa dessa capacidade de admitir os próprios erros. Essa franqueza, essa abertura, não deixava lugar para qualquer crítica. Tornava-a escusada, redundante, inútil, sem força para fazer o seu caminho contra um muro que se desvanecia por si próprio. Ela tinha dado baixa das duas turmas erradamente, por alegadas dificuldades de transporte. O certo é que as duas turmas apareceram com a casa já cheia, a abarrotar, com as que as substituíram. - O problema agora é como pôr os alunos sentadinhos lá dentro. Também não podemos mandar as turmas a mais embora, coitados, pois não têm culpa nenhuma do sucedido, e com cerca de trinta quilómetros de viagem a Lisboa, para nada!? Por isso, tenho solicitado aos professores, se não se importavam de ficar em pé durante o espectáculo. Atenção, não levem a mal, era só um pedido, não era uma exigência. Com cerca de dois professores por turma em pé, haveria lugar para os meninos se sentarem. Os professores são sempre a parte que pode dar um jeitinho, aquela onde ainda existe alguma folga. Os professores ali presentes compreenderam. Uns puseram em questão a medida em comentários laterais, mas não frontais. Certo, certíssimo, é que ninguém se escandalizou com a proposta. Outrora tínhamos um Professor muito bem sentado na Cadeira do Poder. Nesse tempo, os professores ganhavam mal, talvez menos do que hoje. Mas quando alguém falava deles era de "Senhor Professor" para cima. Alguns tinham outros títulos entre "professor" e o nome próprio, mas, para todos, era de professor com P maiúsculo que se tratava. A contrabalançar o montante irrisório do salário, estava o poder pedagógico ou académico e o prestígio da sabedoria, à imagem do Colega que, na sua Cadeira, se mostrava como símbolo da sapiência, do comedimento, da poupança e da austeridade. Um dia, o Senhor Professor caiu da Cadeira e, desde então, vingou o jogo das cadeiras, pois deixaram de estar bem claras as prioridades, as hierarquias que convêm ao acto de bem sentar. A sociedade democratizou-se, os professores descobriram-se e declararam-se trabalhadores, como todos os outros, multiplicaram-se por milhares, reivindicaram e bateram o pé. De "Senhor Professor" ou "Senhor Doutor", personagem tutelar, ao nível do médico ou do padre da aldeia, o professor evoluiu para o "setor", forma envergonhada de dizer a ausência de título adequado. Ali à entrada do teatro éramos o velho com a criança, sem saber o que fazer com o único lugar disponível no burro. Podia ser que pensassem que a idade de vários dos professores suportaria mal uma hora e meia em pé. Haveria que ter em atenção as dores nas costas e nas pernas dos que já ultrapassaram o auge da idade. Então poder-se-ia sugerir que alguns alunos se sentassem nos degraus do balcão ou da plateia, tão habituados estão a sentar-se em qualquer lugar. Mas não, são as crianças, que estão à nossa guarda, que têm a primazia, são elas que devem ter o lugar no burro. Os velhos que sigam a pé.

Publicado a 14 de Maio de 2015.

05
Jun12

Inutilidade dos exames para a classificação dos alunos no 2º ciclo

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O ministro Nuno Crato anunciou que os exames passariam a ter um peso maior no próximo ano.

Atualmente com um peso de 25% na classificação do aluno, o exame não é suficientemente motivador para os alunos que queiram melhorar a sua nota nem para moderar a atribuição de notas pelos professores.

Isso deve-se à estreiteza da escala de 1 a 5. A nota só muda em casos em que haja uma diferença de 2 níveis entre o exame e a frequência. Na prática, os professores não podem contar com os exames para nenhuma estratégia que vise motivar pela positiva ou pela negativa os seus alunos.

Se o professor atribuir 2 na frequência, o aluno já sabe que não vale a pena preparar-se. Em nada, será alterada a sua situação, pois passar de 2 para 4 é um cenário em que não vale a pena apostar em disciplinas como Língua Portuguesa e Matemática que necessitam de uma maturidade que demora bastante tempo a desenvolver.

A alteração do peso do exame de 25 para 30% não melhora em nada esta irrelevância:

 

 

Exame com peso de 25%

 

Exame com peso de 30%

Frequência

Exame

Final

 

Frequência

Exame

Final

1

3

2

 

1

3

2

1

4

2

 

1

4

2

1

5

2

 

1

5

2

2

4

3

 

2

4

3

2

5

3

 

2

5

3

3

1

3

 

3

1

2

3

5

4

 

3

5

4

4

1

3

 

4

1

3

4

2

4

 

4

2

3

5

1

4

 

5

1

4

5

2

4

 

5

2

4

5

3

5

 

5

3

4

 

Como se pode ver pela tabela acima, mantém-se exatamente a mesma situação. Os poucos casos em que o exame tem maior relevo são muito pouco prováveis.

Para dar algum peso aos exames, teríamos que ampliar a escala ou aumentar o seu peso para 50%. Ponho liminarmente de parte esta última hipótese, pois os exames não conseguem avaliar todas as competências programáticas.

Considerando a primeira hipótese, a escala da classificação final - de 1 a 5 - não precisava de ser ampliada. Bastaria que os elementos de avaliação que concorrem para esse resultado tivessem uma escala mais ampla. Nesse cenário, os professores atribuiriam as notas com aproximação a uma escala decimal e os exames teriam os seus resultados com a mesma aproximação.

Essa mudança faria todo o sentido. O grau de aproximação à unidade dos elementos que afluem à classificação final deve ser menor do que a dos números que expressam esse resultado.

O número de combinações possíveis entre resultados aumentaria estrondosamente, mas, uma vez que o aluno saiba o resultado da frequência, pode calcular o que necessita de ter no exame.

Por exemplo, com um peso de 25%, um aluno que tivesse 2,2 na frequência, necessitaria apenas de ter 3,4 no exame para ter o nível positivo de 3. Ora, com as mesmas notas aproximadas à unidade, o mesmo aluno tem agora 2.

Com a mudança para 30% no peso do exame, basta a um aluno ter uma classificação de 2,2 na frequência e de 3,2, no exame, para ter o nível 3, sem lhe ser requerido subir para 4.

11
Dez10

PISA - 2009 - progressos, mas resultados modestos

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Portugal conseguiu sair da cauda (abaixo da média da OCDE) e posicionar-se a meio (na média, quero dizer) das tabelas do PISA, testes de leitura, ciências e matemática. No que respeita à leitura, acima de Portugal estão cerca de 26 países, abaixo, 38. Na média da OCDE, encontram-se Portugal, a Hungria e o Reino Unido. Melhores que nós: Schangai, Coreia, Finlândia, etc. os mesmos do costume. Mas temos mais gente "boa" connosco, como a Alemanha e a Suécia (isto é, neste marasmo mediano, mas em lugares acima).

