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Sem Rede

"Sobre aquilo de que não conseguimos falar, é melhor calarmo-nos." (Was sich überhaupt sagen lässt, lässt sich klar sagen; und wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen) - Wittgenstein.

"Sobre aquilo de que não conseguimos falar, é melhor calarmo-nos." (Was sich überhaupt sagen lässt, lässt sich klar sagen; und wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen) - Wittgenstein.

Sem Rede

08
Dez09

Ana e a árvore da vida (4)

Redes

Prefácio

Este texto não tem outra intenção que não seja a de concretizar numa história uma parte da narrativa de Génesis. Repare-se que no aspecto ficcional a história de Adão e Eva e de Caim e Abel é muito lacunar. São parcas e contraditórias as informações sobre ambientes e personagens. 

Não tento corrigir os factos históricos porque tal não é possível. Aceito os elementos que constituem esse mundo ficcional, mas tenho que me socorrer de informação histórica apenas para imaginar como seria a vida daquelas personagens. Ana é uma filha mais nova de Adão. (ele teve um grande número de filhos e filhas). A longevidade das personagens - novecentos e trinta anos para Adão - é um dos dados que é aceite. Apenas se fazem opções quando se torna difícil concretizar um certo aspecto. Aproveito as contradições para introduzir outros elementos míticos exteriores a Génesis e inventar soluções.  

É escusado estar aqui a discutir a verdade destes factos. É o mesmo que questionar a existência dos Elfos na Terra Média de Tolkien. Todos sabemos que os seres humanos nunca viveram tanto tempo. Tubal-Caim não poderia ter inventado instrumentos em cobre e em ferro, pois temos provas de que entre o início da idade do cobre e a do ferro distam cerca de dois mil anos. 

Génesis diz-nos pouco sobre o que sentiam as personagens sobre os acontecimentos. Mas um elemento recorrente é a descrença e a inclinação para o desvio. Essa falta de fé de quem viveu de tão perto o encontro com o divino é em si próprio um sintoma de falta de evidência. 

Aqui trata-se de fazer não uma história obediente mas uma história que se questiona a si própria.

Episódio 1 - Filha de Eva (se ainda não o leu, clique aqui)

Episódio 2 - A visita de Henoch (se ainda não o leu, clique aqui)

Episódio 3 - O Éden revisitado (se ainda não o leu, clique aqui)

Episódio 4 - Enoque

 

