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Sem Rede

"Sobre aquilo de que não conseguimos falar, é melhor calarmo-nos." (Was sich überhaupt sagen lässt, lässt sich klar sagen; und wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen) - Wittgenstein.

"Sobre aquilo de que não conseguimos falar, é melhor calarmo-nos." (Was sich überhaupt sagen lässt, lässt sich klar sagen; und wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen) - Wittgenstein.

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19
Jul11

Predicativo do sujeito

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É perturbante que o dicionário terminológico, que eu considero um bom instrumento de trabalho, não responda eficazmente a algumas dúvidas elementares colocadas pelas suas definições. O caso que tenho entre mãos é o "predicativo do sujeito" que é assim definido:

"Função sintáctica desempenhada pelo constituinte que ocorre em frases com verbos copulativos, que predica algo acerca do sujeito."

A definição de verbos copulativos é lamentavelmente circular, isto é, leva-nos de novo à entrada de "predicativo do sujeito", facto que foi devidamente assinalado no momento da discussão da Tlebs.

"Verbo que ocorre numa frase em que existe um constituinte com a função sintáctica de sujeito e outro com a função sintáctica de predicativo do sujeito."

Como são interdependentes, ficamos sem saber o que é um e o que é o outro.

É neste enredado que aparecem as dúvidas. No Guião de Implementação do Programa de Conhecimento Explícito da Língua, aparecem, numa das actividades propostas para o assunto do predicativo do sujeito, as seguintes frases:

  • O Pedro saiu zangado.
  • A Maria chegou triste.
  • O António nasceu português.

São frases cujos predicados eram designados por verbo-nominais por conterem também um predicativo do sujeito. Veja um exemplo desta classificação numa entrada da Wikipedia: Predicado (gramática).

Ora, no dicionário não aparece nenhuma solução para designar correctamente a função sintática dos constituintes sublinhados nas frases acima. Como vimos, a classificação de predicativo contradiz as definições do dicionário, pois os verbos das três frases não são copulativos.

Não obtenho uma resposta assertiva e clara por parte dos autores do dicionário: qual é a função sintáctica desses adjectivos.

A minha resposta é: predicativo do sujeito! Mas fico perturbado com a contradição com o dicionário e com a consistência da actividade do GIP que foi precisamente buscar estes casos para mostrar ao aluno que estas frases não têm predicativo do sujeito, pois os grupos adjectivais podem ser excluídos sem que a frase fique agramatical.

01
Out10

"O ensino do Português" de Maria do Carmo Vieira

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Contra o facilitismo

 

Em O Ensino do Português1, Maria do Carmo Vieira insurge-se contra o espírito de facilitismo e de inovação que invadiu a educação em Portugal e que terá degradado o ensino do Português. Opõe a estas rupturas, nefastas no seu entender, a tradição pedagógica e o paradigma dum ensino assente nos textos que a história da literatura consagrou.

Nesta, como em muitas vozes que reclamam contra o facilitismo, confundem-se muitos níveis de discussão. Por exemplo, o facilitismo pode perfeitamente ter um fórum de discussão distinto do da taxa de repetência. Se houvesse mais repetições, provavelmente, teríamos maior qualidade nos alunos sobreviventes, mas globalmente o nível baixaria, porque aumentaria o número dos que abandonam a escola. Por outro lado, mesmo sem repetições, poderíamos ter um sistema sem qualquer facilitismo que daria conta da progressão dos alunos nas competências e saberes fundamentais e que nunca deixaria que um aluno deixasse de cumprir etapas perfeitamente assinaladas antes de avançar para patamares mais exigentes.

Quando Maria do Carmo põe a ênfase na facilidade com que se passa de ano tem inevitavelmente razão: a tutela é responsável por os alunos fazerem uma escolaridade formal sem as aprendizagens correspondentes, pois inscreveu num sistema que é selectivo nos seus fundamentos um permissivismo em relação ao cumprimento dos critérios.

Contudo, quando um programa afirma que o professor tem de atentar aos desempenhos reais dos seus alunos e tentar diversificar o trabalho na turma de modo a que os alunos mais fracos preencham lacunas na aprendizagem está apenas a enunciar um princípio pedagógico genérico. Mas será possível "compensar" anos de atraso de modo que o aluno domine os conhecimentos necessários? Aqui, de novo, tem Maria do Carmo Vieira razão ao dizer que isso é uma tarefa impossível. Trata-se do modelo da “compensação educativa” que já provou a sua inadequação. Ora se um aluno se atrasa é porque não consegue acompanhar o ritmo desejado e é de todo improvável que o professor consiga colocá-lo a tempo na grelha de partida.

Mas a resposta da autora também não serve: que os alunos repitam até conseguirem. Ora muitos estudos demonstram que a reprovação é um mau processo, gerador de abandono escolar e muito pouco eficaz, pois há muitos alunos que não melhoram substancialmente na repetição de ano.

Maria do Carmo Vieira deseja voltar ao anterior sistema, selectivo. Ora, a verdade é que o sistema escolar português dos anos 60 e 70 também era ineficaz pois gerava taxas de abandono escolar insuportáveis. A efectividade das aprendizagens era muito relativa. Muitas pessoas, por exemplo, saíam com classificação satisfatória a línguas, mas sem saber o mínimo de francês ou inglês.

No que respeita ao Português, o ensino falhava na tarefa de criar leitores eficientes porque os alunos aprendiam leituras já feitas de um conjunto muito limitado de obras e de autores. Assim, por exemplo, na leitura de "Os Lusíadas", o que os alunos aprendiam sobre o poema estava nos apontamentos e só tinham que decorar. Tal como acontece infelizmente ainda hoje, em vez de lerem os textos, muitos alunos, decoravam com sucesso respostas a prováveis perguntas.

O facilitismo era palavra de ordem: os alunos contavam os pontos e seleccionavam as disciplinas em que poderiam completar os 29 valores necessários. Se tinham, por exemplo, 12 nos dois primeiros períodos, bastava ter apenas 5 no último. Faziam-se escolaridades inteiras com nota negativa sistemática a uma certa disciplina. O facilitismo consistia, tal como hoje, nos professores bonzinhos que mudavam a sua nota para o aluno passar de ano.

Qual a diferença então? É que este sistema medíocre aplica-se hoje não a menos de 20% dos nossos jovens, mas a uma massa de 100%. A selectividade tornou-se necessariamente menor pelo aumento da base de recrutamento, digamos.