Os resultados de matemática e ciências são relativamente inferiores e, ao contrário da leitura, estão um pouco abaixo da média da OCDE.

Os resultados dos testes aparentam uma grande correlação, embora se verifiquem alguns países que conseguem apresentar resultados acima da média em matemática e ciências e abaixo da média na leitura (Tabela dos rankings do PISA).

Observando as tabelas que mostram a distribuição dos resultados da leitura, verifica-se que Portugal tem poucos resultados elevados, exibindo uma mediania assustadora (What Students Know and Can Do: Student Performance in Reading, Mathematics and Science; Tabela em Excel).

O mais importante agora é ver os enunciados e analisar os itens em que os nossos alunos falham mais para orientarmos o nosso trabalho pedagógico.

08
Dez10

Santo Onofre - esclarecimento

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No Agrupamento de Escolas de Santo Onofre, criou-se nos últimos anos uma situação  difícil de gerir no que diz respeito à sã convivência entre os seus trabalhadores.

Tal situação é ainda um vestígio das lutas recentes dos professores contra a avaliação e contra o novo modelo de gestão.

Como fui eleito para o conselho geral do agrupamento e estes assuntos  têm sido discutidos em dois blogues de professores - o Correntes e o Postal, cujos "links" se encontram assinalados nesta página  -, acho que devo clarificar aqui a minha posição.

  • A discussão das leis da avaliação e do modelo de gestão são questões nacionais, de âmbito sindical e político, sobre a qual nos podemos posicionar diversamente enquanto cidadãos. Como professores e servidores do Estado, as leis são apenas para aplicar com rigor e isenção.

Aparentemente, no contexto desta luta, criou-se na escola, a propósito da avaliação, um acordo tácito, para o qual ninguém se comprometeu verbalmente. Desta maneira, não haveria  nem objectivos nem listas para o conselho geral transitório. Na falta de compromissos abertos e francos, colegas houve, principalmente "contratados", que sentiram os seus interesses lesados, mas que, no ambiente criado, não sentiam sequer a posibilidade de expressar os seus interesses e posições. De maneira que esta luta assumiu a forma duma conversa intolerável sobre este e aquele, que queriam entregar objectivos e ser avaliados.

Na falta de listas, o governo nomeou  uma CAP (Comissão Administrativa Provisória)  para liderar a transição para o novo modelo de gestão.

Perante esta situação, houve professores que decidiram que a escola tinha que proceder de acordo com os requisitos legais e com as exigências governamentais e apresentaram uma lista que obteve uma votação assinalável que creio ser expressão do mal-estar acima referido. Sobre isso, escrevi aqui, na altura, artigos que testemunham a posição que assumi entretanto.

No concurso para director do agrupamento, foi nomeado o presidente da CAP.

Esta situação reforçou a divisão dos docentes. Por força das coisas, até do trabalho propriamente dito, vários docentes entabularam relações de trabalho com o diretor, estando sob uma avaliação constante do grau  de realcionamento criado. O assunto dá pano para mangas e retalhos, no "hobby" de corte e costura que é o falar sobre os outros a que se dedicam alguns habitantes deste microcosmos. Assim, há os professores que vão ao jantar  de início do ano e os que não vão.

  • Para mim, ir a um jantar da escola, embora não seja uma obrigação, é um dever, uma oportunidade para estreitar laços com colegas. Profissionalmente, não aceito que o director seja considerado alguém objecto de constante hostilização e que os colegas que simplesmente agem com normalidade sejam vistos como "vendidos ao inimigo". Participarei sempre que possa em todos os jantares da escola, independentemente da personalidade que detém o cargo de director.

Recentemente, na última eleição para o conselho geral, o ambiente crispado intensificou-se. Queria saber-se se havia lista, se não, qual era a boa lista e qual a má, isto é, qual é a da direcção e qual é a outra. Felizmente para os sujeitos deste maniqueísmo infantil, ganhou a que eles consideram a "boa" lista. Eu, perdi, com muito orgulho, pois em 24 anos de "gestão democrática" foi a primeira vez que participei numa votação com mais do que uma lista de professores.

  • Declaro que não reconheço que haja uma lista da direcção e outra contra. Há apenas representantes de professores num orgão superior. Quando houver que escolher um novo director, não haverá um lado só, mas vários currículos a apreciar, discussões difícieis a travar e, nunca, mas nunca, dois lados. O membro do conselho geral que se considera ser da direcção ou contra ela é, na minha opinião, um membro amputado dos seus poderes.

Os que acham que se digladiam na escola os pró- e os resistentes são apenas anedóticos: Nem saberiam dizer a que resistem nem por que os outros são pró. A luta da avaliação e do modelo de gestão, a que se renderam ao participar, acabou. Por isso, a sua luta não tem conteúdo político nem pedagógico.

Os que acham a actual direcção incompetente têm que demonstrar em que é que a direcção falhou e qual a extensão dessa incompetência. Todas as direcções precisam do apoio de todos os docentes.

Não é viável um executivo enfrentar constantemente um grupo de professores que se constitui como oposição num simulacro parlamentar. O modelo de alternância democrática em que alguns professores se constituem como oposição ao governo da escola não funciona, desde logo porque os coordenadores  do conselho pedagógico nunca tiveram mandato para isso, nunca foram representantes dos professores (não há uma proporcionalidade da representação, sequer). São apenas especialistas de diferentes áreas que têm que trabalhar de alma e coração com os colegas e com o presidente, num orgão colegial. Essa intenção oposicionista com os olhos nas próximas eleições azeda as relações de trabalho com interrupções constantes e cria uma situação de reserva em que não se fazem reparos gratuitos, apenas para melhorar o trabalho. Lembram-se da deputada Manuela Ferreira Leite que não dava ao governo as propostas do seu partido para ele não as copiar? Isso pode acontecer entre eles, mas não deve na nossa escola.

As críticas a fazer a esta direcção, se visam derrubá-la sem má fé, devem ser quantificadas. Nos dois blogues acima referidos, apontam-se pequenas falhas de organização, outras mais sérias, mas discutíveis, no que diz respeito a quantificação. Quer me parecer que agem no sentido que denunciam, isto é, dão má publicidade à escola. Eu nunca diria do meu local de trabalho o que aparece nesses blogues. Uma coisa de que acusam a direcção é de os alunos estarem a fugir da escola. É preciso provar com números que a dita fuga começou com esta direcção e indicar quais as decisões de gestão que afastam assim os alunos para outras escolas.