Ana sabia vagamente que o caminho para a Terra de Nod, onde estava o seu irmão Caim, seria para este e para sul. Enoque era banhada por dois rios que ligavam o Tigre ao Eufrates. Pensou que lhe bastaria seguir o curso do rio Eufrates para lá chegar, indo sempre na direcção do Sol quando está no seu ponto mais alto. Mas estava já muito cansada e hesitava entre voltar para casa e fazer mais uma viagem arriscada. Como uma parte do percurso seria igual,  pôs-se a andar, adiando a decisão.
Após alguns dias de marcha, atingiu o Eufrates e lá se quedou num lugar aprazível, onde não faltava água límpida nem árvores de fruto. Passou dias assim, a ganhar forças para se decidir: voltaria a enfrentar o deserto para ir para casa ou lançar-se-ia para sul. Um dia, pela madrugada, decidiu-se. Já nada havia a fazer no que se refere à árvore da vida, mas a curiosidade em relação à história de Lilith conduzia-a a mais uma aventura.
Era uma caminhada dolorosa lado a lado com o Eufrates, embora nem água nem frutos lhe faltassem.
À medida que avançava para sul, as aldeias tornavam-se maiores e mais frequentes. Por vezes, encontrava homens nos trabalhos agrícolas e pedia para ajudar em troca de alimentos. Isso ocupava-a por um ou dois dias e permitia-lhe um generoso abastecimento.
Admirava-se da quantidade de casas que as aldeias tinham. Perante estas, as da sua região pareciam ridiculamente pequenas, pois eram aldeias feitas de casas com um aspecto provisório, já que lá, muitos pastores deslocavam-se durante uma parte do ano à procura de bons pastos. Aqui, à medida que se aproximava duma dessas grandes aldeias, via, cobrindo a suave elevação, uma intrincada rede de telhados de madeira e junco, muros de tijolos, janelas e escadas encostadas nos muros. Era difícil distinguir onde acabava uma e começava outra casa, tão juntas e apertadas.
Beneficiou da hospitalidade duma família duma dessas aldeias, uns dias de descanso, comida paga com trabalho doméstico e agrícola. Ana estava maravilhada com o que via. Os instrumentos e artefactos eram muito mais eficientes, mais diversificados e de melhor acabamento do que o que tinha em casa. Tudo o que era de barro era decorado e era muito plano e liso. Os instrumentos de pedra e de osso eram mais finos e precisos.
Todos queriam saber quem ela era e, como era comum as pessoas localizarem-se numa longa genealogia de 10 a 15 gerações, ficavam surpreendidos quando Ana se limitava a dizer "Ana, filha de Adão". "Bem, de Adão, consta que somos todos, mas quem é o teu pai", "Adão", insistia Ana, "Sim, Adão, filho de quem?", "Ele? Não tem pai. Foi feito à imagem e semelhança de Deus" e a conversa continuava até aceitarem que ela era a irmã dos velhos e famosos Seth e Caim.
Passados alguns dias, pôs-se de novo a caminho. A meio-dia de marcha da aldeia parou para comer e descansar. Adormeceu sob a sombra de uma frondosa árvore. A meio do sono, acordou sobressaltada com um peso enorme em cima. "Está quieta, agora tu és minha!". "Deixa-me! Quem és tu?"  O volumoso agressor tapou-lhe a boca enquanto tentava a todo o custo, fazer caminho para o corpo dela que se mantinha fechado, as pernas cruzadas. Enquanto se debatia, Ana ouviu uns passos muito rápidos, o ruído de folhas e pauzinhos secos de Outono a partirem-se numa cadência muito rápida, o corpulento homem a levantar-se de imediato e a cair logo de seguida, atravessado por uma forte lança de cobre. O bando de homens de onde a lança proviera aproximava-se a correr. O que vinha à frente tinha um vistoso elmo de cobre e todos os outros traziam longas adagas também de cobre nas mãos.
Assim que chegou ao pé de Ana, o homem deu-lhe a mão para a erguer do chão. "Há algum tempo que perseguíamos este degenerado. Sou Tubal-Caim, filho de Adão, Caim, Enoque, seus descendentes, para abreviar, e, por fim, de Lameque. Sei que tu és Ana, irmã do nosso venerado Caim. Ele sabe que tu vens para cá". "Como soube?". "Os chefes das aldeias comunicam uns com os outros e com a sua cidade sagrada que é Enoque. Temos códigos para comunicar através de corneta e do tambor".
Era um grupo grande, de algumas centenas de homens, todos fortemente armados, não com cajados de pastor, nem com lanças de pau com ponta de obsidiana, mas sim com fortes e coesas armas de metal, arcos e flechas, elmos, lanças, adagas e escudos. Eram todos ágeis e musculados e olhavam com muita reverência para Tubal-Caim como se ele fosse um deus.

Levaram Ana numa espécie de liteira transportada por quatro homens. "Já caminhaste muito até aqui. Agora estás por nossa conta", disse Tubal. Andaram três dias até as muralhas de Enoque aparecerem ao longe. Ana estava verdadeiramente deliciada com os mimos com que era tratada na caravana de Tubal. Dormira quase todo o caminho. Os homens tratavam de tudo, da comida e das tendas e das coisas do acampamento quando paravam para dormir e descansar. Ana sentia que ela e Tubal eram quase como deuses para os jovens do exército de Enoque, principalmente quando souberam que Ana era filha do lendário Adão.

Atravessaram uma pontezinha sobre o rio que circundava Enoque e entraram nas portas da cidade. Sobre as muralhas de uma altura que ultrapassava a de 8 homens encavalitados uns sobre os outros, Ana viu guerreiros armados de sentinela que andavam de um lado para o outro.

Conduziram-na ao Palácio. Na sala do trono, estava o velho Enoque que recebia uma multidão de homens das aldeias. Todos traziam ovelhas, bois e vegetais, que eram dádivas para o Patési Enoque e para os templos. "É o dia do tributo. Acabaram as colheitas."," explicou Tubal. O que é um templo?", inquiriu Ana. "É a casa dos deuses e das deusas." "Há vários?", perguntou Ana. "Há muitos, mas nós só veneramos dois, o Deus Criador e a sua esposa". "Então ele tem uma esposa?", "Sim, senão como podia ter filhos?", respondeu Tubal. "Em criança, Adão disse-me que havia só um deus que é o Senhor. Os outros não serão anjos?", "Anjos, deuses e demónios, alguns bons outros muito maus. Num templo mora o Senhor, como tu dizes, no outro, mora a sua mulher". Nesse momento, Ana lembrou-se de Lilith e perguntou a Tubal sobre ela. "A mulher que nunca envelhece? Ela vive no templo da Deusa".

Uma zona do palácio estava destinada a Caim que estava muito velho e quase sempre recolhido. A descendência de Caim vivia num bairro de casas mais pequenas à volta do Palácio. Apenas a família real propriamente dita habitava o Palácio. Embora a faímília de Tubal, os pais e os avós vivessem nas redondezas, ele vivia lá porque era considerado um provável herdeiro do Patési, devido à sua enorme popularidade como guerreiro e como inventor de instrumentos em metal.