Maria do Carmo Vieira não faz uma reflexão suficiente sobre as questões que coloca. Resolve-as duma forma rápida e facilitista e este facilitismo não lhe deve ser perdoado, pois quando fala das teorias e pedagogias que repele nem sequer as enuncia, nem as coloca historicamente, na sua génese e nem as confronta com os problemas que tentam resolver.

Assim, quando critica Walter Lemos por dizer que os países que não têm repetências têm mais sucesso em termos de aprendizagens ignora que ele está apenas a dar conta de resultados de estudos internacionais amplamente conhecidos: reprovar os alunos dá mau resultado (p. 18). Não vê, por exemplo, que nada há de intrínseco no chumbo dum aluno. O mau resultado é-o em relação a critérios de rendimento que são discutíveis e têm a ver com o modo como o ensino está organizado. O nosso país é, ainda hoje, e apesar de todo o facilitismo, um dos que mais reprova em toda a OCDE.

Há aqui um problema que é o de fazer uma escolaridade para todos que permita a cada um realizar o seu máximo desempenho, demorar o tempo que necessita para realizar os pré-requisitos necessários a novos patamares, sem reprovações. Para isto, Maria do Carmo Vieira não diz nada de relevante que não seja a mera expressão de uma atitude hostil ao estado das coisas, e a defesa duma inevitável selecção social.

 

Escola, pau para toda a obra

 

No texto, avultam casos e casos de interferências entre a cultura escolar e as encomendas de todo o género que se fazem cada vez mais à escola, a partir de várias instituições e poderes. Se algumas são impertinentes, outras, como a educação sexual e a luta contra a SIDA têm um lugar evidente, pois a escola gratuita e obrigatória sempre teve que se preocupar globalmente com os seus educandos e não apenas com o que é tradicionalmente matéria escolar, pois há muitos outros conhecimentos e competências necessárias à vida. Também, quer queiramos quer não, os poderes públicos viram sempre a escola pública como o meio mais eficaz de comunicar com os jovens. Reconheço, contudo, que se abusa actualmente da escola com programas extra-escolares que prejudicam a sua missão específica.

 

Programas do Secundário

 

Quando refere alguns aspectos dos novos programas do Secundário (páginas 31 e 32), Maria do Carmo parece querer sugerir que as mudanças são justificadas pela aceitação dos jovens. Não é de todo esse o caso. Houve estudos que mostraram que um currículo baseado unicamente num acervo de textos literários canónicos não era suficiente para que os alunos desenvolvessem as competências de leitura e escrita necessárias aos desempenhos que se exigem socialmente.

Para assegurar esse aspecto, importa que os alunos se exercitem na leitura, na escrita e na recepção e elocução de diferentes tipos de textos. Como afirmei atrás, mesmo no campo literário, não é correcto que se transformem em programa certos textos e autores, assim sacralizados, pois existe o risco de os jovens se tornarem repetidores de leituras feitas pelos outros (professor, manual) e não desenvolverem a sua capacidade efectiva de ler.

A autora queixa-se de que os alunos chegam ao 10º ano sem saber ler e escrever correntemente, em resposta às queixas dos professores universitários. Se chegam assim ao secundário, o que é que os professores têm que fazer, senão ensiná-los a escrever sem erros? O que é certo é que os deixam seguir para a Universidade com essas dificuldades.

Então este rol de queixas não justifica uma mudança programática a dar prioridade às competências de ler e escrever sobre a leitura dos clássicos da literatura? Resumindo, Maria do Carmo Vieira é contra as competências e a favor da predominância da literatura, mas parece não ter os alunos de que gostava para esse efeito. Não se entende a sua crítica à falta de textos literários, pois os programas do secundário incluem textos retirados do nosso cânone. A tradição literária é, sem dúvida o critério da escolha de sermões de Vieira, pois, não são o melhor exemplo de textos argumentativos.

Estou em sintonia com algumas das ideias de Carmo Vieira sobre o tratamento a dar ao texto literário. Não deve ser reduzido a nenhum dos protótipos textuais, porque a arte literária joga com a infracção das convenções e, mesmo o género de um certo texto literário deve ser objecto de discussão e análise e não ser considerado um dado à partida. Um poema pode ser uma nota autobiográfica, mas nunca se limita a isso.

Há textos utilitários do passado que são hoje tidos por "literários". Incluem-se aqui textos publicitários, religiosos - por exemplo, sermões -, historiográficos – as crónicas de Fernão Lopes, por exemplo - e etc. O ser literário também depende da leitura. Pode-se fazer uma leitura literária de textos utilitários. Creio que é o contrário que escandaliza Maria do Carmo Vieira por ter uma alta consideração do literário. Mas a eficiência na comunicação linguística, oral e escrita, também é um valor importante.

Neste âmbito, devemos, parece-me, utilizar textos autênticos. Se é um requerimento, que tenha sido escrito e entregue num circuito semiótico onde circulam requerimentos. Se for um texto publicado e não entregue numa secretaria, é porque não é um verdadeiro requerimento, mas sim um texto que usa a forma do requerimento, mas tem uma outra intencionalidade, eventualmente de ordem literária.

É por isso que suspeito da leitura dos sermões do Padre António Vieira como exemplos do texto argumentativo. Será que os alunos aprendem a argumentar com base nessa leitura? Para o fazer, não seria necessário reconstituir a polémica e os acontecimentos que ele denunciava do púlpito, trazer os argumentos contrários. Não seria melhor ler os discursos do primeiro-ministro e os do chefe da oposição a respeito do orçamento de estado ou do estado da nação?

Vejo com agrado que a autora também está preocupada com o exercício efectivo da leitura que se limita frequentemente ao decorar ou, no melhor dos casos, ao acompanhar de leituras alheias. No meu 5º ano (1973), eu não li Os Lusíadas, li as estrofes apenas a seguir uma leitura conduzida pelo professor.

Quando um texto é considerado sagrado, todos querem estreitar as possíveis leituras, indo ao ponto de se ler apenas a superfície gráfica e fonológica, impedindo o aluno de se tornar um verdadeiro leitor. Creio que é o que acontece em muitas escolas corânicas em que os pequenos são obrigados a decorar versículos do Alcorão. N'Os Lusíadas, o que estava em jogo era mais a incapacidade de abranger tantos códigos novos colocados em conjunto (mitologia, retórica, versificação, história, etc.).