 

Não estamos unidos contra ninguém nem contra nada que não seja a ignorância, na tarefa colectiva mais difícil deste país.

01
Out10

"O ensino do Português" de Maria do Carmo Vieira

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Contra o facilitismo

 

Em O Ensino do Português1, Maria do Carmo Vieira insurge-se contra o espírito de facilitismo e de inovação que invadiu a educação em Portugal e que terá degradado o ensino do Português. Opõe a estas rupturas, nefastas no seu entender, a tradição pedagógica e o paradigma dum ensino assente nos textos que a história da literatura consagrou.

Nesta, como em muitas vozes que reclamam contra o facilitismo, confundem-se muitos níveis de discussão. Por exemplo, o facilitismo pode perfeitamente ter um fórum de discussão distinto do da taxa de repetência. Se houvesse mais repetições, provavelmente, teríamos maior qualidade nos alunos sobreviventes, mas globalmente o nível baixaria, porque aumentaria o número dos que abandonam a escola. Por outro lado, mesmo sem repetições, poderíamos ter um sistema sem qualquer facilitismo que daria conta da progressão dos alunos nas competências e saberes fundamentais e que nunca deixaria que um aluno deixasse de cumprir etapas perfeitamente assinaladas antes de avançar para patamares mais exigentes.

Quando Maria do Carmo põe a ênfase na facilidade com que se passa de ano tem inevitavelmente razão: a tutela é responsável por os alunos fazerem uma escolaridade formal sem as aprendizagens correspondentes, pois inscreveu num sistema que é selectivo nos seus fundamentos um permissivismo em relação ao cumprimento dos critérios.

Contudo, quando um programa afirma que o professor tem de atentar aos desempenhos reais dos seus alunos e tentar diversificar o trabalho na turma de modo a que os alunos mais fracos preencham lacunas na aprendizagem está apenas a enunciar um princípio pedagógico genérico. Mas será possível "compensar" anos de atraso de modo que o aluno domine os conhecimentos necessários? Aqui, de novo, tem Maria do Carmo Vieira razão ao dizer que isso é uma tarefa impossível. Trata-se do modelo da “compensação educativa” que já provou a sua inadequação. Ora se um aluno se atrasa é porque não consegue acompanhar o ritmo desejado e é de todo improvável que o professor consiga colocá-lo a tempo na grelha de partida.

Mas a resposta da autora também não serve: que os alunos repitam até conseguirem. Ora muitos estudos demonstram que a reprovação é um mau processo, gerador de abandono escolar e muito pouco eficaz, pois há muitos alunos que não melhoram substancialmente na repetição de ano.

Maria do Carmo Vieira deseja voltar ao anterior sistema, selectivo. Ora, a verdade é que o sistema escolar português dos anos 60 e 70 também era ineficaz pois gerava taxas de abandono escolar insuportáveis. A efectividade das aprendizagens era muito relativa. Muitas pessoas, por exemplo, saíam com classificação satisfatória a línguas, mas sem saber o mínimo de francês ou inglês.

No que respeita ao Português, o ensino falhava na tarefa de criar leitores eficientes porque os alunos aprendiam leituras já feitas de um conjunto muito limitado de obras e de autores. Assim, por exemplo, na leitura de "Os Lusíadas", o que os alunos aprendiam sobre o poema estava nos apontamentos e só tinham que decorar. Tal como acontece infelizmente ainda hoje, em vez de lerem os textos, muitos alunos, decoravam com sucesso respostas a prováveis perguntas.

O facilitismo era palavra de ordem: os alunos contavam os pontos e seleccionavam as disciplinas em que poderiam completar os 29 valores necessários. Se tinham, por exemplo, 12 nos dois primeiros períodos, bastava ter apenas 5 no último. Faziam-se escolaridades inteiras com nota negativa sistemática a uma certa disciplina. O facilitismo consistia, tal como hoje, nos professores bonzinhos que mudavam a sua nota para o aluno passar de ano.

Qual a diferença então? É que este sistema medíocre aplica-se hoje não a menos de 20% dos nossos jovens, mas a uma massa de 100%. A selectividade tornou-se necessariamente menor pelo aumento da base de recrutamento, digamos.

Maria do Carmo Vieira não faz uma reflexão suficiente sobre as questões que coloca. Resolve-as duma forma rápida e facilitista e este facilitismo não lhe deve ser perdoado, pois quando fala das teorias e pedagogias que repele nem sequer as enuncia, nem as coloca historicamente, na sua génese e nem as confronta com os problemas que tentam resolver.

Assim, quando critica Walter Lemos por dizer que os países que não têm repetências têm mais sucesso em termos de aprendizagens ignora que ele está apenas a dar conta de resultados de estudos internacionais amplamente conhecidos: reprovar os alunos dá mau resultado (p. 18). Não vê, por exemplo, que nada há de intrínseco no chumbo dum aluno. O mau resultado é-o em relação a critérios de rendimento que são discutíveis e têm a ver com o modo como o ensino está organizado. O nosso país é, ainda hoje, e apesar de todo o facilitismo, um dos que mais reprova em toda a OCDE.

Há aqui um problema que é o de fazer uma escolaridade para todos que permita a cada um realizar o seu máximo desempenho, demorar o tempo que necessita para realizar os pré-requisitos necessários a novos patamares, sem reprovações. Para isto, Maria do Carmo Vieira não diz nada de relevante que não seja a mera expressão de uma atitude hostil ao estado das coisas, e a defesa duma inevitável selecção social.

 

Escola, pau para toda a obra

 

No texto, avultam casos e casos de interferências entre a cultura escolar e as encomendas de todo o género que se fazem cada vez mais à escola, a partir de várias instituições e poderes. Se algumas são impertinentes, outras, como a educação sexual e a luta contra a SIDA têm um lugar evidente, pois a escola gratuita e obrigatória sempre teve que se preocupar globalmente com os seus educandos e não apenas com o que é tradicionalmente matéria escolar, pois há muitos outros conhecimentos e competências necessárias à vida. Também, quer queiramos quer não, os poderes públicos viram sempre a escola pública como o meio mais eficaz de comunicar com os jovens. Reconheço, contudo, que se abusa actualmente da escola com programas extra-escolares que prejudicam a sua missão específica.