Caim foi efusivo na recepção a Ana. "A minha maninha mais nova! Então e o mais velho? Sei que ele não me quer ver. Por isso, nunca lá fui como Seth e os outros fazem"  Ana deu-lhe todas as informações sobre o envelhecimento difícil de Adão.

"Foi um homem que se julgou eterno. Eu, pelo contrário, bem digo a morte. Sei que ela está para breve e é uma amiga que me vem buscar".

Enquanto conversavam, Ana  não conseguia tirar os olhos da marca que ele ostentava na testa. "Tornou-se maior do que era" - explicou Caim - "espalhou-se pela testa toda". Via-se um centro bem definido e uma zona de  penumbra cada vez mais ténue até se esbater no tom da própria pele.

"Deixar-me viver foi o castigo de Deus. Se o acuso, é de não me ter matado antes de eu ter morto o meu irmão. Não é ele Senhor dos raios e das tempestades? Então porque não fez que um raio caísse em cima de mim? A verdade é que Ele chega sempre tarde, quando já não há nada a fazer. Onde está a sua famosa omnisciência?".

"Como foi esse encontro com Deus?", perguntou Ana. "Foi apenas a voz dele que se zangou comigo e me pôs a marca na testa" - explicou Caim, como já lhe tinha dito Adão. "Aqui não O adoram. não é? Adoram outros deuses", disse Ana na expectativa de ouvir a opinião de Caim.

"Dão-lhe outro nome. Nenhum deles teve um contacto directo com Ele, por isso, têm que imaginá-Lo à sua maneira e com as palavras que têm à mão", "Mas adoram também uma deusa, a mulher Dele", "Ninguém me disse que Deus não tem uma esposa. Se não é o caso, porque não vem Ele próprio cá abaixo para nos esclarecer? Porque é que só aparece a algumas pessoas que escolhe quase sempre pelas piores razões? Já muita gente fez crimes piores do que o meu. Porque é que ele só aparece a mim? Olhem Lameque que se ufana de ter morto gente pelas razões mais insignificantes e diz que será perdoado por Deus, como eu fui. Não o fez, que se saiba, aqui na cidade. Senão seria castigado pela justiça dos homens que é menos caprichosa que a divina".

Ana procurara debalde a mulher de Caim. Não lhe tinha sido mostrada nenhuma. Não sabia como havia de colocar o tópico. "O teu filho Enoque também já está velho. Quem é a mãe dele?"

Caim mostrou-se incomodado com a pergunta, mas respondeu: "Percebo o que queres saber. Lilith é a mãe dele. Ela foi a minha primeira mulher, mas depois, eu e o meu filho começámos a envelhecer e ela mantinha-se sempre jovem. Um dia desapareceu e eu arranjei outra esposa, a que acrescentei outras que já morreram. Eu não sabia da história dela com Adão, do que dizem dela, não sei se é verdade se é mentira. Desde, então, ela mudou-se para o templo. Muitos crentes confudem-na com a própria deusa. Amam-na e temem-na ao mesmo tempo. Raramente a vêem, mas quando ela aparece, é um acontecimento. É uma jovem extremamente bela, mãe de um velho rei".

"Quando chegaste à Terra de Nod, não havia ninguém?" "Eram só Lilith e os seus numerosos filhos, mas não tinha homem junto dela. Eu vinha furioso, triste, zangado comigo, com Deus e com os homens e foi ela que me recebeu, deu-me um lar e um começo de vida. Estive muitos anos com ela. Ajudou-me a construir esta cidade". "Nunca quiseste saber de quem eram os filhos dela?". "Não. Eram jovens e crianças extremamente belas". Parte da população de Enoque descende deles."

Uns dias depois, Ana resolveu ir ao templo. Apresentava-se agora de maneira diferente. A roupa de lã, rude, que trazia, a saia comprida e o xaile, fora substituída por um vestido de uma lão muito mais fina profusamente decorado. Trazia colares e pulseiras de ouro que os ourives do Palácio lhe deram. Na rua, todos os que a viam lhe faziam saudações respeitosas. Fora divulgado pelos soldados que ela era irmã do senhor Caim e filha de Adão. À entrada da rampa que dava acesso ao templo, os numerosos fiéis baixavam-se e faziam-lhe uma vénia, abrindo-lhe caminho.

Decorria uma cerimónia em que os casais que desejavam ter filhos eram abençoados pela Deusa. Quando Ana entrou, viu as pessoas a tocarem em Lilith como se ela fosse a própria Deusa. Lilith, a jovem eterna, mãe de reis, parecia a própria divindade. Assim que viu Ana, Lilith apressou-se no ritual despachando os numerosos crentes.