 

Terminologia Linguística

 

Sobre a Terminologia Linguística (p. 34...), Maria do Carmo Vieira não vai além da opinião não esclarecida que chegou ao ponto de querer fazer uma petição ou um referendo e querer levar as pessoas a dizer se sim, são a favor, ou se não, são contra, como se fosse possível, neste âmbito, decidir-se assim.

O problema é que gramática ensinar e como ensiná-la. As páginas 34, 35 e 36 mostram como Maria do Carmo Vieira se encontra como muitos outros professores de Português num estado de ignorância a respeito duma revolução que vem da década de 60.

Aqui impunha-se alguma humildade e estudar o assunto que foi o que eu fiz com muita dificuldade, confesso, porque a minha formação é histórica e literária e, se peguei na linguística foi por necessidade pedagógica.

Em 1986, comecei a leccionar Português no Ensino Básico. Licenciado em História, comecei por ler um livro famoso, escrito na década de 70, a adaptação brasileira de um livro francês, Linguística e Ensino do Português. Esse livro mostrava eloquentemente os erros da gramática tradicional. Quem o lesse honestamente não poderia continuar a ensinar gramática da mesma maneira. O livro mostra como as definições estão erradas e os alunos esbarram frequentemente nessa inexactidões.

Exemplo disso é a obra que a autora refere elogiosamente na p. 82: uma iniciação infantil à gramática em que se define o substantivo como "palavra que serve para designar uma pessoa, um animal ou uma coisa" e, se mostra numa ilustração, “um domador, um leão e uma jaula" a que se seguem, nesta animação, os verbos indicando "movimento e acção"2. Repare-se primeiro na complexidade da definição que se decora porque não se compreende (o que significa "designar"?). Depois, a sua inexactidão: então, a "corrida" o "salto" do leão e a "pancada" que o domador lhe dá não são nomes? E a "dor" do leão é uma coisa, um animal ou uma pessoa?

Se eu tivesse passado por esse texto na minha infância, teria com certeza um sentimento de nostalgia perante a sua evocação, como tenho em relação ao meu livro da primeira classe, mas isso não me impediria de analisar os problemas didácticos envolvidos para progredirmos neste domínio. Quer a Maria do Carmo que continuemos a ensinar gramática desta maneira? A partir de definições que são falsas, que têm que ser decoradas e que conduzem a erros. Já tive alunos a dizer-me que "movimento" é um verbo porque indica "acção". Eu lembro-me que não conseguia perceber porque o predicativo do sujeito não era complemento directo, se era para perguntar ao verbo "o quê"?

Pois, parece-me que a autora não leu o livro acima referido. Por isso, insiste, resiste na "substância" do nome. Pois não há nenhuma que faça o substantivo, todo ele é apenas função nominal e não temos dum lado o que é e do outro o que se atribui adjectivamente. Por isso, temos mover, movido, mover-se, movimento, movimentadamente, tudo palavras que se distinguem pela função que podem ter na frase e não por serem substância, qualidade ou acção.

Por exemplo, quando refere críticos da TLEBS, esquece-se de dizer que as críticas do João Peres são diferentes das do Álvaro Gomes e das do Jorge Morais Barbosa. Cada um deles, faria uma TLEBS diferente. Não fosse o tom hostil que esta polémica teve, a agenda escondida que tem a ver com a luta por poder de influência de faculdades, pessoas e instituições, seria apenas um debate muito interessante. Houve críticas do João Peres que produziram mudanças no texto da TLEBS.

A ignorância expressa neste trecho é chocante:

"Assistiu-se então à convivência, por exemplo, do sujeito, do predicado e do complemento directo, respectivamente com o sintagma nominal, sintagma verbal e sintagma preposicional" (p. 35).

É que têm mesmo que conviver! Um sintagma nominal pode ser sujeito ou complemento directo. Uma coisa é o tipo de sintagma, outra a função que tem na frase.

Reedita aqui as polémicas da TLEBS sem o conteúdo informativo que lhe daria sentido, com citações dos críticos já acima referidos.

Primeiro, a questão da designação da classe dos nomes que substitui a dos substantivos. Há dezenas de anos que nós professores do ensino básico utilizamos "nomes" em vez de "substantivo", por isso, o argumento de Jorge Morais Barbosa não colhe, já que não aduz nada de novo; quanto ao do Álvaro Gomes, limita-se a uma teimosia exagerada. Embora tenha sido pela mão de Jorge Morais Barbosa, na sua magnífica tradução e introdução à linguística do André Martinet que entrei nestes assuntos pela primeira vez, em 1977, temo que a sua contribuição para este debate tenha sido irrelevante. A oposição que faz entre gramática e linguística, de que a autora faz eco, só se compreende numa qualquer agenda desconhecida que tem a ver com a sua oposição aos linguistas da Faculdade de Letras de Lisboa. Se a Linguística que é o estudo das línguas não tem nada a ver com a gramática, para que serve então? Como pode não ser pertinente para o ensino da língua?

Tal como muitos outros intervenientes, Maria do Carmo Vieira passeia neste texto a sua ignorância gramatical, digo, gramatical e não linguística. E isso é lamentável numa professora que se atreve a escrever um livro sobre este assunto. Assinalo duas designações da TLEBS que ela apresenta como se fossem novidades escandalosas e acrescento ao lado o meu comentário:

Conceito

Comentário

- advérbio de frase

A nomenclatura gramatical portuguesa de 1967 já lhes chamava "advérbios de oração"

- aspecto verbal: incoactivo, inceptivo, cessativo, iterativo, frequentativo

Estes termos aparecem em gramáticas para o 3º ciclo muito anteriores à Tlebs3. Estou familiarizado com estes termos do meu 5º ano dos liceus (1973)

Quanto às novidades, quem trabalhou um pouco sobre filosofia da linguagem, não deixou de achar muito interessante a distinção entre tipos de actos de fala com origem em Austin e Searle. O seu interesse didáctico é inestimável, pois levam os meninos a pensar sobre a linguagem. Vou só dar um exemplo de actos directivos indirectos.