 

Programas do Secundário

 

Quando refere alguns aspectos dos novos programas do Secundário (páginas 31 e 32), Maria do Carmo parece querer sugerir que as mudanças são justificadas pela aceitação dos jovens. Não é de todo esse o caso. Houve estudos que mostraram que um currículo baseado unicamente num acervo de textos literários canónicos não era suficiente para que os alunos desenvolvessem as competências de leitura e escrita necessárias aos desempenhos que se exigem socialmente.

Para assegurar esse aspecto, importa que os alunos se exercitem na leitura, na escrita e na recepção e elocução de diferentes tipos de textos. Como afirmei atrás, mesmo no campo literário, não é correcto que se transformem em programa certos textos e autores, assim sacralizados, pois existe o risco de os jovens se tornarem repetidores de leituras feitas pelos outros (professor, manual) e não desenvolverem a sua capacidade efectiva de ler.

A autora queixa-se de que os alunos chegam ao 10º ano sem saber ler e escrever correntemente, em resposta às queixas dos professores universitários. Se chegam assim ao secundário, o que é que os professores têm que fazer, senão ensiná-los a escrever sem erros? O que é certo é que os deixam seguir para a Universidade com essas dificuldades.

Então este rol de queixas não justifica uma mudança programática a dar prioridade às competências de ler e escrever sobre a leitura dos clássicos da literatura? Resumindo, Maria do Carmo Vieira é contra as competências e a favor da predominância da literatura, mas parece não ter os alunos de que gostava para esse efeito. Não se entende a sua crítica à falta de textos literários, pois os programas do secundário incluem textos retirados do nosso cânone. A tradição literária é, sem dúvida o critério da escolha de sermões de Vieira, pois, não são o melhor exemplo de textos argumentativos.

Estou em sintonia com algumas das ideias de Carmo Vieira sobre o tratamento a dar ao texto literário. Não deve ser reduzido a nenhum dos protótipos textuais, porque a arte literária joga com a infracção das convenções e, mesmo o género de um certo texto literário deve ser objecto de discussão e análise e não ser considerado um dado à partida. Um poema pode ser uma nota autobiográfica, mas nunca se limita a isso.

Há textos utilitários do passado que são hoje tidos por "literários". Incluem-se aqui textos publicitários, religiosos - por exemplo, sermões -, historiográficos – as crónicas de Fernão Lopes, por exemplo - e etc. O ser literário também depende da leitura. Pode-se fazer uma leitura literária de textos utilitários. Creio que é o contrário que escandaliza Maria do Carmo Vieira por ter uma alta consideração do literário. Mas a eficiência na comunicação linguística, oral e escrita, também é um valor importante.

Neste âmbito, devemos, parece-me, utilizar textos autênticos. Se é um requerimento, que tenha sido escrito e entregue num circuito semiótico onde circulam requerimentos. Se for um texto publicado e não entregue numa secretaria, é porque não é um verdadeiro requerimento, mas sim um texto que usa a forma do requerimento, mas tem uma outra intencionalidade, eventualmente de ordem literária.

É por isso que suspeito da leitura dos sermões do Padre António Vieira como exemplos do texto argumentativo. Será que os alunos aprendem a argumentar com base nessa leitura? Para o fazer, não seria necessário reconstituir a polémica e os acontecimentos que ele denunciava do púlpito, trazer os argumentos contrários. Não seria melhor ler os discursos do primeiro-ministro e os do chefe da oposição a respeito do orçamento de estado ou do estado da nação?

Vejo com agrado que a autora também está preocupada com o exercício efectivo da leitura que se limita frequentemente ao decorar ou, no melhor dos casos, ao acompanhar de leituras alheias. No meu 5º ano (1973), eu não li Os Lusíadas, li as estrofes apenas a seguir uma leitura conduzida pelo professor.

Quando um texto é considerado sagrado, todos querem estreitar as possíveis leituras, indo ao ponto de se ler apenas a superfície gráfica e fonológica, impedindo o aluno de se tornar um verdadeiro leitor. Creio que é o que acontece em muitas escolas corânicas em que os pequenos são obrigados a decorar versículos do Alcorão. N'Os Lusíadas, o que estava em jogo era mais a incapacidade de abranger tantos códigos novos colocados em conjunto (mitologia, retórica, versificação, história, etc.).

 

Terminologia Linguística

 

Sobre a Terminologia Linguística (p. 34...), Maria do Carmo Vieira não vai além da opinião não esclarecida que chegou ao ponto de querer fazer uma petição ou um referendo e querer levar as pessoas a dizer se sim, são a favor, ou se não, são contra, como se fosse possível, neste âmbito, decidir-se assim.

O problema é que gramática ensinar e como ensiná-la. As páginas 34, 35 e 36 mostram como Maria do Carmo Vieira se encontra como muitos outros professores de Português num estado de ignorância a respeito duma revolução que vem da década de 60.

Aqui impunha-se alguma humildade e estudar o assunto que foi o que eu fiz com muita dificuldade, confesso, porque a minha formação é histórica e literária e, se peguei na linguística foi por necessidade pedagógica.

Em 1986, comecei a leccionar Português no Ensino Básico. Licenciado em História, comecei por ler um livro famoso, escrito na década de 70, a adaptação brasileira de um livro francês, Linguística e Ensino do Português. Esse livro mostrava eloquentemente os erros da gramática tradicional. Quem o lesse honestamente não poderia continuar a ensinar gramática da mesma maneira. O livro mostra como as definições estão erradas e os alunos esbarram frequentemente nessa inexactidões.

Exemplo disso é a obra que a autora refere elogiosamente na p. 82: uma iniciação infantil à gramática em que se define o substantivo como "palavra que serve para designar uma pessoa, um animal ou uma coisa" e, se mostra numa ilustração, “um domador, um leão e uma jaula" a que se seguem, nesta animação, os verbos indicando "movimento e acção"2. Repare-se primeiro na complexidade da definição que se decora porque não se compreende (o que significa "designar"?). Depois, a sua inexactidão: então, a "corrida" o "salto" do leão e a "pancada" que o domador lhe dá não são nomes? E a "dor" do leão é uma coisa, um animal ou uma pessoa?

Se eu tivesse passado por esse texto na minha infância, teria com certeza um sentimento de nostalgia perante a sua evocação, como tenho em relação ao meu livro da primeira classe, mas isso não me impediria de analisar os problemas didácticos envolvidos para progredirmos neste domínio. Quer a Maria do Carmo que continuemos a ensinar gramática desta maneira? A partir de definições que são falsas, que têm que ser decoradas e que conduzem a erros. Já tive alunos a dizer-me que "movimento" é um verbo porque indica "acção". Eu lembro-me que não conseguia perceber porque o predicativo do sujeito não era complemento directo, se era para perguntar ao verbo "o quê"?