Dirigu-se a ela sorrindo: "Então tu é que és a famosa filha de Adão e Eva". Convidou-a a comer para conversarem. "Então o que te leva a fazer uma tão longa viagem?" "Tu és o motivo!", respondeu Ana. Lilith não se admirou. "Por onde andaste, Ana?", perguntou-lhe com um ar muito penerante como se estivesse a tentar ler-lhe no rosto a resposta. "Andei pelo Éden...", disse Ana, sustendo o olhar de Lilith, fitando-a com firmeza na expectativa do efeito do esclarecimento.

"Mas esse jardim decadente ainda existe?". "Sim. nâo me pareceu nada de especial. As nossas searas na Primavera são mais bonitas", "Não está lá ninguém para cuidar dele e os próprios deuses o abandonaram, não é? Deixei esse jardim muito antes deles, como já deves saber", "Deuses?", "Ou anjos ou demónios, é tudo a mesma coisa", retorquiu Lilith.

"Mas voltaste lá, não é verdade?", "Muitas vezes e ainda quando eles lá estavam", acrescentou Lilith com um ar de malícia.

"Estiveste com Adão às escondidas de Eva? E tiveste filhos dele?", "E não só dele... Mas tive-os fora do jardim. Éden para mim era uma prisão, por isso, fugi de lá".

"Foram anjos caídos os teus amantes, não é verdade?", "Foram só dois. Escolheram tornar-se humanos para me amarem". "E assim conseguias entrar e sair do Éden... E assim conseguiste comer do fruto da árvore da vida", "Vejo que estás bem informada", "Estive com Haziel, o guardião da espada flamejante", "Pobre Haziel... Agora já sabes porque sou uma deusa. O fruto fez-me igual a eles. Este corpo é um empréstimo, tanto estou nele como fora e não sirvo para outra coisa senão para povoar os sonhos dos homens. Se não morro, também não vivo com o prazer que tinha antes. Se os anjos que decaem em humanos conquistam o prazer da carne, nós os que ascendemos, perdemo-lo", riu-se tristemente.

Ana ganhou empatia com Lilith. Sentia-se mais como sua irmã do que como oponente. Sentiu pena da perda de Lilith, uma mulher cheia de juventude, beleza e força, mas sem desejo nem satisfação. "Foi por isso que deixaste Caim?", "Sim, deixei de desejá-lo ou de desejar qualquer um, sou um corpo sem desejo, sem ser anjo nem humano", "Porque não és anjo?", "O Senhor não me aceita como um dos dele, atira-me para o Outro. Sim, Lúcifer, o anjo desobediente, mas eu não quero nada com ele. Decidi que vou ser a Deusa da mulher", "Por isso, estás aqui no templo". "Sim, inspiro todas as mulheres, a lembrarem-se de que não são filhas da costela de Adão, mas, pelo contrário, é Adão que é filho delas. Eu fui a primeira, mas o Senhor não ficou contente comigo por eu ser demasiado independente e fez Eva de uma costela do homem. Filha de uma costela, coitada! A minha vingança é esta: por onde quer que O adorem, dêm-Lhe o nome que derem, eu lembrarei os povos de que tem de haver uma mãe de Deus ou uma esposa Sua e eles adorá-la-ão e é a mim, a mulher feita Deusa, que eles estarão a adorar, dêm-lhe o nome que derem, Innana, Hera, Maria ou Ísis". Enquanto dizia isto, toda ela brilhava com um ar ameaçador e a sua imagem desfazia-se para voltar a tomar corpo e regressar ao aspecto saudável da sempre jovem Lilith.

Ana não percebia muito do que Lilith dizia, mas reconhecia-lhe razão. Se os anjos só desejavam ser homens e não mulheres, pelo menos, havia um deus que continuava a ser Mulher. Era mais justo.

Lilith, agora em carne e osso, com todas as faculdades que a faziam mulher perante os outros, olhou com um ar preocupado para o exterior. "É noite. Vou mandar preparar um quarto para ti. Não vais agora andar aí à noite até ao Palácio. Boa noite, querida. Eles levam-te a ceia e tudo o que precisares".

Os criados deixaram-na num magnífico quarto que nada ficava a dever ao que tinha no Palácio. O encontro com Lilith enchera-lhe a cabeça ainda de mais perguntas do que as respostas que recebera, mas estas tinham-lhe também por fim dado uma certa tranquilidade. Dava graças ao Senhor, por não ter conseguido obter o fruto da árvore da vida. Seria como uma segunda maldição para o pobre Adão. Primeiro, Eva, agora seria ela a infernizar-lhe a vida. Sorriu ao pensar "é para isso que nós servimos para criar intranquilidade e insatisfação nos deuses e nos homens" Com este pensamento, aconchegou-se e adormeceu.