Numa reunião, onde algumas pessoas fumam, alguém diz: "Será que os senhores não podem passar uma hora sem nicotina?". Alguns fumadores apagam o cigarro, contudo a frase era literalmente uma pergunta e não uma ordem ou pedido, mas ninguém lhe responde, pois todos a entendem como uma ordem indirecta. De facto, em vez de fazermos ordens ou pedidos directamente, invocamos capacidade - “Podes estar calado?” - a questão - “Abres-me a porta?” etc...

E todos os cinco actos de fala são extremamente interessantes, por distinguirem diferentes usos da linguagem no dia a dia. Por exemplo, o declarativo - "declaro-vos marido e mulher", diz o padre - que torna efectiva uma determinada realidade ou o compromissivo que deixa as pessoas reféns do que disseram - o Egas Moniz e a famíia com a corda ao pescoço.

No que respeita às relações de sentido entre as palavras, mais uma bizarria da Tlebs para a autora, constituem relações lógicas de dois tipos particular/geral e parte/todo, raciocínios essenciais em todos os domínios do currículo. Um professor inteligente associa isso à figura da sinédoque, por exemplo, e ao significado dos prefixos hiper-, hipo- e holo-. Ou será que isto é demais para a senhora professora Maria do Carmo Vieira?

 

Novos programas de Português

 

Por fim, o que se diz a respeito da revisão dos programas do ensino básico é completamente inexacto, para não dizer falso. Nos novos programas, há um reforço do ensino da gramática que estava desvalorizada no programa de 91. A designação de conhecimento explícito da língua justifica-se porque não é na escola que aprendemos, ou melhor, adquirimos, as normas da língua, é em casa, do nascimento aos seis anos. Portanto, quando na escola aprendemos que o predicado vem a seguir ao sujeito estamos apenas a explicitar algo que já fazemos muito bem. Por isso, esta parte não é gramática normativa, mas reflexiva que tem aplicação na escrita e na leitura de frases mais complexas.

A leitura inscreve muitas das críticas que Maria do Carmo insere no seu texto: ler textos inteiros, exercitar a leitura propriamente dita e não o mero reconhecimento de conceitos no texto, autonomizar a leitura, etc... O mesmo se pode dizer a respeito da escrita.

Os conteúdos aparecem relacionados com os descritores que enunciam o que se faz com eles e não valem como matéria que se decora e se devolve em situação de avaliação tal e qual foi recebida. Pretende-se que sejam operativos, tal como a autora refere nas tarefas de leitura que propõe aos seus alunos em que não se trata de classificar o tipo de narrador quando os alunos já estão fartos desse item, mas sim de tornar esse conceito operativo na leitura e na escrita.

1Fundação Francisco Manuel dos Santos, Junho de 2010

2Estudos para a Senhora Gramática, de Vieira da Silva.

3M. Olga Azeredo e outros, Gramática prática da língua portuguesa, Lisboa Editora, 1995, p. 201.

18
Fev07

O manifesto do Vasco Graça Moura

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Li no Ciberdúvidas mais um artigo do Vasco Graça Moura sobre a Tlebs, publicado no DN em 31/01/2007. Trata-se de uma verdadeiro libelo. VGM parece assumir-se como o Gandhi da desobediência civil relativamente à Tlebs. Por um lado, diz que os professores têm formação, têm validade intelectual, mas por outro, oferece-lhes uma palavra de ordem bastante simplória, e, como vou mostrar, impossível de executar.

No artigo, VGM, retira do célebre ensaio do João Peres, já aqui muitas vezes referido, e de outras intervenções deste contraditório polemista, o que lhe interessa. Não diz nunca que quase todas as críticas feitas por si próprio à Tlebs são cruelmente rejeitadas ou desvalorizadas pelo João Peres. Dá assim a ideia de uma  solidariedade entre todos os que se opõem à Tlebs que é falsa.

Vasco Graça Moura conclui assim o seu libelo:

"No vazio instaurado, a si, caro professor, o que lhe resta é ir ensinando, provisoriamente, com base na Nomenclatura Gramatical Portuguesa de 1967 e na Gramática de Celso Cunha e Lindley-Cintra. Não serão perfeitas nem inteiramente satisfatórias, mas pelo menos não bloqueiam as suas possibilidades de se assumir a sério como professor de Português.

Até a TLEBS ser objecto de uma revisão decente, só resta um caminho: se o ministério se obstina em não repor a vigência da Nomenclatura, reponhamo-la nós!"

A minha primeira objecção é formal: necessitamos nós que alguém nos diga o que devemos fazer? Reivindico o seguinte: não sou menos do que o João Peres ou o Vasco Graça Moura no que respeita ao meu trabalho.

A segunda é: rejeito liminarmente o "nós" do Vasco Graça Moura.

Muitos professores ensinam há muitos anos. Tem ideias feitas sobre o que é ensinar gramática. Sabem que há contradições de conteúdo e terminológicas que têm com os colegas, os programas, etc. que a Tlebs ambiciona resolver.

Mesmo que quisessem, não poderiam seguir a palavra de ordem do VGM, pelas seguintes razões:
  • Muitos (como eu) só conheceram a Nomenclatura Gramatical de 67, por causa da Tlebs. Apenas sabiam vagamente da sua existência por referências feitas em vários textos.
  • A Nomenclatura não é seguida há mais de 30 anos, nem pelos programas oficiais, nem pelos professores, nem pelos manuais.
  • Que eu saiba, não há nenhum manual ou gramática escolar que cumpra essa Nomenclatura.
  • Lindley Cintra e Celso Cunha não cumprem a Nomenclatura. A gramática destes autores inclui muitos conceitos gramaticais que o Vasco Graça Moura criticou na Tlebs! Nem se percebe por que razão a aconselha.
Se eu me achasse no direito de propor uma palavra de ordem aos meus colegas, o que eu lhes diria, é o que eu faço:
  • Estudem a Tlebs.
  • Se ficarem convencidos da justeza de uma proposta que lá esteja, modifiquem o conteúdo e o modo do vosso ensino, apenas nessa medida.
  • Não caiam no engodo da polarização entre anti-tlebs e pró-tlebs. Isso é uma falsa questão que tem muita coisa escondida.
  • Sobretudo, ensinemos Gramática, com preocupação de actualização científica e adequação pedagógica e didáctica, isto inclui a Tlebs e muitas outras coisas.
05
Fev07

TLEBS: Corrigir e voltar atrás?