Pois, parece-me que a autora não leu o livro acima referido. Por isso, insiste, resiste na "substância" do nome. Pois não há nenhuma que faça o substantivo, todo ele é apenas função nominal e não temos dum lado o que é e do outro o que se atribui adjectivamente. Por isso, temos mover, movido, mover-se, movimento, movimentadamente, tudo palavras que se distinguem pela função que podem ter na frase e não por serem substância, qualidade ou acção.

Por exemplo, quando refere críticos da TLEBS, esquece-se de dizer que as críticas do João Peres são diferentes das do Álvaro Gomes e das do Jorge Morais Barbosa. Cada um deles, faria uma TLEBS diferente. Não fosse o tom hostil que esta polémica teve, a agenda escondida que tem a ver com a luta por poder de influência de faculdades, pessoas e instituições, seria apenas um debate muito interessante. Houve críticas do João Peres que produziram mudanças no texto da TLEBS.

A ignorância expressa neste trecho é chocante:

"Assistiu-se então à convivência, por exemplo, do sujeito, do predicado e do complemento directo, respectivamente com o sintagma nominal, sintagma verbal e sintagma preposicional" (p. 35).

É que têm mesmo que conviver! Um sintagma nominal pode ser sujeito ou complemento directo. Uma coisa é o tipo de sintagma, outra a função que tem na frase.

Reedita aqui as polémicas da TLEBS sem o conteúdo informativo que lhe daria sentido, com citações dos críticos já acima referidos.

Primeiro, a questão da designação da classe dos nomes que substitui a dos substantivos. Há dezenas de anos que nós professores do ensino básico utilizamos "nomes" em vez de "substantivo", por isso, o argumento de Jorge Morais Barbosa não colhe, já que não aduz nada de novo; quanto ao do Álvaro Gomes, limita-se a uma teimosia exagerada. Embora tenha sido pela mão de Jorge Morais Barbosa, na sua magnífica tradução e introdução à linguística do André Martinet que entrei nestes assuntos pela primeira vez, em 1977, temo que a sua contribuição para este debate tenha sido irrelevante. A oposição que faz entre gramática e linguística, de que a autora faz eco, só se compreende numa qualquer agenda desconhecida que tem a ver com a sua oposição aos linguistas da Faculdade de Letras de Lisboa. Se a Linguística que é o estudo das línguas não tem nada a ver com a gramática, para que serve então? Como pode não ser pertinente para o ensino da língua?

Tal como muitos outros intervenientes, Maria do Carmo Vieira passeia neste texto a sua ignorância gramatical, digo, gramatical e não linguística. E isso é lamentável numa professora que se atreve a escrever um livro sobre este assunto. Assinalo duas designações da TLEBS que ela apresenta como se fossem novidades escandalosas e acrescento ao lado o meu comentário:

Conceito

Comentário

- advérbio de frase

A nomenclatura gramatical portuguesa de 1967 já lhes chamava "advérbios de oração"

- aspecto verbal: incoactivo, inceptivo, cessativo, iterativo, frequentativo

Estes termos aparecem em gramáticas para o 3º ciclo muito anteriores à Tlebs3. Estou familiarizado com estes termos do meu 5º ano dos liceus (1973)

Quanto às novidades, quem trabalhou um pouco sobre filosofia da linguagem, não deixou de achar muito interessante a distinção entre tipos de actos de fala com origem em Austin e Searle. O seu interesse didáctico é inestimável, pois levam os meninos a pensar sobre a linguagem. Vou só dar um exemplo de actos directivos indirectos.

Numa reunião, onde algumas pessoas fumam, alguém diz: "Será que os senhores não podem passar uma hora sem nicotina?". Alguns fumadores apagam o cigarro, contudo a frase era literalmente uma pergunta e não uma ordem ou pedido, mas ninguém lhe responde, pois todos a entendem como uma ordem indirecta. De facto, em vez de fazermos ordens ou pedidos directamente, invocamos capacidade - “Podes estar calado?” - a questão - “Abres-me a porta?” etc...

E todos os cinco actos de fala são extremamente interessantes, por distinguirem diferentes usos da linguagem no dia a dia. Por exemplo, o declarativo - "declaro-vos marido e mulher", diz o padre - que torna efectiva uma determinada realidade ou o compromissivo que deixa as pessoas reféns do que disseram - o Egas Moniz e a famíia com a corda ao pescoço.

No que respeita às relações de sentido entre as palavras, mais uma bizarria da Tlebs para a autora, constituem relações lógicas de dois tipos particular/geral e parte/todo, raciocínios essenciais em todos os domínios do currículo. Um professor inteligente associa isso à figura da sinédoque, por exemplo, e ao significado dos prefixos hiper-, hipo- e holo-. Ou será que isto é demais para a senhora professora Maria do Carmo Vieira?

 

Novos programas de Português

 

Por fim, o que se diz a respeito da revisão dos programas do ensino básico é completamente inexacto, para não dizer falso. Nos novos programas, há um reforço do ensino da gramática que estava desvalorizada no programa de 91. A designação de conhecimento explícito da língua justifica-se porque não é na escola que aprendemos, ou melhor, adquirimos, as normas da língua, é em casa, do nascimento aos seis anos. Portanto, quando na escola aprendemos que o predicado vem a seguir ao sujeito estamos apenas a explicitar algo que já fazemos muito bem. Por isso, esta parte não é gramática normativa, mas reflexiva que tem aplicação na escrita e na leitura de frases mais complexas.

A leitura inscreve muitas das críticas que Maria do Carmo insere no seu texto: ler textos inteiros, exercitar a leitura propriamente dita e não o mero reconhecimento de conceitos no texto, autonomizar a leitura, etc... O mesmo se pode dizer a respeito da escrita.

Os conteúdos aparecem relacionados com os descritores que enunciam o que se faz com eles e não valem como matéria que se decora e se devolve em situação de avaliação tal e qual foi recebida. Pretende-se que sejam operativos, tal como a autora refere nas tarefas de leitura que propõe aos seus alunos em que não se trata de classificar o tipo de narrador quando os alunos já estão fartos desse item, mas sim de tornar esse conceito operativo na leitura e na escrita.

1Fundação Francisco Manuel dos Santos, Junho de 2010

2Estudos para a Senhora Gramática, de Vieira da Silva.

3M. Olga Azeredo e outros, Gramática prática da língua portuguesa, Lisboa Editora, 1995, p. 201.