A meio da noite, ouviu o ranger da porta. Olhou e viu um vulto que de repente ficou todo iluminado como se tivesse luz própria. Reconheceu-o. Era Haziel, agora nu e sem as asas de anjo, que vinha na sua direcção.

"Ana, resisti a Lilith, mas não resisto a ti. Deixa-me amar-te". "Haziel? Que fazes aqui?", "Tenho-te seguido por todo o lado. Deixa-me ser homem ao pé de ti", "Mas tu queres ser uma anjo caído? Queres ser mortal?", "Não sabes o que é viver apenas com o desejo do desejo. Só por ti caio e morro, Ana".

Haziel deitou-se ao seu lado. Ana afastou-se e declarou: "Não resistiria se avançasses, tão belo és, mas por favor não o faças, amo um homem chamado Dan que me espera muito longe daqui". Haziel, contudo, abraçou-a docemente e Ana estava a deixar-se levar, embora recusando quase a chorar, "Por favor, Haziel..."

Quando Haziel aproximou os lábios do seu rosto, Ana ouviu um barulho de passos apressados e na porta entreaberta apareceu um homem forte de longas barbas cinzentas. Haziel e Ana ergueram-se de sobressalto e gritaram em uníssono: Henoch!"

"Haziel sai daqui! Não ouviste a Ana dizer que ama o meu filho Dan?"  Haziel levantou-se e saiu porta fora. "Como chegaste aqui?", inquiriu Ana a Henoch. "Ana, eu estou no meu leito a dormir como tu. Foi o Senhor que me deu este poder de entrar nos sonhos daqueles que amo. Os filhos de Deus quando se perdem pelas filhas dos homens, entram nos sonhos delas. Se o aceitasses, ele apareceria ao teu lado de carne e osso quando acordasses. Aproveito para te dizer que o teu pai morreu há um mês e que o meu filho partiu já há algum tempo para Enoque, para ir ter contigo. Sei que tenho apenas cerca de mais cinquenta anos convosco. Depois, o Senhor tomar-me-á para si. Quero vos deixar a todos bem na vida. Agora, acorda um pouco Ana, abre os olhos e depois volta a dormir um sono repousante". Ana assim fez. Saiu ao pátio e olhou para o céu. Uma bela lua cheia! "Que pesadelo, este!", pensou.

No dia seguinte de manhã, Ana comeu na companhia muito humana de Lilith e despediu-se dela. No Palácio, não se falava de outra coisa: "a morte de Adão, o pai do senhor Caim". A notícia chegara através de viajantes e pela sequência de toques de tambores e cornetas. Sabia-se que vinha aí Dan, o filho do patriarca Henoch.

Uma semana depois, chegava Dan. Ana atirou-se aos abraços dele assim que o viu. Contou-lhe todas as suas avnturas e desventuras sem lhe omitir nada. Dan concluiu: "Este mundo dos deuses é deveras estranho. Agora que Adão morreu, todos sabemos que temos uma vida para viver e que a eternidade tem um preço demasiado alto. Por isso, vamos viver o que há para viver e não paguemos ao Senhor mais do que nos é exigido". E ali ficaram a viver, em Enoque, onde começara a aventura da civilização.

20
Nov09

Ana e a árvore da vida (3)

Redes

Episódio 1 - Filha de Eva (se ainda não o leu, clique aqui)

Episódio 2 - A visita de Henoch (se ainda não o leu, clique aqui)

Episódio 3 - O Éden revisitado

Uma dor no peito repentina e aguda clamou pela mão de Dan que logo acorreu e se encerrou sobre o grosso cajado do velho Adão. Os olhos entreabriram-se a custo e era um velho zangado, recortado sobre o azul do céu que Dan via na origem da sua dor.

"Que fazes aqui a dormir ao relento? Foges aos rituais de Hennoch? Vai para ao pé dos outros. Vamos começar a colheita".

Adão, sem esperar qualquer resposta, virou-se para um jovem que o acompanhava, e pediu esclarecimentos num tom mais baixo: "Sabes quem é este rapaz?". "Não sabes, pai? É Dan, o noivo da Ana", respondeu o outro, ao mesmo tempo que se afastavam.