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Vem esta questão a propósito da TLEBS, que se diz que vai ser suspensa no próximo ano.
Acontece que, pela leitura da TLEBS, e pela polémica que ela suscitou, encontrei erros no meu ensino da gramática. Confirmei também que algumas das minhas concepções divergentes em relação a vários colegas meus, eram justas.
Vou dar exemplos de apenas três erros (há mais!) que eu não quero fazer.

Sujeito

Diz a gramática do Nunes Figueiredo e Gomes Ferreira (1) que o sujeito é o "o ser ou coisa sobre que se faz uma afirmação". É uma simplificação semântica que se pode eventualmente aceitar como conveniente, em termos didácticos, sobretudo, se depois ensinarmos correctamente como se determina o sujeito. No item seguinte, considera que podem desempenhar a função de sujeito, um substantivo, um pronome, um numeral, ou mesmo, uma frase.
Determinemos então o sujeito nas próprias frases fornecidas pelo autor da primeira gramática que estudei em profundidade (4º ano dos liceus):
1. O cão é um animal doméstico.
O sujeito é "cão".
Se substituirmos o dito substantivo por um pronome a frase fica:
2. Ele é um animal doméstico.
O sujeito passa a ser "ele". Mas repare-se que "ele" substitui o grupo nominal e não apenas o nome.
Vejamos uma frase com atributos e complementos determinativos:
3. O cão do meu amigo parece um animal selvagem.
Neste caso, o sujeito seria igualmente "cão", pois "do meu amigo" seria complemento determinativo. O predicativo do sujeito seria "animal", pois "selvagem"  seria um atributo. Quer dizer, não se considera o sujeito como um grupo de palavras à excepção do caso de uma "oração substantiva".
Esta maneira de considerar a sintaxe da frase, como uma linha sequencial em que os elementos se aglomeram sem qualquer hierarquia que não seja a distinção entre elementos fundamentais e elementos complementares da oração é a que resulta da Nomenclatura de 67 (2) que nunca cumpri no meu ensino.
A maior parte dos professores, suponho, ensina que
- em 1. o sujeito é "O cão";
- em 3.  o sujeito é "O cão do meu amigo".
Esta análise estaria de acordo com a Nova Gramática do Português Contemporâneo de Lindley Cintra e Celso Cunha (3) que está informada com as aquisições da gramática generativa, no que respeita à hierarquia dos elementos da frase, e não é "tradicional" no mau sentido do termo.
Não faz qualquer sentido a utilização da expressão gramática tradicional a não ser para a diferenciar da gramática generativa que se refere à competência linguística do falante. Há uma gramática que se adquire e outra que se ensina e que se estuda e que é uma continuação, um desenvolvimento da primeira e está ligada a usos linguísticos que eu creio mais sofisticados, ligados ao exercício da escrita e da leitura, como preparação para funções sociais cada vez mais exigentes. Ora, a gramática escolar que é uma coisa que se ensina e que é analítica e normativa, nunca foi alheia às aquisições do conhecimento linguístico. Chamar-lhe tradicional pode conotá-la com atraso. A necessidade sentida de criar a Nomenclatura de 1967 e de fazer a TLEBS prova que estamos perante uma realidade dinâmica, em constante evolução.

Predicado

Ainda de acordo com Nunes Figueiredo e com a Nomenclatura de 67, o predicado ou é o verbo ou é o verbo e a qualidade que se lhe acrescenta no caso dos verbos de significação indefinida. Os complementos directo e indirecto, assim como os complementos circunstanciais, são "elementos complementares da oração", não fundamentais, que se acrescentam ao verbo.
Assim:
- em 1., o predicado seria "é animal";
- em 3., "parece animal" (pois todos os outros elementos são complementares).
Vejamos como seria em frases com os complementos acima referidos:
4.  Ele foi para Lisboa.
5. A polícia judiciária do Porto interrogou o presidente do FCP.
6. O escritor dedicou o livro à sua mãe.
Teríamos:
- em 4. "foi" como predicado e "para Lisboa" como complemento circunstancial de lugar;
- em 5., "interrogou" como predicado e "o presidente do FCP" como complemento directo;
- em 6., "dedicou" como predicado e "o livro" e "à sua mãe", como complementos directo e indirecto, respectivamente.
A maior parte de nós ensina que o predicado é:
- em 4., "foi para Lisboa";
- em 5. "interrogou o presidente do FCP";
- em 6., "dedicou o livro à sua mãe".
Note-se que há uma contradição na gramática de Nunes Figueiredo quando reduz o sujeito ao substantivo e, mais à frente, na "transformação passiva" considera como sujeito o grupo nominal inteiro. Creio que foi forçado a isso pela própria lógica da passiva (4). É de acrescentar que esta redução do sujeito ao nome e do predicado ao verbo contradiz a própria definição semântica que dá das duas funções (5).
Conheço colegas que ensinam as duas funções tal e qual como Nunes Figueiredo, com o argumento de que "a gramática generativa acabou".
Para a TLEBS, fazem parte do predicado, os complementos e os modificadores do verbo e do grupo verbal. Antes de ter lido a TLEBS, predicado e grupo verbal eram a mesma coisa para mim, embora sob uma perspectiva diferente. Resumindo: só incluía no predicado os elementos obrigatórios, exigidos pelo verbo.
Alteremos 5. para exemplificar:
7. Ontem, a polícia judiciária do Porto interrogou o presidente do FCP.
Neste caso, eu não incluiria "ontem" no predicado. Com efeito, "ontem"  modifica o grupo verbal, mas não faz parte dele, pois não é exigido por "interrogou" que apenas exige um complemento directo. Depois de analisar a árvore da frase, cheguei à conclusão que a TLEBS estava certa. Em termos didácticos, também é mais simples dizer que é tudo o predicado. Além do mais a TLEBS coincide com Cintra e Cunha (6)

Subordinante e subordinadas

Outra mudança que eu acho que se impõe foi colocada pelo João Peres como uma crítica à TLEBS. Eu considero-a inteiramente justificada. Tudo se resume ao seguinte: as orações que desempenham funções sintácticas fundamentais da subordinante, integram-na.
Vejamos:
8. O Público diz que ontem a polícia judiciária do Porto interrogou o presidente do FCP.
Neste caso, não podemos considerar "O público diz" como subordinante porque esta expressão não é uma frase, pois falta-lhe o complemento directo que é "que ontem a polícia judiciária do Porto interrogou o presidente do FCP".
Penso que, em geral, a lógica está do lado da didáctica. Quanto mais lógico, mais simples. Se distingo frase (ou oração, se quiserem) de não-frase, não vou depois infringir a regra dizendo que uma expressão sem sujeito ou sem complemento directo é uma "oração" ou frase "subordinante". Duma forma geral, a falta de lógica apela ao decorar daquilo que o professor enuncia.
Agora pergunto: que autoridade tem o direito de me obrigar a ensinar coisas erradas que nem didacticamente se justificam? Mais: quem pode exigir aos professores formados pela TLEBS, que voltem a ensinar erradamente?