11
Set10

Paulo Prudêncio na SIC online - alguns comentários

Redes

Foi com muito prazer que vi na SIC online, o Paulo Prudêncio, uma referência da comunidade escolar a que pertenço.

Não tive a oportunidade de ver o programa em directo; vi-o através das janelas inseridas no Correntes (http://correntes.blogs.sapo.pt/788493.html).

Revi com muita atenção todas as questões colocadas e as respostas dadas. À primeira questão, o Paulo responde com um raciocínio muito complexo, mas que acabou por ser muito pouco assertivo. Vários intervenientes ficaram com a sensação de que ele era contra o fecho de escolas com menos de 20 alunos ou que não reconhecia qualquer mérito a esta medida. Eu não teria a menor dúvida em concordar com essa decisão. Sem dúvida, que por arrasto vêm outras questões, como a qualidade nas escolas para onde são remetidos esses alunos, o software, evidentemente, a gestão e a organização da aprendizagem.

Uma ideia interessante apresentada é a das variáveis do sucesso em que o professor vale apenas 10%. Isso pode ser verdade em termos diferenciais ou marginais, se quisermos. O que a minha filha aprendeu de Matemática no 9º ano é devido em 100% ao trabalho da sua professora de Matemática, porque ela estuda em função das exigências da professora e sem essas exigências e sem as suas lições, a minha filha saberia menos 100% do que aprendeu.

Ora, aquilo a que chamamos sucesso não tem a ver com o facto da aprendizagem efectiva, mas com o reconhecimento de que ela correspondeu às exigências da professora e do programa. Então, o que está em jogo aqui é o efeito do trabalho da professora no sentido de fazer com que o aluno ultrapasse as barreiras que ela própria lhe põe à frente. É aí que as capacidades cognitivas do aluno entram em jogo, assim como as expectativas dos pais o que está comprovado tem muito a ver com rendimento, classe social e grau de instrução.

Este jogo perverso não nos devia interessar muito, pois a própria definição de uma programa de aprendizagem não pode ser feita nem por baixo nem por cima, mas pela média, significando sempre necessariamente que muitos não o conseguem cumprir com o tempo e as condições de que dispõem enquanto alguns o realizarão melhor e mais depressa.

Sérgio Alves tem razão em dizer que a acção do Magalhães e a renovação do Parque Escolar são boas medidas. Eu se lá estivesse, de certeza que faria má figura, metia os pés pelas mãos, teria também um raciocínio cheio de "nuances", mas aqui, de cabeça fria, acho que tenho que reconhecer bondade a estas políticas, sem deixar contudo de criticar duramente os problemas que elas colocam.

A ideia do Magalhães, por exemplo, não nasceu em Portugal. Foi um projecto do MIT com a liderança do famoso Negroponte que depois foi copiada pela Intel na criação do "class mate computer" que é, ao fim e ao cabo, o Magalhães. O que é que a escola deve fazer para dar rendimento pedagógico ao Magalhães é outra questão.

Não tenho opinião formada sobre as "novas oportunidades", mas gostei de ver o Paulo a valorizar a certificação de competências por pessoas que deixaram de ir à escola. O que eu tenho ouvido dizer é que a escola põe-se a avaliar o curriculum vitae das pessoas num aspecto muito global, o que me parece que excede a competência dos certificadores. Acho que a escola devia restringir-se aos saberes que cultiva - sejam eles de ordem académica ou profissional. As pessoas devem ir à escola para esta lhes dar o que tem para oferecer e não para a escola ver o que é que as pessoas já aprenderam durante a sua vida.

Na discussão sobre os mega-agrupamentos parece-me haver uma confusão entre a dimensão da escola e o agrupamento de escolas pequenas numa única mega-unidade de gestão. A dimensão das escolas não está aqui em causa, como se sugere com a comparação com outros países que estão na onda do downsizing das escolas. Cada uma, por mais pequena que seja, terá necessariamente uma gestão própria, mas inserida numa mega-unidade. Dito isto, não estou nem a defender nem a rejeitar esta política.

Nuno Figueira tem razão quanto à necessidade de exames e certificações externas, especialmente no final do Ensino Básico. Mas um exame deve ser visto como um certificado da qualidade da aprendizagem. A distinção entre "passar" e "chumbar" não faz grande sentido. Imagine uma série de graus - como o sistema inglês em que a distinção vai de A a G. Para um curso de formação de canalizadores, o F a Matemática poderia chegar, o que significaria que o aluno sabe, por exemplo, fazer operações de aritmética simples e medições, mas não bastaria para fazer um curso de engenharia. Pense-se no seguinte: certificar é dizer o que uma pessoa sabe e é capaz de fazer e não aquilo em que ela falhou. Um outro comentador fez muito bem a distinção entre avaliação e classificação.

São apenas alguns comentários. Peguei nos aspectos em que poderia contrapor algo.

08
Set10

Ideias feitas sobre a constituição das turmas

Redes

 

(de labirintosnosotao.com)

 

Estou a começar um novo ano lectivo cheio de expectativas. Como sou um simples professor e não faço parte da élite administrativa da escola, é sempre cheio de pontos de interrogação que olho para os expositores de listas de turmas e horários.

Que turmas me vão atribuir? Como são constituídas?

A este respeito, há muitas ideias feitas. Por exemplo, os alunos com comportamentos mais perturbadores devem ser dispersos pelas turmas e as turmas devem ser equilibradas quanto ao desempenho dos alunos.

Não me parece que com estas receitas se vá longe, pois a experiência tem-me mostrado frequentes casos em que um ou dois alunos podem perturbar muito uma boa turma sem que eles próprios saiam beneficiados dessa inclusão.

Dipersar alunos de baixo desempenho escolar pelas turmas aumenta a dificuldade do professor em acomodar tantos ritmos de aprendizagem diferentes. Provavelmente, seria melhor juntá-los de acordo com os seus pontos mais fracos, sejam a leitura, o cálculo, a ortografia ou a elaboração de pequenos textos, para terem o tempo da sala de aula totalmente dedicado ao nível em que se encontram.

E os horários das turmas? Como devem ser? Nas nossas escolas, há sempre turmas que têm as disciplinas de estudo (principalmente, Língua Portuguesa, Matemática, Língua Estrangeira e Ciências) da parte da tarde e outras, da parte da manhã. Algumas ainda têm a pouca sorte de ter essas disciplinas que exigem maior concentração aos últimos tempos.

Neste aspecto, tendo em conta os estudos que têm sido feitos, não tenho dúvidas: os alunos mais fracos devem ter prioridade em ter essas disciplinas de manhã e nunca aos últimos tempos da tarde.