Nesta altura, já Ana ia longe. As aldeias de casas de tijolo das gentes de Adão viam-se já muito pequenas no horizonte. Pensava em Dan. Tinha pena de o deixar só, perdido. Dera-lhe em segredo o propósito da sua viagem e ele prometera nada revelar a ninguém. Entre tantos jovens a casar, raparigas que vão e raparigas que vêm, Henoch preocupado com o ritual, Adão a confundir tudo, sem o protesto de Dan, Ana esperava que ninguém desse pela falta dela. Apenas Eva entenderia a sua ausência como recusa e, com a solidariedade de mulher que não teve escolha, permaneceria em silêncio. Saíra ainda de noite, para ter a certeza de que daria as costas ao nascer do Sol quando chegasse a uma zona desconhecida.

A tiracolo, levava a sua grande saca de recolecção, cheia de frutos e pães que retirara dos preparativos para a festa e um odre que enchia de água sempre que podia. Além da saia de lã comprida, levava consigo uma pesada manta, para se proteger durante a noite. Felizmente a época era boa. As árvores e arbustos dos caminhos estavam cheias de frutos e bagas doces, havia searas à espera de colheita de onde poderia roubar grãos que teria que mastigar assim mesmo, já que não disporia da sua pedra de moer para fazer farinha e preparar uma papa ou mesmo cozer pão. Não, ela sabia que, para sobreviver nesta aventura, teria que saber comer como o gado ou os animais selvagens.

Andou dias assim. Entretanto, a nossa caminhante viu com apreensão o fim das terras férteis, demasidado distantes dos rios e dos canais que os agricultores abriam. Racionou a água que bebia às gotinhas. Procurava durante o dia um abrigo para dormir e continuava a caminhada um pouco antes do pôr-do-sol. Apanhava pequenos animais como lagartos e gafanhotos que lhe repunham a força necessária para continuar. Os dias passavam nisto e, quando, por vezes, se anunciava o fim do deserto, verificava depois que tudo não passava de meia dúzia de árvores e dum charco de água e que mais deserto penoso apareceria à frente para prosseguir.

Ana já andava perdida, como que sonâmbula, quando, ao chegar ao ponto mais alto duma montanha do deserto, foi surpreendida por um espectáculo inigualável: um vale verdejante no cruzamento de quatro braços de um rio. "Se isto não for o Éden que mais poderá ser?"

Quando desceu e se aproximou do vale, percebeu que o acesso não seria fácil. Escondeu as suas magras posses debaixo dumas pedras na proximidade do rio. "Lembrou-se da história da nudez no Éden e manteve a saia enrolada à cintura para poder nadar, coisa que aprendera nos pequenos canais perto de casa, não fosse o Senhor surpreendê-la nua no jardim". Tentou entrar num ângulo onde se cruzavam os dois braços de água. "Será este o lado nascente, por onde eles saíram?". Altos canaviais e arbustos espinhosos interpunham-se entre ela e o rio de águas limpas. Serviu-se da faca de obsidiana que levava consigo para cortar pequanos ramos e conseguiu ultrapassar a barreira e lançar-se à água. 

Assim que mergulhou e viu o fundo do rio, o espectáculo deixou-a horrorizada: dezenas e dezenas de esqueletos humanos presos no fundo lodoso despontavam, ora uma caveira, ora uma mão que parecia pedir socorro, ora uns pés que pareciam querer mover-se em direcção à superfície. "Será que ficarei aqui como eles?"

Conseguiu chegar a terra. Assim que se apeou da água, desenrolou a saia, espremeu-a, sempre a olhar à volta, e vestiu-a. Quanto à parte de cima, paciência! O xaile ficara junto da manta. Receava avançar: "Aqui deveriam estar os querubins". Viam-se apenas alguns animais, aqui e ali. Parecia apenas comum natureza verdejante, mas selvagem. Ana entrou por ali adentro. Era um vale muito maior do que parecia visto do monte. Muitas árvores carregadas de fruta que Ana, faminta, não deixou de aproveitar.

Meteu-se por um emaranhado de arbustos que lhe parecia ir dar a uma clareira central. Sentiu-se presa. Afastou com as mãos os ramos para pôr a cabeça e ver aonde aquilo ia dar. Um barulho de cortar o ar, misturado com cheiro a enxofre, levou-a a recolher-se e a encolher-se toda para dentro do arbusto. "Meu Deus, ia ficando sem cabeça". Ficou a observar por entre os ramos. O estranho objecto voltou e Ana reconheceu-o das histórias de infância: "A espada flamejante!". Ela continuava numa circunferência imutável à volta duma grande árvore, sem convicção a dar golpes em inimigos imaginários, como se estes também se dispusessem num círculo perfeito à volta da árvore.

Ana depressa compreendeu que poderia aproximar-se e observar melhor a árvore. Bastava penetrar no círculo imaginário, logo a seguir a uma passagem da espada. Cortou os ramos necessários e ficou com uma abertura suficiente para passar. Esperou que a espada passasse e correu na direcção da árvore. Ofegante sentou-se apoiada no tronco, à espera.