NOTAS

(1) Nunes Figueiredo, J. M., e Gomes Ferreira, A., Compêndio de Gramática Portuguesa, Porto, Porto Editora, 1975, p. 53.
(2) Nomenclatura Gramatical Portuguesa, Portaria nº 22664, Diário da República, I Série, 28 de Abril de 1967.
(3) Cintra, Lindley e Cunha, Celso, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa,1992,  p. 122.
(4) Nunes Figueiredo, J. M., e Gomes Ferreira, A., p. 62
(5) Idem, p. 55.
(6) Veja (3)
Para a análise do João Peres referida acima, por favor, veja  http://jperes.no.sapo.pt/
26
Jan07

João Peres, de novo

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O último artigo do João Peres no Expresso é de uma arrogância extraordinária. Põe na discussão da TLEBS, à falta de melhor, as relações de parentesco de um dos revisores com uma das autoras. Dá-se ao atrevimento de avaliar a inteligência de uma pessoa, no caso, do João Costa, pela escala da frequência de uma das suas cadeiras. Isto é, reduz o Presidente da Associação Portuguesa de Linguística a seu ex-aluno, com a pretensão óbvia de subalternizá-lo: ele é o Mestre, o outro, um produto do seu magistério! É como se dissesse: "ele é inteligente porque eu, a excelência em pessoa, dei-lhe 19!"
Tais considerações, num debate entre pessoas que se respeitam, nos estatutos que  têm, nunca deviam ser enunciadas e, muito menos, vir a público, a esse propósito.
Tendo em conta as apreciações eminentemente positivas que o João Peres teceu a propósito da TLEBS, em http://jperes.no.sapo.pt/, num ensaio em que a conclusão não joga com os argumentos, nem com as solidariedades que afirma, é estranho o apelo ao regresso à Nomenclatura de 1967.
Nenhum dos argumentos da Alzira Seixo ou do Vasco Graça Moura é validado. Muito pelo contrário, são todos ou rechaçados ou desvalorizados.
Nesse ensaio de http://jperes.no.sapo.pt/, tive a oportunidade de confirmar algumas das minhas dúvidas a respeito do ensino da sintaxe, como por exemplo, a consideração de que se devem classificar  as frases subordinadas como integrantes da subordinante, nos casos em que desempenham funções sintácticas daquela. As árvores de frase que fazíamos sempre sugeriram isso! Por isso, João Peres criticou, muito justamente, a definição da subordinante como residual relativamente às subordinadas.
Mas esta crítica, que avança muito mais no plano linguístico do que a TLEBS se atrevera, encontra-se acompanhada apenas de reparos superficiais, porque no essencial, João Peres discorda dos que gritam contra a mudança de "nome" para "substantivo", ou que choram por causa do fim dos "complementos circunstanciais". Muito pelo contrário, concorda com a inclusão dos seguintes conceitos:
- a classe dos quantificadores,
- tipos de frase,
- função de modificador,
- etc. para referir alguns dos conceitos mais polémicos para outros intervenientes.
Pelas premissas e conclusões científicas daquele ensaio, seria de esperar a proposta de alterações à lista de termos da Portaria, se fosse o caso, e às definições que constam do dicionário.
É deveras caricato que um cientista que prima pela agressividade teórica e, que, pelos vistos, a completa com argumentos de ordem pessoal, venha propor o regresso ao "antigamente" e não a correcção do que, com erros, vem resolver problemas antigos.
João Peres esperava que, no pós 25 de Abril, e nos anos seguintes, os professores de Português, se cingissem a uma portaria de 1967!
Pois não o fizemos nunca e os professores universitários, que nos formaram, ensinaram-nos teorias mais acertadas cientificamente e doutrinas pedagógicas mais ousadas e mais generosas. Nem a Gramática... de Lindley Cintra e Celso Cunha se atém à Nomenclatura, apesar de ser na leitura desse texto que eu dei conta da sua existência. É verdade que a minha Gramática do 4º ano do liceu do Nunes Figueiredo assevera estar de acordo com "a nova nomenclatura gramatical portuguesa", mas isso, só agora tem sentido para mim .
O problema é que já há muito tempo que nós não respeitamos essa portaria e foi por isso que surgiu a necessidade de uma nova.
A conversa da soberania do Estado sobre a Língua é espantosa, pois em minha opinião, um Estado de Direito não deve ter nenhum documento legal a definir conceitos científicos, quer sobre a língua quer sobre qualquer outra realidade. O que está aqui em causa é apenas uma necessidade prática do Ensino Básico e Secundário de unificar a terminologia gramatical para efeitos de avaliação externa das competências dos nossos alunos e também para evitar erros no seu ensino.
Reconheço que esta medida tem implicações, uma vez que outros sectores, como a imprensa, por exemplo, acabarão por aceitar essas mudanças terminológicas e conceptuais, por causa da Escola. Portanto, elas devem ser tão justas e adequadas quanto possível.
Mas João Peres está a sugerir que eu ensine aos meus alunos que o predicado ou é o verbo no caso do predicado verbal, com verbos intransitivos, ou é o nome ou o adjectivo no caso do predicado nominal, com verbos copulativos. É o que está na minha gramática de 1972, que cumpre a Nomenclatura! Mais: sei que há professores que, como felizmente não têm formação linguística, ensinam o predicado como eu aqui referi. Se é a essa conclusão que o Professor João Peres quer chegar, por favor, proponha que, na sua universidade, seja retirado, do currículo da formação de professores de Língua Portuguesa, esse veneno que dá pelo nome de Linguística!
02
Jan07