Houve uma vez uma denúncia da nossa antiga ministra de as escolas colocarem as turmas de melhor desempenho da parte da manhã e as mais fracas à tarde. Acho que as escolas deviam tentar sair deste retrato. Como será na minha? Podia-se fazer uma análise estatística muito simples, com classes de rendimento da família e descobrir se a probabilidade de um aluno de um rendimento mais baixo ter o seu horário de manhã é maior ou menor do que um de um rendimento mais alto.

12
Jun10

Autonomia curicular

Redes

Gestão curricular: o que faz a diferença? é um artigo de João Ruivo no Educare (2010-06-07)

Embora não me perturbe a existência dessa autonomia curricular, ao nível do estabelecimento de ensino, pergunto o que faríamos com ela em benefício dos nossos alunos.

Até onde nos levaria a liberdade, a autonomia curricular total? Que componente local, regional, podemos encontrar realmente no currículo? Em resposta a estas perguntas, não creio que o currículo do ensino básico seja utilmente adaptável. Os nossos alunos deslocar-se-ão não só a nível nacional, mas também europeu e mundial. As competências que têm que adquirir têm muito pouca relação com o local onde vivem.
Outra questão é a normalização da realização individual do currículo que é uma questão que se põe da mesma maneira em todos os lugares - não há respeito pelas diferenças individuais e postulam-se níveis médios, medíocres, que prejudicam tanto os alunos de alto desempenho como os que enfrentam dificuldades.
Precisamos de rigor na atribuição de certificações escolares ao mesmo tempo que prevemos e preparamos a escola para que todos possam realizar as suas competências ao ritmo que conseguirem sem ser machucados.

19
Mai10

Conhecimentos e competências

Redes

Num dos ensaios de Perrenoud sobre as competências, inserido na antologia A escola e a aprendizagem da democracia (trad. Luís Cabral. 1a ed. Porto : Asa, 2002), há uma oposição entre uma escola de conhecimentos e uma escola de competências. Este meu pequeno texto visa discutir a efectividade desta oposição e questionar a sua relevância no objectivo confesso do autor que é o de lutar contra as desigualdades sociais. Sobre este tópico de política da educação de que a respectiva sociologia faz sua bandeira já dei a minha opinião em artigo recente aqui abaixo - A igualdade em educação.

Perrenoud critica a escola dos conhecimentos por ser própria para preparar para os estudos longos, isto é, para preparar os estudantes para a Universidade, mas não para os preparar para o emprego, para a vida. Enuncio aqui a minha primeira objecção ao que me parece ser uma contradição: se a escola preparar para uma saída rápida para o mercado de trabalho não estará a impedir à partida muitos de ambicionarem estudos de nível universitário? Pois não deixará nunca de haver escolas para preparar para a universidade, se a escola pública não o fizer! Simplesmente, esse caminho estará cada vez mais fora do programa da escola pública. Não estaremos assim a contribuir para o mal que o preocupa: que a sociedade não pretenda "uma igualdade de competências e de conhecimentos"?

Apesar de contraditório com os fins expressos, estou inteiramente de acordo com Perrenoud com a preocupação com o destino de milhares de jovens que não prosseguirão os seus estudos e que soçobram numa escola que não os prepara para a vida activa. Creio que a única resposta justa a esta questão é que a escola básica, gratuita e obrigatória, tem que preparar tanto para a vida activa como para o prosseguimento de estudos.

Será o currículo baseado em competências uma boa resposta a esta questão? De acordo com Perrenoud, as competências devem ser o crivo que permite seleccionar os conhecimentos. Estes importam apenas na medida em que são passíveis de ser mobilizados para a acção. É essa capacidade de mobilização, de investir conhecimentos, de fazer deles processos activos, que define as competências. Mas será possível ligar todos os conhecimentos relevantes a competências identificáveis? Será justo afastar do currículo todos os conhecimentos que não entrem visivelmente numa competência? Haverá algum conhecimento que não sirva para nenhuma competência?

É que se há uma relação difusa entre conhecimentos e competências, não seremos capazes de seleccionar e limitar os conhecimentos pelas competências. O resultado será um currículo tão generalizado como eram as tradicionais listas de conteúdos vigentes até há pouco tempo - e, por mim, tudo bem!

De acordo com Perrenoud, um currículo por competências desenvolve-se, não com as tradicionais sequências de aulas teóricas e exercícios de aplicação, mas com trabalho de projecto, oficina ou atelier onde a resolução de problemas conduza a conflitos cognitivos que, superados, conduzem o aluno a novos patamares de aprendizagem. É, enfim, o programa construtivista que tem aversão à memorização, ao treino sistemático, à simples recepção de exposições magistrais que se caracterizam pela quantidade de informação e pela lógica discursiva que as enformam.

O nosso Currículo Nacional foi elaborado com a preocupação definida por Perrenoud neste ensaio - definir as "competências essenciais". A primeira competência apresentada é a seguinte:

"Mobilizar saberes culturais, científicos e tecnológicos para compreender a realidade e para abordar situações e problemas do quotidiano".

Será que há conhecimentos que não se enquadrem nesta competência geral?

Observando uma disciplina plena de conhecimentos como História, encontramos no 3º ciclo a seguinte competência:

"Utiliza as noções de evolução, de multicausalidade, de multiplicidade temporal e de relatividade cultural no relacionamento da História de Portugal com a História europeia e mundial".

A bem dizer, parece o enunciado de um programa universitário, mas que condensa muito bem a maneira como a disciplina arregimenta o conhecimento dos factos históricos. Mas que diferença apresenta relativamente a um programa clássico de objectivos e conteúdos? A tarefa é relacionar a história de Portugal com a da Europa e a do Mundo em que se aplicam as ditas noções. Ora, para o fazer tem que saber os ditos factos.

Não sei se estão a compreender bem a minha dúvida: em que medida é que um programa de competências se distingue dum de objectivos e conteúdos. Se não se trata só duma disposição diferente a dizer as mesmas coisas...

Ora, se há disciplinas onde a aplicação da noção de competência é fácil, são aquelas que sempre foram disciplinas em que o saber-fazer tem uma dimensão predominante como a língua portuguesa onde, desde sempre, o saber ler, o recitar e o escrever estiveram no centro das preocupações da aula. Além disso, a linguística contemporânea foi a primeira a utilizar produtivamente a noção de competência.