"Será que a espada sai da sua rota para me matar?" Preparada para fugir ao menor sinal, Ana nem conseguia olhar para a árvore. Mas não. Ela continuava no mesmo caminho, "Mas, espera aí", pensou Ana, "agora está a andar mais devagar". Até que por fim parou, esfumou-se e, nesse ponto, apareceu um homem. Ana olhava-o da árvore, isto é, do centro do círculo, o homem a aparecer no ponto em que se esfumava a espada, a cerca de cem metros de distância.

Durante uns minutos, o homem permaneceu imóvel, como se estivesse preso àquele lugar. Então, começou a avançar lentamente na direcção de Ana que, paralisada pelo medo, mantinha-se sentada com as costas apoiadas na árvore. À medida que se aproximava, Ana observava-o. Era extremamente belo. Trazia uma saia comprida de lã e vinha em tronco nu. Musculado, alto, olhos azuis e cabelos cor-de-ouro.

Assim que chegou perto, tapou os olhos com a mão esquerda e com a direita apontou para Ana: "Por favor, levanta-te e tapa-te". Nas mãos de Ana, apareceu o xaile que deixara na outra margem. "Tu és um querubin?", perguntou Ana, a ganhar confiança. "Sim". "Então, porque não tens asas?". "Sou Haziel. Este é o aspecto que tenho perante os seres humanos".

"Que me vais fazer?", perguntou Ana. "Nada". "Não me impedes de tirar o fruto da árvore?". "Não, serve-te".

Foi então que Ana olhou para a árvore. Estava ressequida e não tinha qualquer fruto, apenas umas folhas de um verde acastanhado. "Que lhe aconteceu?", "Ficou assim desde que a primeira mulher veio cá e comeu frutos e deu-os aos amigos".

"A minha mãe nunca cá voltou", respondeu Ana. "Ah, tu és uma filha de Eva! Não, referia-me a Lilith". "Lilith?" "Quando ela veio, eu fiquei paralisado, incapaz de me mexer por causa da beleza dela". "E os querubins do lado nascente?". "Oh, esses desapareceram muito antes da visita de Lilith. Foram atrás das filhas dos homens". "Mas não foi Eva, a primeira?", "Não! O senhor criou os animais, macho e fémea, e o Homem também. Nem a mulher precede o homem nem o contrário. Um não existe sem o outro. Só criou Eva da costela de Adão porque a primeira só estava com Adão quando lhe apetecia e não procriava dele. Depois, fugiu do Éden. Alguns anjos que tinham a tarefa de a  trazer para o Jardim foram seduzidos por ela e perderam-se. E a mim ia-me acontecendo o mesmo. Deixei-a comer o fruto como se estivesse hipnotizado a vê-la. Quando reagi, já ela se tinha ido embora e agora volto para o Senhor. Já não há nada aqui a fazer. Se queres saber mais sobre isto, fala com Lilith. Consta que está na Terra de Nod. Mas aviso-te que os perigos são maiores do que a própria morte de que queres fugir". "Não era para mim, era para o meu pai", ia Ana dizendo, enquanto Haziel desaparecia no ar agora sim, com umas belas asas.

 

Imagens extraídas de "Lilith", Wikipedia. A primeira, uma gravura de John Colier do final do sécul XIX, a segunda, um relevo mesopotâmico do séc. XX a.e.c..

11
Nov09

Ana e a árvore da vida

Redes

A árvore da vida (parte central) de Gustav Klimt

(extraído de lapislavra.wordpress.com)

Episódio 1 - Filha de Eva

Ana recordava-se do tempo em que o pai era um homem muito forte. Para ela, o mais forte do mundo. Mas agora ele estava sempre a queixar-se de dores em todo o corpo. Eram os músculos que latejavam quando pegava em alguma coisa mais pesada, coisa rara para um patriarca tão rico e poderoso, tão cheio de filhos, netos, bisnetos e bisnetos dos bisnetos em que muitos já tinham zarpado em busca de novas terras cumprindo o mandamento divino de encher a terra. Era também o fôlego que perdia quando se punha por mero prazer a ajudar nas lides do campo, as dores que surgiam nas costas e nas articulações quando se baixava.

Um dia, Ana ouvira-o confessar: "Começo a acreditar na palavra do Senhor quando me condenou, "és pó e em pó te tornarás". Muitas vezes me perguntava o que Ele queria dizer com isso. Quando o meu Abel morreu, creio ter compreendido o que era voltar a ser pó. Mas passaram-se anos e até agora ainda não vimos o que é isso. Virá um anjo ou outro homem matar-me? Agora estou a ver que não, é  simplesmente este desaparecer aos poucos, cabelos brancos, rugas, perda de força, dores... até desaparecermos".