Predicativo do sujeito

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Eu não estava a ser exacto quando, em resposta à colega Inês Pinto, nos comentários a Carta ao Sr. José Nunes, promotor de uma petição para revogação da TLEBS, afirmei o seguinte:
"À partida, não concordo com o dicionário da Terminologia Linguística, quando admite um sintagma preposicional como predicativo do sujeito. Para mim, tem de ser um Sintagma Nominal ou um Sintagma Adjectival."
Descobri isso ao encontrar na gramática do Lindley Cintra e Celso Cunha um exemplo de predicativo do sujeito do seguinte género:
(1) O homem estava entre a vida e a morte.
A parte da frase assinalada a itálico seria para mim um predicativo do sujeito aceitável.
As minhas objecções eram na verdade de ordem semântica e não sintáctica.
Também, perante uma frase como a seguinte,
(2) O carro é do meu pai,
eu não teria dificuldade em aceitar o grupo assinalado com predicativo do sujeito, porque reconheceria aí a transformação do grupo nominal "o carro do meu pai" numa frase em que o verbo copulativo se limita a fazer uma ligação.
Concluí, então, que tinha caído no mesmo tipo de armadilhas que denuncio ao criticar os colegas que dizem aos alunos que o sujeito é "aquele que realiza a acção". Se, em vez de (1), a frase fosse
(3) O homem estava entre o Rossio e os Restauradores,
eu diria erradamente que estava perante um verbo locativo e um complemento preposicional, mas a frase tem exactamente a mesma estrutura da anterior.
A minha dificuldade compreende-se por quase não aparecerem nas gramáticas casos de grupos preposicionais como predicativo do sujeito e, ainda menos, com o significado de lugar, como era o caso em apreço. Mesmo no meu exemplar da Gramática... da Maria Helena Mira Mateus, os exemplos de predicativo do sujeito são grupos nominais ou grupos adjectivais.
Mas agora parece-me aceitável que qualquer complemento preposicional que se ligue ao sujeito através de um verbo copulativo, seja um predicativo do sujeito. O que está em causa é o tipo de ligação que o verbo realiza. Com efeito, se iniciarmos uma frase da seguinte maneira
(4) Camões esteve...,
as perguntas possíveis são as mais diversas - ONDE? COMO? O QUÊ? - e o tipo de grupos que lhes podem responder são também dos mais variados - grupos nominais, adjectivais, adverbiais e preposicionais, revelando, portanto, a significação indefinida do verbo.
Se o início da frase fosse
(5) Camões morou...,
a pergunta suscitada seria apenas ONDE? e a resposta um complemento preposicional de lugar.
 Portanto, em "Camões esteve em Macau", "em Macau" é predicativo do sujeito.
20
Dez06

Fraccionários

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Na minha leitura do ensaio de João Peres sobre a TLEBS, eu especulava:
«Quanto aos fraccionários que ele considera que se deveriam incluir, também eu andei de volta deles. Concluí que não estavam considerados como subclasse por não serem palavras, mas grupos nominais. Quando dizemos "um quarto dos alunos", "quarto" parece ser um nome.»
Contra esta minha observação, interveio tempodividido, com mais um dos seus elípticos, mas produtivos, comentários:
«E em: "cada vez que" - exemplo, na TLEBS, de conjunção subordinativa temporal no domínio das classes de palavras - "vez" parece-lhe o quê?»
Fui assim levado a reconsiderar a possibilidade de os fraccionários serem uma subclasse dos quantificadores, como locuções:
«
Não há a menor dúvida que há argumentos sólidos para questionar a ausência dos fraccionários, entre os quantificadores... Seriam locuções, então...»
Tenho agora nas minhas mãos a recente Gramática de Clara Amorim e Catarina Sousa, com apoio científico de Mário Vilela e Alina Vilalva, publicada pela Areal. Na página 198, reproduzem-se argumentos similares aos meus para rejeitar a inclusão dos fraccionários e dos multiplicativos na classe dos quantificadores:
- em "um quarto de litro de vinho", "quarto" é um nome;
- em "meio frango", "meio" é um adjectivo.
- em "dei-te o dobro do tempo para fazeres o teste", "dobro" é um nome.
(Estes exemplos são meus, mas feitos de acordo com os da referida gramática)
17
Dez06

Artigo a metro do Sr. José Júdice

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Num artigo, publicado no jornal Metro, lido por milhares de pessoas no dito meio de transporte, o Sr. José Júdice resolveu também pôr a sua colherada na Tlebs. Que melhor objecto erótico-sentimental poderia ele encontrar para preencher o seu espaço de prosa dedicada a milhares de encarregados de educação que por aquele meio de transporte transitam? Depois de dissertar sobre as experiências dos nazis nos campos de concentração, que coisa mais tlebática poderia haver, foi o senhor José Júdice, com um entreolhar malicioso para o leitor, procurar um exemplo similar do que no tempo dele fazia rir a juventude, umas passagens dos Lusíadas, talvez, adivinhemos, o Canto IX. Que coisa tlebática teria esse potencial erótico? Adivinhe, caro leitor! Nada mais, nada menos que o termo "conjunção coordenativa copulativa". Quando li isto fartei-me de rir porque, imaginem, dei por mim a colocar aqui o Sr. José Júdice a cu pular com o "e" e o "também", não fosse o termo "cópula" ser desconhecido da generalidade dos leitores do Metro. Talvez não seja esse o caso e aconteça que muitos dos seus leitores se lembrem de ainda na década de 70 estarem a decorar as conjunções coordenativas copulativas para um teste de Português.
17
Dez06

Carta ao Sr. José Nunes, promotor de uma petição para revogação da TLEBS

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(O texto, ao ser aqui editado, sofreu algumas modificações de forma)

A sua petição leva-me a colocar as seguintes observações:
 