O conhecimento histórico começa por ser uma narrativa, uma história que dá sentido ao nosso presente, e, mesmo, à nossa identidade, que literalmente muda com esse conhecimento. Sublinho: uma história que tem que ser sabida e que é operativa na medida em que enquadra e dá sentido a novas aquisições e assim se torna meta-narrativa, por ser um quadro de referências essencial. Não podemos prever com exactidão quando é que uma pessoa mobiliza esse conhecimento numa competência dita histórica - Quando lê o jornal? Quando vê um filme? -, pois, por vezes, acontece o contrário, é esse conhecimento que nos mobiliza, nos torna outros, nos leva a fazer perguntas a querer saber mais e a integrar mais narrativas, todas elas interagindo com a nossa essencial narrativa biográfica.

Dum modo genérico, o conhecimento todo, digo mesmo, a enciclopédia, e traduzo por uma outra palavra, a cultura, constitui um mapa do todo que é a vida. É ele mesmo uma competência.

Embora reconheça que há competências identificáveis com níveis de desempenho mensuráveis e que se afiguram importantes para a realização futura dos nossos alunos - cálculo, língua estrangeira, produção de objectos com diversos materiais para responder a determinadas finalidades, leitura, escrita, etc. - e que têm que ter prioridade no seu currículo, nem todo o conhecimento é redutível a um programa de competências sem que haja uma grande perda para a cultura e é isso que Perrenoud propõe - pôr de lado tudo o que não se integra numa competência, pôr de lado o que apenas parece "interessante".

 

Imagem retirada de http://www.gestiopolis.com/canales5/fin/reflex6.jpg

10
Mai10

Da igualdade na escola

Redes

A primeira coisa que temos que decidir antes de abrir um livro de sociologia da educação é se desejamos que a sociedade seja igualitária. No limite, em termos económicos, isso significaria que todos teriam o mesmo rendimento. Digo isto porque parece que não há livro de sociologia da educação que não acuse a desigualdade social como factor determinante da desigualdade escolar e não veja nesta o mal derradeiro a combater.

Supostamente, os alunos deveriam ser iguais na escola para no futuro serem iguais na sociedade. É um discurso que não se contenta com a igualdade de oportunidades, quer a igualdade real entre os indivíduos. Por isso, querem que a escola não seleccione, não revele as distinções reais, que as apague, eventualmente.

Como nas sociedades ditas democráticas e livres, a desigualdade de posições sociais está institucionalizada, a concorrência entre os indivíduos gera diferenças homólogas, as necessárias ao concurso para o desempenho de funções sociais diferenciadas.

O discurso igualitário sofreu duros golpes no campo político propriamente dito. Efectivamente, os modelos de sociedade igualitária, desde a Utopia de Thomas More, aos falanstérios Saint-simonianos e às diversas variantes de socialismo real revelaram-se pesados pesadelos, pois implicam sempre uma dose insuportável de repressão sobre o indivíduo, ao qual, são paradoxalmente minguados os poderes e as liberdades.

Gera-se então a desigualdade mais atroz, aquela que pretende impor a igualdade aos outros e que foi saborosamente parodiada por Orwell no seu Animal Farm:

"All animals are equal, but some animals are more equalthan others".

Leia a Utopia de More e veja se desejaria lá viver ou se não preferiria mesmo a Inglaterra de então (séc. XVI), ainda que com todas as misérias que são denunciadas. A Utopia é um reino extraordinariamente repressivo. O muro de Berlim, a migração de centenas de milhar de cubanos, o fracasso das ditas terceiras vias, como a Dubceckiana, ou a soviética na era de Gorbatchov, não revela que os seres humanos querem distinguir-se, diferenciar-se individualmente, serem melhores que os outros, ganhar mais poder e deter maior riqueza?

Perante o fracasso político do socialismo, parece que os sociólogos se viraram para a educação como último reduto da forja duma sociedade igualitária. Este conceito revela-se de inúmeras formas em muitos discursos sobre temas educacionais. Veja-se, por exemplo, Perrenoud ao falar da heterogeneidade das turmas:

É por isso que o "tratamento das diferenças" com vista a uma igualdade de saberes adquiridos deverá situar-se no cerne da profissão do professor1.

Será que devemos desejar que haja "uma igualdade de saberes adquiridos", ou apenas conseguir que cada um adquira o máximo que puder e o que achar mais relevante de entre o que temos para lhe dar?

Curiosamente, este discurso da igualdade, como aqui está patente, convive sem problemas, como se não houvesse qualquer contradição ,com o da "diferenciação", com o reconhecimento de que os indivíduos têm ritmos diferentes de aprendizagem. Nem a igualdade de saberes, nem a igualdade de competências se realizará sem uma boa dose de indiferenciação dos elementos de avaliação, o que se faz actualmente de forma sistemática nas escolas portuguesas para escamotear o "insucesso escolar", com resultados deploráveis, como a desvalorização dos saberes e do esforço.

Para evitar equívocos, explicito os valores que acho correctos. Cada indivíduo tem um desenvolvimento único que a escola deve-se limitar a medir e a avaliar com honestidade e humildade, referindo-se apenas ao que pode estabelecer com rigor e ao que é necessário para a sua progressão. A organização dos grupos escolares deve ser feita de maneira a permitir que os alunos aprendam ao seu ritmo, independentemente das condições intelectuais ou sociais que favorecem ou impedem as aprendizagens, que a escola pode apenas considerar, se puder intervir nelas de modo a favorecer o seu desenvolvimento e nunca para desculpar e aceitar o dito insucesso.

Nesta perspectiva, não há verdadeiramente insucesso, há apenas mais ou menos sucesso.

"O insucesso escolar" é uma armadilha que nos impõem. Se o currículo é feito para a mediania, há necessariamente quem o consegue realizar medianamente, quem o faz com excelência e quem o faz deficientemente. Se o currículo fosse feito para todos serem eficientes, seria demasiado simples e não satisfaria os mais exigentes que de alguma maneira fariam o seu próprio caminho, especialmente os que tivessem um ambiente cultural favorável (de certo modo, já está a acontecer isto), ou os que podem investir em escolas especiais.

Os que aprendem mais devagar deveriam ter mais tempo para aprender. A passagem de ano, nestas condições, tira-lhes muitas vezes essa oportunidade, colocando-os em turmas onde a sua incapacidade será realçada. O "chumbo" ou "retenção" introduz uma ruptura que lhe baixa a auto-estima. Acho que não devemos aceitar a heterogeneidade dos grupos de alunos, mas sim criar grupos tão homogéneos quanto possível para garantir que o currículo possa ser eficientemente gerido.



1 A escola e a aprendizagem da democracia / Philippe Perrenoud ; trad. Luís Cabral. 1a ed. Porto : Asa, 2002, p. 144

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