Ana nascera muito depois da morte de Abel, uma espécie de santo que toda a gente venerava, o grande iniciador do culto de sacrificar cordeiros ao Senhor. Abel morrera havia já mais de seiscentos anos e Ana era uma jovem mulher de apenas cem anos. Caim, o irmão mais velho, o fraticida, prosperava muito longe dali, na Terra de Nod, onde fundara, com o primeiro filho, a cidade de Enoch, de que se contavam maravilhas.

Seth, com quase oitocentos anos, de aspecto tão velho como o pai, aparecia de vez em quando. Era também um grande patriarca, com as suas terras e as suas famílias. Na verdade, Adão, já tinha perdido a conta aos seus descendentes, eram dezenas ou, mesmo, centenas, de milhar. A sua comunidade era ela própria composta por alguns milhares. A de Seth, também, e já havia centenas delas espalhadas pela superfície da terra, fundadas por netos e bisnetos de Adão e dos seus filhos.

Última filha, Ana, fora sempre mimada pelos pais. Eva dizia: "Depois desta, o Senhor selou-me o ventre". Em pequena, era muito curiosa, queria saber tudo o que tinha acontecido. "Pai, como falavas com o Senhor no jardim? Via-lo?". "Não, era apenas a voz dele que nos entrava pelos ouvidos e nos dominava duma maneira que mais nada se podia pensar ou ver", respondia Adão e, quando explicava isto fazia uma cara de sofrimento e esforço, como se estivesse naquele momento a acontecer aquilo, mas logo a seguir, falava-lhe ao ouvido como se fosse Deus, mas fazendo-lhe cócegas com a barba: "Onde estás, Ana? Porque te escondes?". Ana ria-se e respondia: "Ouvi a tua voz, vi que estava nua e escondi-me". E enfiava logo a longa saia de lã, não fosse o Senhor surpreendê-la nuazinha.

"A serpente não rastejava antes de falar contigo, mãe?", perguntava a Eva. "Não sei, filha, a primeira vez que a vi estava enrolada na árvore". "Falava?", "Falou daquela vez". "Não achaste estranho?", "Tudo era estranho para mim, desde que apareci naquele sítio, feita duma costela do teu pai. Não tive a sorte de ter uma mãe que me ensinasse as coisas assim aos poucos desde pequenina, como tu". "O fruto era saboroso?", "Não me consigo lembrar do seu sabor. Só me lembro daquela voz horrenda, paralisante, a condenar-me "Com dor, darás à luz filhos"".

Havia já alguns anos que Ana se interessava por rapazes. Eva, como nunca fora rapariga, deliciava-se sempre com este momento, em que de meninas passavam a mulheres, apesar de já ter sido mãe dezenas de vezes.  "Não sei o que é conceber sem dores. Não sei o que é isso como castigo, pois não o imagino de outra maneira."

O mesmo dizia Adão a propósito do trabalho: "Sou rico. A minha família trabalha para mim e já tenho outros que vêm de longe e procuram a minha protecção. Chamam-me Pai, mas já perderam a linha que vai de mim até eles. Já há centenas de anos que não preciso de trabalhar, mas gosto de o fazer. Também não entendo esse castigo,  "maldita é a terra por causa de ti; com dor comerás dela todos os dias da tua vida". Não! Bendita é esta terra que regamos com o nosso suor!". Às vezes, olhava para os campos a perder de vista e pensava: "Isto é melhor que as árvores do Éden".

Tudo era misterioso para Ana, a história do pai e da mãe eram os seus contos de fadas. Procurava compreender tudo e buscava as respostas às lacunas que lhe apareciam. O senhor Deus que falara com os pais e com os irmãos não se mostrava à toa. Era algo nebuloso para ela. Nunca o vira. Era quase como "no tempo em que os animais falavam", embora nesta história apenas a serpente o tenha feito. "Porque é que Deus já não fala com o pai?". Havia quem dissesse que Deus falava com o primo Enos, filho de Sete, que organizava grandes cerimónias religiosas com a sua família e a sua vizinhança e com Henoch, um homem de apenas trezentos anos, trisneto daquele.

Lembrava-se de quando pequena, com dez ou doze anos, ter ouvido uma conversa entre o pai e a mãe, na cama: "Como era, antes de eu aparecer?" "Sim, como fazias, sozinho?" A isto, Adão respondia com evasivas: "Não consigo recordar-me desse tempo. É como se tu tivesses estado sempre comigo, não me imagino sozinho". "Mas estiveste trinta anos sem mim, que é a diferença entre nós!", "Passaram muito depressa, pois não me lembro de quase nada".

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