- a Terminologia Linguística vem-nos dizer quais são os termos gramaticais mais adequados, direi mesmo, mais certos.
- a Terminologia Linguística foi experimentada antes de ser generalizada.
- quando se faz uma experiência pedagógica, não há "cobaias", há apenas a experiência que todos temos que fazer em todas as coisas na vida, essa coisa que muitos quereriam perene, mas que também acaba um dia, com melhores ou piores experiências.
- a Nomenclatura Gramatical de 1967 está actualmente errada. Continuar a aplicá-la é impossível para mim, porque estudei e sei que está errada. Não ensino coisas que sei erradas aos meus alunos. Há mais de 20 anos, que estamos quase todos ilegais!
- dou-lhe exemplos de coisas que quase todos os professores do 1º e do 2º ciclo ensinam que contradizem a NGP de 67: artigos, possessivos e demonstrativos como petencentes à classe dos determinantes; grupo nominal, grupo verbal e grupo móvel; frase simples e frase complexa.
- além disso, há imprecisões conceptuais e rupturas no ensino da gramática que a TLEBS vem resolver. Por exemplo, devido a uma lacuna programática no 2º ciclo, há professores que dizem que o predicado é o verbo; outros que dizem que o predicado é o verbo com os seus complementos (obrigatórios ou acessórios). Exemplifico:
Na frase,
"O governo revogou a Tlebs",
(1) uns dirão que o predicado é "revogou";
(2) outros dirão que é "revogou a Tlebs"
Os que optam por (2) estão de acordo com o que os professores do 1º ciclo ensinaram sobre os grupos de palavras da frase, já referidos acima, nominal, verbal e móvel. Os que optam por (1), entram em ruptura com o 1º ciclo. É como se dissessem: esqueçam isso do grupo móvel, do verbal e do nominal que isso agora não interessa para nada.
Quem tem razão? Agora o senhor julgue. Trata-se de gramática muito simples:
  • O verbo "revogar" exige um complemento.
  • "Revogar" é revogar "alguma coisa" que se acrescenta ao verbo.
  • É isso mesmo, o complemento directo, "a Tlebs" tem que fazer parte do predicado, porque é um grupo de palavras que está agarrada ao verbo.
Mas o senhor, com esta petição, quer que a má experiência continue.
 
Vale a pena continuar uma má experiência?
 
Reconheço que a intervenção da Professora Maria Helena Mira Mateus nesse programa da Antena 2 cria confusão. Além de não responder de uma forma assertiva a algumas das questões colocadas pelo jornalista - tenho a certeza que poderia fazê-lo -, revelou insegurança, quanto a mim injustificada.
 
Por exemplo, a propósito da distinção entre complementos e modificadores, peço-lhe que verifique se o seguinte trabalho é ou não é exequível para os alunos do 3º ciclo.
 
  • Vamos analisar a frase "Camões esteve em Macau".
  • "Em Macau" é um complemento ou um modificador?
  • É um complemento se o verbo exigir a sua colocação. É um modificador se o seu acrescento for opcional e não obrigatório.
  • "Em Macau" é um complemento porque o verbo "estar" exige um grupo de palavras à sua direita.
 
Agora teste a antiga NGP:
  • Acha que "em Macau" é uma circunstância de lugar de "estar"?
  • O que significa "estar" sem especificação de lugar ou qualidade, ou tempo, ou o que quer que seja?
  • Ele exige um complemento para significar alguma coisa!
  • Repare que a palavra "circunstancial" significa "acessório", "facultativo".
  • Por um lado, temos o acontecimento, por outro, temos circunstâncias de "tempo", "lugar", "modo" e um número quase ilimitado de outras "circunstâncias" (Como me lembro de tentar decorá-las! Companhia, instrumento, intenção, finalidade, causa, etc.)
 
Não tenho a menor dúvida que na frase abaixo, "em Macau", seria aceitavelmente, um complemento circunstancial de lugar, isto é uma circunstância da acção:
 
"Camões escreveu parte dos Lusíadas em Macau."
 
Seria um modificador, diríamos hoje, uma vez que reservamos a palavra "complemento" para as palavras que respondem a uma exigência do verbo.

Penso que, neste debate, todos podemos entrar desde que tenhamos a humildade de ouvir e testar os argumentos de todas as partes. É impossível intervir sem tratar da coisa propriamente dita: a gramática.
11
Dez06

João Peres apresenta uma crítica da Terminologia

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(Agradeço ao Paulo Prudêncio esta referência).
João Peres, linguista da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, apresenta um extenso ensaio de crítica da TLEBS. Para o ler, vá a http://jperes.no.sapo.pt/peres_elementos_tlebs.pdf.
Prefiro, por agora, fazer observações pontuais, na difícil digestão desta leitura.
1.João Peres concorda com a introdução da classe dos quantificadores, mas faz críticas contundentes à definição das subclasses e à inclusão de certos determinantes indefinidos  e relativos (como "certo", "outro", "cujo"). Não sei se tal problema não decorrerá da prioridade dada a critérios diferentes (comportamento sintáctico versus semântico). Parece-me evidente a dificuldade em explicar a um aluno que "cujo" quantifica o que quer que seja.  Mas, por outro lado, em certas expressões "certos", não nos diz, que, pelo menos, não são todos?
Quanto aos fraccionários que ele considera que se deveriam incluir, também eu andei de volta deles. Concluí que não estavam considerados como subclasse por não serem palavras, mas grupos nominais. Quando dizemos "um quarto dos alunos", "quarto" parece ser um nome.
2. Nas páginas 21 a 23 do documento PDF acima referido, João Peres critica imprecisões conceptuais das definições de subordinante e de subordinada. Concordo inteiramente com ele, mesmo numa perspectiva sintáctica, generativa, pois a subordinação faz-se frequentemente em relação a um dos constituintes da frase e não relativamente à própria frase.
(1) Os alunos que tiveram positiva no último teste estão dispensados do trabalho final.
A frase assinalada está subordinada a "os alunos" pois, a frase "os alunos estão dispensados do trabalho final", pura e simplesmente não existe.
Quero dizer que eu sempre entendi isto assim, pelas próprias árvores das frases.
(2) Não me agrada que andes à chuva.
A frase assinalada é o sujeito da frase como um todo. A frase "não me agrada" não é frase nenhuma, portanto não pode ser subordinante.
Tanto em (1) como em (2), a subordinante é a frase toda.
Gostaria de saber o que diriam as linguistas que fizeram a TLEBS, a respeito da crítica de Peres, nestes dois casos. A objecção da simplificação didáctica não é aceitável aqui, dada a complexidade de algumas definições da TLEBS. Entretanto, vou continuar a ler o texto de Peres, com a seguinte curiosidade em mente: "Que TLEBS faria ele?"
A minha problemática não se situa entre TLEBS, objecto que ainda estou a digerir, e não-TLEBS, mas sim em "Como ensinar gramática da língua portuguesa, hoje?". A este respeito, tenho-me entretido a comentar o que a TLEBS e os seus críticos dizem.

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